A questão refere-se ao texto a seguir.
O que as mulheres querem
Por Natalia Pasternak
Maternidade e carreira são temas de discussão em diversas áreas. Diferentes estudos científicos, analisando
como as diferenças de gênero influenciam a vida acadêmica, chegaram a conclusões similares: ter filhos
impacta muito mais a carreira científica das mulheres do que dos homens.
Estudos comparando homens com e sem filhos, e mulheres com e sem filhos, mostram que, para os homens,
a decisão de ser pai passa quase despercebida em termos de impacto na carreira, enquanto, para as
mulheres, traz um excesso de novas obrigações e complicações, incluindo a misoginia implícita que favorece
mulheres sem filhos, porque o senso-comum acredita que o comprometimento da cientista com a ciência,
uma vez que vira mãe, fica “dividido”.
Pesquisas feitas na pandemia mostraram que a sobrecarga de tarefas domésticas no período de isolamento,
e com as crianças em casa, afetou muito mais a produtividade cientifica de mulheres. Há uma pressão social
muito maior sobre as mulheres para que sejam responsáveis pela criança e pela casa. Some-se a isso o fato
de que, em grande parte das carreiras científicas, os horários de trabalho não são nada convencionais.
Trabalhar mais do que 48 horas semanais, e aos fins de semana, é rotina.
Na fantasia meritocrática, o fardo dos filhos deve ser estoicamente suportado por quem escolhe tê-los. Na
realidade patriarcal, o fardo recai preferencialmente sobre a mulher. Quando realidade e fantasia se
encontram, temos a carreira prejudicada pela maternidade convertida em “fato da vida”: ninguém mandou a
mulher gostar mais de bebê do que de ciência.
Já os homens (no estado atual da tecnologia ainda indispensáveis para a reprodução da espécie) têm o
privilégio de gostar tanto de bebês quanto de ciência, e não sofrer nada com isso. Não é “fato da vida”. É
problema social que pode – e deve – ser resolvido com políticas públicas adequadas. Garantir que as
oportunidades de ingresso e progressão de carreira sejam igualitárias deve levar em conta a questão da
maternidade, e de como esta escolha “atrapalha”. Afinal, é a existência dos filhos que atrapalha? Ou a falta
de estrutura e políticas adequadas?
A fala recente do presidente do CNPq Ricardo Galvão, queixando-se do movimento Parent in Science, que
pede ações afirmativas e melhores condições de trabalho e progressão na carreira para mulheres cientistas,
e o vazamento, também recente, de um parecer da mesma instituição que imputava a falta de experiência
internacional de uma pesquisadora às suas duas gestações, chamaram atenção para o confortável
aconchego com que a fantasia meritocrática e a realidade machista convivem ainda na academia brasileira.
Deveríamos pôr esse senso-comum informado por preconceitos de lado e concentrar a atenção em resolver
o que realmente “atrapalha”. Falta de creche atrapalha. Falta de sala de amamentação em congresso
atrapalha. Falta de licença compartilhada para ambos os genitores atrapalha. Falta de horas adequadas de
trabalho para famílias com crianças pequenas atrapalha. Falta de treinamento para entender vieses cognitivos
e machismo estrutural atrapalha – e rende pareceres carregados de machismo.
Para que a maternidade pare de “atrapalhar” a carreira das mulheres cientistas, precisamos garantir que estas
questões sejam discutidas, e políticas públicas adequadas sejam implementadas. As mulheres não querem
confete nem “privilégios”. Querem oportunidades, estrutura e avaliações adequadas à realidade. Querem ter
o direito de balancear carreira e família sem que recaia sobre elas toda a responsabilidade de ambas. As
mulheres concordam que maternidade “atrapalha”. Mas sabem que a culpa não é dos filhos. É da misoginia.
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/blogs/a-hora-da-ciencia/post/2024/02/o-que-as-mulheres-querem.ghtml>. Acesso em: 18 de
mar. de 2024. [Adaptado]