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Quando criança, os meus pais me acordavam com a didática do grito. Não surtindo efeito, iam lá mexer nos meus ombros.
Não cumprindo a sua missão ainda, puxavam as minhas cobertas. Na época, não havia celular, muito menos alarme dos aplicativos. Rádio-relógio era caro e ficava na cabeceira dos adultos.
Eu lutava contra as táticas militares materna e paterna.
Procurava uma prorrogação, uma soneca, um adiamento fingindo dormir. Só não resistia à estratégia da avó Elisa. Ela
sabia acordar as pessoas, inspirar o sonho de olhos abertos.
Tinha PhD do sereno da madrugada e do galo cantando.
Ela me despertava pelo olfato. Pois não é pelo ouvido
que acordamos, mas pelo nariz.
Ela recolhia um maço de hortelã da horta e espalhava perto de mim. Não soltava um pio, não falava nada. Entrava silenciosamente no quarto abafando as tiras do seu velho chinelo e
largava o seu contrabando de ervas pelos travesseiros.
Com o cheiro forte do tempero, estranhíssimo naquele
cenário de linho e penas de ganso, eu saía do conforto dos
lençóis. Não tinha como continuar dormindo — a curiosidade
se fazia mais forte do que a dormência. A hortelã berrava com
o seu perfume. É impossível para alguém se defender do seu
aroma forte, lembrando os assados do Natal e do Ano-Novo.
Provocava imediata fome e repentina avidez pelo sol.
Assim que me punha de pé, a avó zombava de mim, vitoriosa de seu jeitinho:
— Já se levantou? Podia ter dormido mais. Acordou dez
minutos antes da hora.
Até hoje, no momento de pular da cama, procuro por perto
o ramo de hortelã para ver se não o encontro no travesseiro
ao lado.
Minha avó não está mais aqui, o câncer a levou para
longe, mas ela achou um modo todo seu de entrar em minha
respiração e me dar bom-dia.
(CARPINEJAR, Fabrício. Cuide de seus pais antes que seja tarde.
Editora Bertrand Brasil, 2018. Adaptado)