A ilha do conhecimento
Quanto podemos conhecer do mundo? Será que podemos conhecer tudo? Ou será que existem limites fundamentais para o que a
ciência pode explicar? Se esses limites existem, até que ponto podemos compreender a natureza da realidade?
O que vemos no mundo é uma ínfima fração do que existe. Muito do que existe é invisível aos olhos, mesmo quando aumentamos
nossa percepção sensorial com telescópios, microscópios e outros instrumentos de exploração. Tal como nossos sentidos, todo
instrumento tem um alcance limitado. Como muito da Natureza permanece oculto, nossa visão de mundo é baseada apenas na fração da
realidade que podemos medir e analisar. A ciência, nossa narrativa descrevendo aquilo que vemos e que conjecturamos existir no mundo
natural, é, portanto, necessariamente limitada, contando-nos apenas parte da história. Quanto à outra parte, que nos é inacessível, pouco
podemos afirmar. Porém, dados os sucessos do passado, temos confiança de que, passado tempo suficiente, parte do que hoje é mistério
será incorporado na narrativa científica — desconhecimento se tornará conhecimento.
Essa visão dos nossos limites nada tem de anticientífica ou derrotista. Também não se trata de uma proposta para que
sucumbamos a algum obscurantismo religioso. Pelo contrário, o impulso criativo, o desejo que temos de sempre querer saber mais, vem
justamente do flerte com o mistério, da compulsão que temos de ir além das fronteiras do conhecido. O não saber é a musa do saber.
Nos últimos duzentos anos, avanços na física, na matemática e, mais recentemente, nas ciências da computação, nos ensinaram
que a própria Natureza tem um comportamento esquivo do qual não podemos escapar. A própria Natureza — ao menos como nós
percebemos — opera dentro de certos limites. O filósofo grego Heráclito já havia percebido isso quando escreveu, 25 séculos atrás, que “A
Natureza ama esconder-se”.
(Adaptado de: GLEISER, Marcelo. A ilha do conhecimento. São Paulo: Editora Record, 2023, p. 13-4 e 19)