A mulher sozinha
Era magra, feia, encardida, sempre com o mesmo vestido preto e rasgado. Usava um paletó de lã xadrez, meias grossas e
chinelos de feltro, velhíssimos. Ela própria parecia velhíssima, vista assim ao passar, embora de perto mostrasse, sob a sujeira
e as rugas, um rosto que era apenas maduro, gasto pela miséria e talvez pelo delírio.
Acostumei-me a vê-la sentada, de manhã e de tarde, naquele canto, sobre o cimento cheio de poeira do átrio. Os que
entravam apressados na igreja praticamente a ignoravam, e só reparavam nela depois da missa, quando saíam devagar. Tiravam
então da bolsa ou do bolso uma nota, algumas moedas e, com um gesto rápido, de vaga repugnância, deixavam cair a esmola
na cestinha de vime que a mulher colocara à sua frente. Ela resmungava uma espécie de bênção, em voz surda e monótona, e
eles se afastavam sem olhá-la, com a alma levemente intranquila.
Passando diante da igreja duas vezes por dia, uma certa cumplicidade criou-se entre nós duas: a princípio nos cumprimentávamos
com a cabeça, sorríamos uma para a outra; depois, quando eu tinha tempo e ela não estava agradecendo as esmolas, conversávamos.
Contou-me de maneira sucinta que vivia no outro extremo da cidade, sob as colunas de um átrio em San Isidro: fazia uma longa
caminhada, cedinho, até a estação, para tomar o trem, e outra até o lugar onde nos encontrávamos. Não me explicou por que escolhera
um bairro tão distante para mendigar, em vez de fazê-lo no próprio pátio onde dormia, e nada lhe perguntei a respeito, receando ferirlhe a intimidade ou introduzir-me em seu segredo. Nunca me confessou como se chamava.
Há uns dois meses encontrei-a radiante, com um pequeno vulto escuro entre os braços. Pensei de início que carregava um
bebê, envolto num cobertor manchado, mas percebi, ao aproximar-me, que se tratava de um cachorrinho. Ou melhor, de uma
cachorrinha recém-nascida, Maria Isabel, que a mulher ninava e acarinhava com deslumbramento. Disse-me que a recolhera
na véspera de uma lata de lixo e a batizara logo. Da sacola de palha que sempre trazia consigo retirou uma garrafa d'água e
uma colherinha e, com infinita delicadeza, foi entornando algumas gotas na goela da bichinha, que gania baixo, ainda de olhos
fechados.
Levei-lhe uma mamadeira de boneca e outra sacola acolchoada, que serviria de berço para o animal. O jornaleiro da banca
em frente trouxe leite e pedacinhos de pão; as senhoras da vizinhança deram-lhe uma colcha de criança e retalhos de flanela.
Maria Isabel começou a crescer, a criar pelos e forma, a pular, cheia de graça. A mulher não desgrudava os olhos dela e,
remoçada pela alegria e atenção que a cachorrinha ofertava e exigia, deu até para cantar uma toada confusa e antiga. Era bom
vê-las juntas, íntimas, companheiras, mãe e filha. Chegavam sobras de comida, brinquedos velhos de borracha; até um osso de
couro apareceu por ali. O canto do átrio ficou menos cinzento, mais bonito. As pessoas se detinham, antes de entrar na igreja,
para brincar com o animalzinho preto ou para jogar-lhe um punhadinho de carne moída, um resto do bife do almoço. O
sentimento de repulsa que a sua dona provocara foi substituído por outro, feito de emoção, prazer e aconchego. A cestinha de
vime estava sempre com dinheiro, e a mulher, suja e despenteada como sempre, adquirira um jeito novo, diferente, mais
humano. Ao seu lado, Maria Isabel pulava e perseguia o próprio rabo.
As duas não apareceram na última semana. Estranhei e fui atrás do jornaleiro, que também se mostrou surpreendido:
desde que se instalara ali, há mais de três anos, a mulher nunca deixara de vir, nunca se atrasara, nem sequer quando chovia.
E parece que fora assim desde o primeiro dia, embora ninguém soubesse dizer com exatidão quando é que ela começara a se
sentar naquele canto do pátio. Senti apreensão e uma estranha nostalgia: o átrio estava maior, mais escuro e impessoal.
Até que ontem o jornaleiro, compungido, contou-me uma das histórias mais tristes que já ouvi. Maria Isabel se
transformara numa vira-lata peluda, encantadora, de focinho redondo e olhos de açúcar. Tão linda, que um malvado achou de
roubá-la. Foi na estação, quando a mulher soltou-a no chão, para ir comprar o sanduíche de pão francês que costumavam
dividir. Um segundo, e o bichinho sumiu, sem latir. Alguém viu um rapaz de tênis sair correndo com o animal nos braços. A
mulher passou a noite atrás da cadela, de um lado para o outro da estação, chorando, gemendo, chamando-a por nomes doces
e implorantes. Depois sentou-se num banco e ali ficou imóvel, em silêncio, até o dia clarear. Quando o primeiro trem vinha
entrando, ela, de um bote, atirou-se debaixo da locomotiva. A velocidade era pequena e o maquinista conseguiu frear. A mulher
arranhou-se um pouco, feriu ligeiramente a testa, e ficou mais desgrenhada, com o rosto imundo de lágrimas e fuligem. Não
tinha nenhum documento e negou-se terminantemente a comentar o sucedido ou a defender-se diante dos que a acusavam
de irresponsável e perigosa. A polícia levou-a no camburão para a delegacia.
Segundo a última notícia, ainda não confirmada, a mulher está num hospício do subúrbio.
(Coleção Melhores Crônicas: Maria Julieta Drummond de Andrade. Seleção e prefácio de Marcos Pasche, Global, 2012, pp. 82-84.
Publicada no livro O valor da vida, 1982.)