Leia o texto I e responda às questões de 01 a 05
INFELIZ É QUEM ESPERA PELA FELICIDADE
Falar de felicidade é talvez trazer um tema polêmico e
até contraditório. Todo mundo quer ser feliz, mas poucos
acreditam numa vida feliz. Felicidade tornou-se um assunto
desgastado. Há muito esse assunto fincou pé nos discursos
religioso, científico e midiático e em nenhuma dessas alternativas
se encontrou o caminho para alcançá-la. Então a felicidade
passou a ser encarada como um ideal a ser atingido, mas como
ideal também se diz que ela é impossível e, assim, resta a
frustração. Como se pode desejar tanto uma coisa e ao mesmo
tempo se descrer da possibilidade de ela tornar-se real?
As religiões – de modo mais específico, o cristianismo –
compreendem a felicidade como uma dádiva. E exemplifica: é
possível ser feliz dentro de uma igreja em partilha com outros
crentes, fazendo a caridade aos necessitados, vítimas do destino
(?) ou da exploração social. Há quem diga que sua maior
felicidade seria ver uma criança pobre feliz ou um indigente
satisfeito por ter, naquela manhã, ganho uma cesta de café. Mas
quanto durará a sua felicidade, quanto durará o sorriso da
criança, a satisfação orgânica do indigente? De quantos
desgraçados precisará para se fazer feliz?
Talvez seja mais alentador abandonar a possibilidade
de se ser feliz aqui na terra e transferi-la para a eternidade
celestial. Aqui – dizem alguns religiosos – a existência é um
percurso de sofrimento, de infortúnios porque não há como
resolver todas as desgraças da humanidade. Além disso, o ser
humano é existencialmente desamparado. Não há como evitar a
falsidade, a ingratidão e o conflito com os outros. Se os outros
tanto incomodam, só buscando um lugar em que todos estejam
apaziguados por um ideal comum. No céu, diz-se, só há
felicidade.
A ciência nunca prometeu a felicidade para após a
morte. Na verdade, esse não é o seu campo. Ao contrário, muito
da promessa científica está exatamente em evitar a morte como
se esta fosse a maior razão da infelicidade humana. Sim, saber
da morte entristece; ver outros morrerem, especialmente os mais
próximos, deixa no ar uma tristeza profunda. Às vezes a perda
parece até irreparável. Entretanto, a maioria das pessoas não
pensa na morte todos os dias nem se perde um parente ou
amigo todos os dias, então, isso não justifica a infelicidade. O
estado de tristeza advém também da dor, da insatisfação por não
ter realizado alguns desejos, por não ter concretizado o
planejamento feito no projeto de ano ou por não ter conseguido
simplesmente concluir a agenda diária.
Existe hoje, mais do que nunca, uma pressão para ser o
profissional do mês, o aluno brilhante, a mulher "perfeita" pessoal
e profissionalmente, o homem supergenial com visão de
mercado e saudáveis relações afetivas. Enfim, se quer um ser
humano que, mesmo não sendo feliz, transpareça felicidade.
Para isso, os anabolizantes, as pílulas de combate ao
envelhecimento, de redução de estresse; as pílulas que turbinam
o cérebro e o pênis, modafinil e viagra, respectivamente,
acendem a ideia de que é possível ser plenamente feliz.
Supondo que a adesão à farmacologia seja maciça, haveria a
plenitude da felicidade? Ainda não, porque a felicidade a que
tanto se almeja não é facilitada por coisas ou por ilusões de
mercado.
Aliás, a mídia vende ilusões e por meio delas penhora a
felicidade. O discurso midiático, na maioria das vezes, coloca a felicidade ao alcance de quem a procura sem delongas e sem
efeitos colaterais e adversos. Compre esse apartamento e seu
lar será maravilhoso, use o tênis tal e seus pés voarão. Abolir
esforços é o marketing fabuloso dos "espertos" para se ir da
infelicidade à felicidade sem escalas ou conexões. É rápido, e
mesmo para quem não tiver dinheiro existem os créditos
bancários, financiamentos etc. Enfim, a felicidade está aí, à
disposição. Porém, a corrida para as compras não pode parar.
Não se pode negar que esses discursos continuarão
convincentes para boa parte das pessoas. Eles convencem pela
exaustão, mas falham porque a felicidade não é uma dádiva nem
uma oferta de terceiros; não se pode empacotá-la como presente
nem o projeto para ser feliz pode ser construído por outra pessoa
ou empresa.
A felicidade só pode ser encontrada na verdade de cada
um. Daí que ser feliz tem a ver com orientar-se por valores
íntimos e humanos que promovem a própria realização pessoal.
A felicidade deve ser procurada aí. Ficar esperando por ela em
promessas alheias ou artifícios fabricados é perda de tempo.
Alguns costumam dizer que a felicidade como tal não
existe. O que há são momentos de felicidade. Pois bem, se a
felicidade são instantes, a infelicidade também. Entre um instante
e outro há o quê? Considerando que não se está em guerra, que
não se está gravemente enfermo, por que não se pode dizer que
se está feliz? Não dá para ser feliz restringindo esse estado aos
dias em que se pensa serem os mais especiais, como o dia em
que se comemora o aniversário, ou se realiza a formatura, o
casamento ou nasce um filho. A vida não se constrói de instantes
célebres. A vida é diária. É a labuta do cotidiano.
A felicidade não deve, pois, ser tomada como momentos
extraordinários. Isso é a felicidade fácil dos imaturos. Viver feliz é
viver na coerência dos valores humanos tanto nos
relacionamentos, quanto no trabalho, em casa ou no lazer. A
felicidade pode não ser um sonho ou um instante. Viver com
dignidade é já razão suficiente para a felicidade.
(Profª. Drª. Elza Ferreira Santos. Infeliz é quem espera pela
felicidade. In.: Sociedade no Divã, Jornal da Cidade, B-6
ARACAJU, 17 e 18 de janeiro de 2016)