Mesmo salário para homens e mulheres? Por que
leis para corrigir desigualdade não vingaram no
Brasil
"A previsão de que não haja discriminação de gênero no
trabalho está presente de maneira mais ampla em
diversas partes da Constituição", explica a advogada
trabalhista Paula Boschesi Barros. "Desde o artigo 5 que
diz que todos são iguais perante a lei até o artigo 7, que
fala de proibição de diferença salarial", exemplifica.
Além disso, a CLT, em seu artigo 461, diz que as
empresas devem pagar o mesmo salário
independentemente do sexo do trabalhador se as
funções forem idênticas. A exigência foi reforçada na Lei
14.457 de 2022, que diz no artigo 30 que "às mulheres
empregadas é garantido igual salário em relação aos
empregados que exerçam idêntica função prestada ao
mesmo empregador".
Na prática, no entanto, essas obrigações são
descumpridas com frequência. Dados do IBGE mostram
que as mulheres, em média, ganham 77,7% do salário
dos homens apesar da população feminina ter um nível
educacional mais alto. Quando se considera apenas
cargos de gerência, diretoria e outros de maior salário, a
diferença é ainda maior - as mulheres, nesses cargos,
ganham, em média, apenas 61,9% do que os homens
recebem.
Barros explica que, apesar de determinar a exigência
dos salários iguais, a legislação existente não estabelece
sanção alguma em caso específico de discriminação
salarial por gênero. Ou seja, não há fiscalização nem
multa específicas caso as empresas não estejam dentro
da lei.
"O único jeito de isso se materializar é se o assunto for
tratado em uma ação trabalhista", diz a advogada,
especialista em direito trabalhista do escritório Gasparini,
Nogueira de Lima e Barbosa. Ou seja, as empresas que
descumprem a regra só têm algum tipo de prejuízo legal
se a trabalhadora entrar com um processo. Mas existem
muitas barreiras a isso - de dificuldade no acesso à
Justiça ao medo de impactos negativos em sua
reputação no mercado.
O advogado Fernando Peluso, coordenador do curso de
Direito do Trabalho do Insper, afirma que, mesmo que a
trabalhadora vença uma ação, as multas por
descumprimento da legislação trabalhista, em geral, são
muito baixas para penalizar os grandes empregadores.
"As multas por descumprimento da legislação trabalhista
são irrisórias", diz Peluso. Para muitas empresas, arcar
com eventuais multas em ações trabalhistas sai mais
barato do que cumprir a legislação. Além disso, é
bastante complicado estabelecer e provar que os
trabalhos são idênticos e que a diferença salarial é
resultado de discriminação.
"Existem requisitos bem específicos para determinar que
os trabalhos são idênticos", explica Peluso. "Não é a mera nomenclatura do cargo que garante que a pessoa
deve ganhar a mesma coisa." Ele explica que as
pessoas precisam não só ter o mesmo cargo, mas
realizar as mesmas tarefas, com a mesma perfeição
técnica e com a mesma produtividade. Além disso, a
diferença de tempo exercido na função também pode
justificar o pagamento diferenciado".
Na prática, diz Paula Boschesi Barros, muitas empresas
usam detalhes como esse e brechas para criar uma
justificativa para diferenças salariais que, na verdade,
são provenientes de discriminação de gênero. "Pode ser
difícil dizer em casos individuais, mas quando olhamos
estatisticamente, fica bem claro que existe diferença
salarial por causa do gênero", afirma.
https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0wr0174xw7o. Adaptado.