Questões de Concurso Para prefeitura de guarani - mg

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Q1007273 Noções de Informática
Os arquivos salvos pelo Microsoft Word 2013 e pelo Microsoft Excel 2013, em suas configurações-padrão, possuem, respectivamente, as extensões
Alternativas
Q1007272 Noções de Informática

Uma pessoa, trabalhando em um documento texto do Microsoft Word 2013, selecionou a guia Revisão e clicou no botão Contar Palavras. A janela que será aberta, ao executar estas ações, exibe algumas informações sobre o documento texto.


Dentre estas informações está a quantidade de

Alternativas
Q1007271 Noções de Informática

Complete corretamente as lacunas do texto.


No Windows 7, para desinstalar um programa, abra o __________, clique em __________ e depois em__________. Selecione o programa que será desinstalado e clique em Desinstalar/Alterar.


A sequência que preenche corretamente as lacunas do texto é

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Q1007270 Direito Constitucional

Sobre os direitos políticos previstos na Constituição Federal Brasileira de 1988, analise as afirmações abaixo.


I. Em caso de resultado final com mais de cinquenta por cento de votos nulos, anula-se a eleição e se impõe novo pleito com outros candidatos.

II. É vedada a reeleição para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República.

III. A idade mínima de dezoito anos é uma condição de elegibilidade para o cargo de Vereador.

IV. São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.


Está correto apenas o que se afirma em

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Q1007268 Legislação dos Municípios do Estado de Minas Gerais
Sobre o Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Município de Guarani, é correto afirmar que
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Q1007267 Direito Administrativo
A vacância do cargo público NÃO decorrerá de
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Q1007266 Direito Constitucional

Tendo em vista as disposições da Constituição Federal de 1988, indique se é verdadeiro (V) ou falso (F) o que se afirma.


( ) A dignidade da pessoa humana e o pluripartidarismo são fundamentos básicos da Carta Constitucional Brasileira.

( ) A construção de uma sociedade livre, justa e solidária constitui um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

( ) São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

( ) A República Federativa do Brasil integra a União das Repúblicas Socialistas da América Latina.


De acordo com as afirmações, a sequência correta é

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Q1007265 Português

Imagem associada para resolução da questão


O infográfico apresenta que a

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Q1007264 Português

                                   Natal na barca


      Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

      O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

      Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

      Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

      A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

      — Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

      — Mas de manhã é quente.

      Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei em que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

      — De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

      — Quente?

      — Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

      Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

      — Mas a senhora mora aqui por perto?

      — Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

      A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era tranquilo.

      — Seu filho?

      — É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem, mas piorou de repente. Uma febre, só febre…

      — Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo, mas o olhar tinha a expressão doce. — Só sei que Deus não vai me abandonar.

      — É o caçula?

      — É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

      Atirei o cigarro na direção do rio, mas o toco bateu na grade e voltou, rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

      — E esse? Que idade tem?

      — Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… Só a última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

      Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. Mas agora não tinha forças para rompê-los.

      — Seu marido está à sua espera?

      — Meu marido me abandonou.

      Sentei-me e tive vontade de rir. Era incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta, mas agora não podia mais parar.

      — Há muito tempo? Que seu marido…

      — Faz uns seis meses. Imagine que nós vivíamos tão bem, mas tão bem. Quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, falou comigo sobre ela, fez até uma brincadeira, a Ducha enfeiou, de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito... E não falou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda me acenou, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me acenou através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

      Fixei-me nas nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido e ainda via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Intocável. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma obscura irritação me fez andar.

      [...]

TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 74-76. Fragmento. 

São acentuadas as palavras paroxítonas terminadas em ditongo.


As palavras que representam essa regra são

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Q1007263 Português

                                   Natal na barca


      Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

      O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

      Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

      Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

      A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

      — Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

      — Mas de manhã é quente.

      Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei em que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

      — De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

      — Quente?

      — Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

      Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

      — Mas a senhora mora aqui por perto?

      — Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

      A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era tranquilo.

      — Seu filho?

      — É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem, mas piorou de repente. Uma febre, só febre…

      — Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo, mas o olhar tinha a expressão doce. — Só sei que Deus não vai me abandonar.

      — É o caçula?

      — É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

      Atirei o cigarro na direção do rio, mas o toco bateu na grade e voltou, rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

      — E esse? Que idade tem?

      — Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… Só a última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

      Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. Mas agora não tinha forças para rompê-los.

      — Seu marido está à sua espera?

      — Meu marido me abandonou.

      Sentei-me e tive vontade de rir. Era incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta, mas agora não podia mais parar.

      — Há muito tempo? Que seu marido…

      — Faz uns seis meses. Imagine que nós vivíamos tão bem, mas tão bem. Quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, falou comigo sobre ela, fez até uma brincadeira, a Ducha enfeiou, de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito... E não falou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda me acenou, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me acenou através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

      Fixei-me nas nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido e ainda via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Intocável. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma obscura irritação me fez andar.

      [...]

TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 74-76. Fragmento. 

Há uma oração que expressa valor semântico de finalidade em
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Q1007262 Português

                                   Natal na barca


      Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

      O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

      Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

      Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

      A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

      — Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

      — Mas de manhã é quente.

      Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei em que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

      — De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

      — Quente?

      — Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

      Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

      — Mas a senhora mora aqui por perto?

      — Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

      A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era tranquilo.

      — Seu filho?

      — É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem, mas piorou de repente. Uma febre, só febre…

      — Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo, mas o olhar tinha a expressão doce. — Só sei que Deus não vai me abandonar.

      — É o caçula?

      — É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

      Atirei o cigarro na direção do rio, mas o toco bateu na grade e voltou, rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

      — E esse? Que idade tem?

      — Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… Só a última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

      Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. Mas agora não tinha forças para rompê-los.

      — Seu marido está à sua espera?

      — Meu marido me abandonou.

      Sentei-me e tive vontade de rir. Era incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta, mas agora não podia mais parar.

      — Há muito tempo? Que seu marido…

      — Faz uns seis meses. Imagine que nós vivíamos tão bem, mas tão bem. Quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, falou comigo sobre ela, fez até uma brincadeira, a Ducha enfeiou, de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito... E não falou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda me acenou, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me acenou através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

      Fixei-me nas nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido e ainda via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Intocável. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma obscura irritação me fez andar.

      [...]

TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 74-76. Fragmento. 

“[...] Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…”


Nesse trecho, as reticências indicam

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Q1007261 Português

                                   Natal na barca


      Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

      O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

      Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

      Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

      A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

      — Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

      — Mas de manhã é quente.

      Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei em que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

      — De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

      — Quente?

      — Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

      Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

      — Mas a senhora mora aqui por perto?

      — Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

      A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era tranquilo.

      — Seu filho?

      — É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem, mas piorou de repente. Uma febre, só febre…

      — Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo, mas o olhar tinha a expressão doce. — Só sei que Deus não vai me abandonar.

      — É o caçula?

      — É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

      Atirei o cigarro na direção do rio, mas o toco bateu na grade e voltou, rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

      — E esse? Que idade tem?

      — Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… Só a última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

      Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. Mas agora não tinha forças para rompê-los.

      — Seu marido está à sua espera?

      — Meu marido me abandonou.

      Sentei-me e tive vontade de rir. Era incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta, mas agora não podia mais parar.

      — Há muito tempo? Que seu marido…

      — Faz uns seis meses. Imagine que nós vivíamos tão bem, mas tão bem. Quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, falou comigo sobre ela, fez até uma brincadeira, a Ducha enfeiou, de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito... E não falou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda me acenou, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me acenou através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

      Fixei-me nas nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido e ainda via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Intocável. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma obscura irritação me fez andar.

      [...]

TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 74-76. Fragmento. 

“Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.”


Esse fragmento é uma sequência textual predominantemente

Alternativas
Q1007260 Português

                                   Natal na barca


      Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

      O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

      Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

      Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

      A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

      — Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

      — Mas de manhã é quente.

      Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei em que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

      — De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

      — Quente?

      — Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

      Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

      — Mas a senhora mora aqui por perto?

      — Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

      A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era tranquilo.

      — Seu filho?

      — É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem, mas piorou de repente. Uma febre, só febre…

      — Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo, mas o olhar tinha a expressão doce. — Só sei que Deus não vai me abandonar.

      — É o caçula?

      — É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

      Atirei o cigarro na direção do rio, mas o toco bateu na grade e voltou, rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

      — E esse? Que idade tem?

      — Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… Só a última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

      Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. Mas agora não tinha forças para rompê-los.

      — Seu marido está à sua espera?

      — Meu marido me abandonou.

      Sentei-me e tive vontade de rir. Era incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta, mas agora não podia mais parar.

      — Há muito tempo? Que seu marido…

      — Faz uns seis meses. Imagine que nós vivíamos tão bem, mas tão bem. Quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, falou comigo sobre ela, fez até uma brincadeira, a Ducha enfeiou, de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito... E não falou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda me acenou, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me acenou através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

      Fixei-me nas nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido e ainda via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Intocável. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma obscura irritação me fez andar.

      [...]

TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 74-76. Fragmento. 

“A criança agitou-se(1), choramingando. A mulher apertou-a(2) mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se(3) a niná-la(4) com um brando movimento de cadeira de balanço.”


Com relação à colocação pronominal, apenas a ênclise é possível no pronome destacado de número

Alternativas
Q1007259 Português

                                   Natal na barca


      Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

      O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

      Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

      Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

      A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

      — Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

      — Mas de manhã é quente.

      Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei em que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

      — De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

      — Quente?

      — Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

      Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

      — Mas a senhora mora aqui por perto?

      — Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

      A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era tranquilo.

      — Seu filho?

      — É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem, mas piorou de repente. Uma febre, só febre…

      — Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo, mas o olhar tinha a expressão doce. — Só sei que Deus não vai me abandonar.

      — É o caçula?

      — É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

      Atirei o cigarro na direção do rio, mas o toco bateu na grade e voltou, rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

      — E esse? Que idade tem?

      — Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… Só a última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

      Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. Mas agora não tinha forças para rompê-los.

      — Seu marido está à sua espera?

      — Meu marido me abandonou.

      Sentei-me e tive vontade de rir. Era incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta, mas agora não podia mais parar.

      — Há muito tempo? Que seu marido…

      — Faz uns seis meses. Imagine que nós vivíamos tão bem, mas tão bem. Quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, falou comigo sobre ela, fez até uma brincadeira, a Ducha enfeiou, de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito... E não falou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda me acenou, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me acenou através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

      Fixei-me nas nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido e ainda via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Intocável. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma obscura irritação me fez andar.

      [...]

TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 74-76. Fragmento. 

Ali(1) estávamos os quatro, silenciosos como(2) mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo(3), estávamos vivos. E(4) era Natal.”

Todos os valores semânticos dos termos destacados e numerados estão corretos, EXCETO em
Alternativas
Q1007258 Português

                                   Natal na barca


      Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

      O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

      Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

      Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

      A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

      — Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

      — Mas de manhã é quente.

      Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei em que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

      — De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

      — Quente?

      — Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

      Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

      — Mas a senhora mora aqui por perto?

      — Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

      A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era tranquilo.

      — Seu filho?

      — É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem, mas piorou de repente. Uma febre, só febre…

      — Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo, mas o olhar tinha a expressão doce. — Só sei que Deus não vai me abandonar.

      — É o caçula?

      — É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

      Atirei o cigarro na direção do rio, mas o toco bateu na grade e voltou, rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

      — E esse? Que idade tem?

      — Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… Só a última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

      Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. Mas agora não tinha forças para rompê-los.

      — Seu marido está à sua espera?

      — Meu marido me abandonou.

      Sentei-me e tive vontade de rir. Era incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta, mas agora não podia mais parar.

      — Há muito tempo? Que seu marido…

      — Faz uns seis meses. Imagine que nós vivíamos tão bem, mas tão bem. Quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, falou comigo sobre ela, fez até uma brincadeira, a Ducha enfeiou, de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito... E não falou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda me acenou, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me acenou através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

      Fixei-me nas nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido e ainda via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Intocável. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma obscura irritação me fez andar.

      [...]

TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 74-76. Fragmento. 

“Reparei em que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.”


Ao personificar as roupas da mulher nesse trecho, a narradora se vale de um recurso comum à função da linguagem denominada

Alternativas
Q1007257 Português

                                   Natal na barca


      Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

      O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

      Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

      Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

      A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

      — Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

      — Mas de manhã é quente.

      Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei em que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

      — De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

      — Quente?

      — Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

      Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

      — Mas a senhora mora aqui por perto?

      — Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

      A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era tranquilo.

      — Seu filho?

      — É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem, mas piorou de repente. Uma febre, só febre…

      — Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo, mas o olhar tinha a expressão doce. — Só sei que Deus não vai me abandonar.

      — É o caçula?

      — É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

      Atirei o cigarro na direção do rio, mas o toco bateu na grade e voltou, rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

      — E esse? Que idade tem?

      — Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… Só a última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

      Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. Mas agora não tinha forças para rompê-los.

      — Seu marido está à sua espera?

      — Meu marido me abandonou.

      Sentei-me e tive vontade de rir. Era incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta, mas agora não podia mais parar.

      — Há muito tempo? Que seu marido…

      — Faz uns seis meses. Imagine que nós vivíamos tão bem, mas tão bem. Quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, falou comigo sobre ela, fez até uma brincadeira, a Ducha enfeiou, de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito... E não falou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda me acenou, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me acenou através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

      Fixei-me nas nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido e ainda via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Intocável. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma obscura irritação me fez andar.

      [...]

TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 74-76. Fragmento. 

A relação entre o que comumente se dissemina sobre o Natal e o que acontece na barca é de
Alternativas
Q1007256 Português

                                   Natal na barca


      Não quero nem devo lembrar aqui por que me encontrava naquela barca. Só sei que em redor tudo era silêncio e treva. E que me sentia bem naquela solidão. Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.

      O velho, um bêbado esfarrapado, deitara-se de comprido no banco, dirigira palavras amenas a um vizinho invisível e agora dormia. A mulher estava sentada entre nós, apertando nos braços a criança enrolada em panos. Era uma mulher jovem e pálida. O longo manto escuro que lhe cobria a cabeça dava-lhe o aspecto de uma figura antiga.

      Pensei em falar-lhe assim que entrei na barca. Mas já devíamos estar quase no fim da viagem e até aquele instante não me ocorrera dizer-lhe qualquer palavra. Nem combinava mesmo com uma barca tão despojada, tão sem artifícios, a ociosidade de um diálogo. Estávamos sós. E o melhor ainda era não fazer nada, não dizer nada, apenas olhar o sulco negro que a embarcação ia fazendo no rio.

      Debrucei-me na grade de madeira carcomida. Acendi um cigarro. Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal.

      A caixa de fósforos escapou-me das mãos e quase resvalou para o rio. Agachei-me para apanhá-la. Sentindo então alguns respingos no rosto, inclinei-me mais até mergulhar as pontas dos dedos na água.

      — Tão gelada — estranhei, enxugando a mão.

      — Mas de manhã é quente.

      Voltei-me para a mulher que embalava a criança e me observava com um meio sorriso. Sentei-me no banco ao seu lado. Tinha belos olhos claros, extraordinariamente brilhantes. Reparei em que suas roupas (pobres roupas puídas) tinham muito caráter, revestidas de uma certa dignidade.

      — De manhã esse rio é quente — insistiu ela, me encarando.

      — Quente?

      — Quente e verde, tão verde que a primeira vez que lavei nele uma peça de roupa pensei que a roupa fosse sair esverdeada. É a primeira vez que vem por estas bandas?

      Desviei o olhar para o chão de largas tábuas gastas. E respondi com uma outra pergunta:

      — Mas a senhora mora aqui por perto?

      — Em Lucena. Já tomei esta barca não sei quantas vezes, mas não esperava que justamente hoje…

      A criança agitou-se, choramingando. A mulher apertou-a mais contra o peito. Cobriu-lhe a cabeça com o xale e pôs-se a niná-la com um brando movimento de cadeira de balanço. Suas mãos destacavam-se exaltadas sobre o xale preto, mas o rosto era tranquilo.

      — Seu filho?

      — É. Está doente, vou ao especialista, o farmacêutico de Lucena achou que eu devia ver um médico hoje mesmo. Ainda ontem ele estava bem, mas piorou de repente. Uma febre, só febre…

      — Levantou a cabeça com energia. O queixo agudo era altivo, mas o olhar tinha a expressão doce. — Só sei que Deus não vai me abandonar.

      — É o caçula?

      — É o único. O meu primeiro morreu o ano passado. Subiu no muro, estava brincando de mágico quando de repente avisou, vou voar! E atirou-se. A queda não foi grande, o muro não era alto, mas caiu de tal jeito… Tinha pouco mais de quatro anos.

      Atirei o cigarro na direção do rio, mas o toco bateu na grade e voltou, rolando aceso pelo chão. Alcancei-o com a ponta do sapato e fiquei a esfregá-lo devagar. Era preciso desviar o assunto para aquele filho que estava ali, doente, embora. Mas vivo.

      — E esse? Que idade tem?

      — Vai completar um ano. — E, noutro tom, inclinando a cabeça para o ombro: — Era um menino tão alegre. Tinha verdadeira mania com mágicas. Claro que não saía nada, mas era muito engraçado… Só a última mágica que fez foi perfeita, vou voar! disse abrindo os braços. E voou.

      Levantei-me. Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. Mas agora não tinha forças para rompê-los.

      — Seu marido está à sua espera?

      — Meu marido me abandonou.

      Sentei-me e tive vontade de rir. Era incrível. Fora uma loucura fazer a primeira pergunta, mas agora não podia mais parar.

      — Há muito tempo? Que seu marido…

      — Faz uns seis meses. Imagine que nós vivíamos tão bem, mas tão bem. Quando ele encontrou por acaso essa antiga namorada, falou comigo sobre ela, fez até uma brincadeira, a Ducha enfeiou, de nós dois fui eu que acabei ficando mais bonito... E não falou mais no assunto. Uma manhã ele se levantou como todas as manhãs, tomou café, leu o jornal, brincou com o menino e foi trabalhar. Antes de sair ainda me acenou, eu estava na cozinha lavando a louça e ele me acenou através da tela de arame da porta, me lembro até que eu quis abrir a porta, não gosto de ver ninguém falar comigo com aquela tela no meio… Mas eu estava com a mão molhada. Recebi a carta de tardinha, ele mandou uma carta. Fui morar com minha mãe numa casa que alugamos perto da minha escolinha. Sou professora.

      Fixei-me nas nuvens tumultuadas que corriam na mesma direção do rio. Incrível. Ia contando as sucessivas desgraças com tamanha calma, num tom de quem relata fatos sem ter realmente participado deles. Como se não bastasse a pobreza que espiava pelos remendos da sua roupa, perdera o filhinho, o marido e ainda via pairar uma sombra sobre o segundo filho que ninava nos braços. E ali estava sem a menor revolta, confiante. Intocável. Apatia? Não, não podiam ser de uma apática aqueles olhos vivíssimos, aquelas mãos enérgicas. Inconsciência? Uma obscura irritação me fez andar.

      [...]

TELLES, Lygia Fagundes. Antes do baile verde. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1982, p. 74-76. Fragmento. 

Todas as interpretações a seguir têm sustentação com base no conto, EXCETO
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Q2047130 Direito Administrativo
Considerando os dispositivos legais que regulam o Município de Guarani, analise as afirmações abaixo.

I. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública Municipal, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas na Lei nº. 8.666/93. II. Compete ao Município organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão entre outros, os serviços de abastecimento de água e esgotos sanitários. III. A Lei de Improbidade Administrativa nº 8.429/1992 não se aplica ao Município de Guarani, uma vez que está regulamentada somente em âmbito federal. IV. Subordinam-se ao regime da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011) os órgãos públicos integrantes exclusivamente da administração pública direta do Poder Executivo.

Está correto apenas o que se afirma em
Alternativas
Q2047155 Pedagogia
Avalie as afirmações sobre o que preconiza a Lei nº 9.394/96 e suas atualizações a respeito da avaliação na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.

I. O município fará a avaliação do rendimento escolar na educação infantil e no ensino fundamental, objetivando a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino. II. A classificação em qualquer série ou etapa, exceto na primeira do ensino fundamental, pode ser feita independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou na etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino. III. Na verificação do rendimento escolar, prevalecerão os aspectos quantitativos sobre os qualitativos e os de eventuais provas finais sobre os dos resultados ao longo do período. IV. Na educação infantil, a avaliação será mediante registro das notas percentuais do desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental.

Está correto apenas o que se afirma em
Alternativas
Q1617243 Português
As formigas

    Quando minha prima e eu descemos do táxi, já era quase noite. Ficamos imóveis diante do velho sobrado de janelas ovaladas, iguais a dois olhos tristes, um deles vazado por uma pedrada. Descansei a mala no chão e apertei o braço da prima.
    — É sinistro.
    Ela me impeliu na direção da porta. Tínhamos outra escolha? Nenhuma pensão nas redondezas oferecia um preço melhor a duas pobres estudantes com liberdade de usar o fogareiro no quarto, a dona nos avisara por telefone que podíamos fazer refeições ligeiras com a condição de não provocar incêndio. Subimos a escada velhíssima, cheirando a creolina.
    — Pelo menos não vi sinal de barata — disse minha prima.
    A dona era uma velha balofa, de peruca mais negra do que a asa da graúna. Vestia um desbotado pijama de seda japonesa e tinha as unhas aduncas recobertas por uma crosta de esmalte vermelho-escuro, descascado nas pontas encardidas. Acendeu um charutinho.
    — É você que estuda medicina? — perguntou soprando a fumaça na minha direção.
    — Estudo direito. Medicina é ela.
    A mulher nos examinou com indiferença. Devia estar pensando em outra coisa quando soltou uma baforada tão densa que precisei desviar a cara. A saleta era escura, atulhada de móveis velhos, desparelhados. No sofá de palhinha furada no assento, duas almofadas que pareciam ter sido feitas com os restos de um antigo vestido, os bordados salpicados de vidrilho.
    Vou mostrar o quarto, fica no sótão — disse ela em meio a um acesso de tosse. Fez um sinal para que a seguíssemos.
    — O inquilino antes de vocês também estudava medicina, tinha um caixotinho de ossos que esqueceu aqui, estava sempre mexendo neles.
    Minha prima voltou-se:
    — Um caixote de ossos?
    A mulher não respondeu, concentrada no esforço de subir a estreita escada de caracol que ia dar no quarto. Acendeu a luz. O quarto não podia ser menor, com o teto em declive tão acentuado que nesse trecho teríamos que entrar de gatinhas. Duas camas, dois armários e uma cadeira de palhinha pintada de dourado. No ângulo onde o teto quase se encontrava com o assoalho, estava um caixotinho coberto com um pedaço de plástico. Minha prima largou a mala e, pondo-se de joelhos, puxou o caixotinho pela alça de corda. Levantou o plástico. Parecia fascinada.
    — Mas que ossos tão miudinhos! São de criança?
    — Ele disse que eram de adulto. De um anão.
   — De um anão? é mesmo, a gente vê que já estão formados…
Mas que maravilha, é raro a beça esqueleto de anão. E tão limpo, olha aí — admirou-se ela. Trouxe na ponta dos dedos um pequeno crânio de uma brancura de cal. — Tão perfeito, todos os dentinhos!
    — Eu ia jogar tudo no lixo, mas se você se interessa pode ficar com ele. O banheiro é aqui ao lado, só vocês é que vão usar, tenho o meu lá embaixo. Banho quente extra. Telefone também. Café das sete às nove, deixo a mesa posta na cozinha com a garrafa térmica, fechem bem a garrafa recomendou coçando a cabeça. A peruca se deslocou ligeiramente. Soltou uma baforada final: — Não deixem a porta aberta senão meu gato foge.
    Ficamos nos olhando e rindo enquanto ouvíamos o barulho dos seus chinelos de salto na escada. E a tosse encatarrada.
    Esvaziei a mala, dependurei a blusa amarrotada num cabide que enfiei num vão da veneziana, prendi na parede, com durex, uma gravura de Grassmann e sentei meu urso de pelúcia em cima do travesseiro. Fiquei vendo minha prima subir na cadeira, desatarraxar a lâmpada fraquíssima que pendia de um fio solitário no meio do teto e no lugar atarraxar uma lâmpada de duzentas velas que tirou da sacola. O quarto ficou mais alegre. Em compensação, agora a gente podia ver que a roupa de cama não era tão alva assim, alva era a pequena tíbia que ela tirou de dentro do caixotinho. Examinou-a. Tirou uma vértebra e olhou pelo buraco tão reduzido como o aro de um anel. Guardou-as com a delicadeza com que se amontoam ovos numa caixa.
    — Um anão. Raríssimo, entende? E acho que não falta nenhum ossinho, vou trazer as ligaduras, quero ver se no fim da semana começo a montar ele.
      Abrimos uma lata de sardinha que comemos com pão, minha prima tinha sempre alguma lata escondida, costumava estudar até de madrugada e depois fazia sua ceia. Quando acabou o pão, abriu um pacote de bolacha Maria.
    — De onde vem esse cheiro? — perguntei farejando. Fui até o caixotinho, voltei, cheirei o assoalho. — Você não está sentindo um cheiro meio ardido?
     — É de bolor. A casa inteira cheira assim — ela disse. E puxou o caixotinho para debaixo da cama.
    No sonho, um anão louro de colete xadrez e cabelo repartido no meio entrou no quarto fumando charuto. Sentou-se na cama da minha prima, cruzou as perninhas e ali ficou muito sério, vendo-a dormir. Eu quis gritar, tem um anão no quarto! mas acordei antes. A luz estava acesa. Ajoelhada no chão, ainda vestida, minha prima olhava fixamente algum ponto do assoalho.
    — Que é que você está fazendo aí? — perguntei.
   — Essas formigas. Apareceram de repente, já enturmadas. Tão decididas, está vendo?
    Levantei e dei com as formigas pequenas e ruivas que entravam em trilha espessa pela fresta debaixo da porta, atravessavam o quarto, subiam pela parede do caixotinho de ossos e desembocavam lá dentro, disciplinadas como um exército em marcha exemplar.
    — São milhares, nunca vi tanta formiga assim. E não tem trilha de volta, só de ida — estranhei.
     — Só de ida.
    Contei-lhe meu pesadelo com o anão sentado em sua cama.
    — Está debaixo dela — disse minha prima e puxou para fora o caixotinho. Levantou o plástico.
    — Preto de formiga. Me dá o vidro de álcool.
    — Deve ter sobrado alguma coisa aí nesses ossos e elas descobriram, formiga descobre tudo. Se eu fosse você, levava isso lá pra fora.
  — Mas os ossos estão completamente limpos, eu já disse. Não ficou nem um fiapo de cartilagem, limpíssimos. Queria saber o que essas bandidas vêm fuçar aqui.
    Respingou fartamente o álcool em todo o caixote. Em seguida, calçou os sapatos e como uma equilibrista andando no fio de arame, foi pisando firme, um pé diante do outro na trilha de formigas. Foi e voltou duas vezes. Apagou o cigarro. Puxou a cadeira. E ficou olhando dentro do caixotinho.
    — Esquisito. Muito esquisito.
    — O quê?
    — Me lembro que botei o crânio em cima da pilha, me lembro que até calcei ele com as omoplatas para não rolar. E agora ele está aí no chão do caixote, com uma omoplata de cada lado. Por acaso você mexeu aqui?
    — Deus me livre, tenho nojo de osso. Ainda mais de anão.
     Ela cobriu o caixotinho com o plástico, empurrou-o com o pé e levou o fogareiro para a mesa, era a hora do seu chá. No chão, a trilha de formigas mortas era agora uma fita escura que encolheu. Uma formiguinha que escapou da matança passou perto do meu pé, já ia esmagá-la quando vi que levava as mãos à cabeça, como uma pessoa desesperada. Deixei-a sumir numa fresta do assoalho.

    [...]

TELLES, Lygia Fagundes. In: STEEN, Edla van. O conto da mulher brasileira. 3 ed. São Paulo: Global, 2007. p. 91-94. Fragmento.

“Levantei e(1) dei com as formigas pequenas e ruivas que(2) entravam em trilha espessa pela fresta debaixo da porta, atravessavam o quarto, subiam pela parede do caixotinho de ossos e desembocavam (3) dentro, disciplinadas como(4) um exército em marcha exemplar.”

Considerando o contexto em que estão inseridos, todas as categorizações dos termos destacados e numerados estão corretas, EXCETO
Alternativas
Respostas
141: D
142: B
143: B
144: D
145: C
146: A
147: B
148: D
149: C
150: B
151: D
152: A
153: D
154: C
155: B
156: A
157: B
158: A
159: A
160: A