Uma ameaça chamada luz visível
Por Naira Hofmeister e Sílvia Lisboa
Aquela dose generosa de protetor que você passa antes de se expor ao sol pode não
blindar sua pele como esperado. Calma: é para continuar lançando mão do produto, só que um
elemento aparentemente oculto despontou nesse enredo e tem gerado preocupação. Ocul to, não.
Digamos que ele é bem visível.
Uma investigação do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) revela que
outro tipo de radiação solar, bem menos estudada e contra a qual a maioria dos filtros não
consegue atuar, é capaz de danificar o tecido cutâneo. Trata-se da luz visível, que, como o nome
indica, tem ondas que podemos enxergar – ao contrário dos raios UVA e UVB. “Nas células da
pele, essa radiação gera lesões que, no longo prazo, podem sofrer uma transformação maligna”,
conta o professor da USP e líder da pesquisa Maurício da Silva Baptista. A descoberta, inédita,
sobre esse potencial cancerígeno ajudaria a explicar o aumento da incidência de tumores de
pele, apesar das fortes campanhas de alerta por aí. “Casos de melanoma, o mais letal dos
cânceres de pele, crescem de 3 a 4% a cada ano”, lamenta o médico Hélio Miot, diretor da
Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). Os outros tipos também seguem avançando.
O estudo da USP desvendou que o efeito prejudicial da luz visível, que corresponde a 45%
da energia solar que alcança o corpo, é multiplicado devido à associação com os raios UVA.
Combinadas, as duas radiações aumentam, na pele, a produção de lipofuscina, o pigmento do
envelhecimento – e isso acontece independentemente da cor da cútis. O inquietante é que hoje
não existem filtros solares capazes de interceptar a luz visível. Especialistas afirmam, porém,
que não é caso para pânico. “Essa radiação é menos energética e perigosa que a ultravioleta. O
UVA, por exemplo, é mil vezes mais potente no que se refere aos danos”, pondera Miot.
Na escala de preocupação dos experts, sempre figurou no topo a fração UVB. Ela é a mais
tóxica à pele, mesmo representando apenas 5% da radiação que atinge o corpo e tendo danos
mais restritos às camadas cutâneas superficiais. É o raio solar com maior probabilidade de
causar um câncer em médio prazo. “Há 50 anos, se sabe que o UVB promove o envelhecimento e
afeta o DNA das células da pele, sem contar que ainda prejudica estruturas dos olhos e favorece
a catarata“, contextualiza Miot, que também é professor da Universidade Estadual Paulista
(Unesp). O UVA seria o segundo colocado em termos de lesões, seguido pela luz visível.
Ainda restam mais perguntas do que respostas quanto aos efeitos dessa radiação –
inclusive sua parcela de culpa sobre o câncer de pele. A luz visível, aliás, também vem de
lâmpadas, TVs e celulares, só que as fontes artificiais não seriam maléficas à saúde. A versão
solar, potencialmente perigosa, é bloqueada com uma barreira física, isto é, roupas, chapéus,
óculos escuros e cremes coloridos. “Os filtros solares infantis conferem a proteção necessária
contra ela, mas não são utilizados no corpo todo”, observa Baptista.
A dermatologista Flávia Addor, da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal,
Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), entidade que reúne os fabricantes, explica que,
atualmente, os cremes capazes de barrar a luz visível miram apenas o rosto e foram
desenvolvidos para prevenir manchas e marcas do envelhecimento, duas consequências já
conhecidas dessa espécie de radiação. “Quem usa é aquela pessoa que precisa tratar esse
problema em particular”, nota.
De fato, ainda não há produtos voltados para o corpo todo e focados em deter as
repercussões mais profundas e nefastas na pele, como revelado no trabalho da USP. “Não
conheço nenhum composto que atue diretamente contra esse tipo de dano”, diz Flávia. Para
suprir essa lacuna, a equipe de Baptista criou e patenteou uma fórmula que utiliza
nanotecnologia e um filme finíssimo de melanina para o corpo inteiro contra as três radiações,
UVA, UVB e luz visível. Agora o químico busca empresas interessadas em inves tir em sua
solução – e já tem encontros marcados com integrantes da indústria.
Enquanto novos produtos que também nos defendam da luz visível não chegam ao
mercado, continua de pé a recomendação de usar sempre o protetor tradicional, maneirar na
exposição nos horários de maior incidência do sol e usar, se for o caso, chapéu e camiseta.
Disponível em: <https://saude.abril.com.br/bem-estar/um-perigo-chamado-luz-visivel/>.
Acesso em: 01 mar. 2018.[Adaptado]