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O texto adiante servirá de base para as próxima questão.
“Contrariamente ao teatro e à poesia, a crônica inscrevia-se no cosmos machadiano como expressão legítima do seu temperamento literário. Mais próxima da tendência para a narrativa, a crônica tornar-se-ia atividade relevante na trajetória do escritor, não só pelo aspecto quantitativo como pelo qualitativo. Se a imagem de Machado de Assis não ficaria prejudicada caso excluíssemos o teatro e a poesia, acabaria deformada se deixássemos de considerar-lhe a produção no território da crônica. Enquanto o teatro e a poesia constituíram “pecados” da juventude, a crônica se alinhará entre os frutos permanentes de sua atividade; já em 1859 começam a aparecer crônicas suas em O Espelho, e até fins de 1900 as redigirá. O fato é tanto mais digno de nota quanto mais sabemos que a partir dessa data pouco publicará em revista. Quando se afastar da crônica, deixará praticamente o mais, como se, fazendo o balanço da vida, apenas tivesse forças para recolher os dispersos e completar as obras em andamento. Talvez mais do que as outras expressões estéticas, a crônica manteve-se constante e relevante na carreira de Machado, a ponto de sugerir um cronista que produziu, ao mesmo tempo, romances, contos, peças de teatro, poemas e textos críticos.
Quantitativamente, a crônica predomina na obra de Machado, haja vista o que publicou em vida, na forma de livro, e o que foi reunido postumamente em volume. No tocante à sua importância, basta sublinhar que, sem a crônica, o mais da obra machadiana conserva fechados alguns segredos: Machado era tão medularmente cronista que seus contos e romances são narrativas de cronista, que extrai do dia a dia a matéria da ficção. O tipo do parasita, por exemplo, presente já em Ressurreição, brota-lhe numa crônica de 18 de setembro de 1859. A crônica servia-lhe de posto de observação ao que ia dentro e fora do País; e de exercício permanente da escrita, permitindo-lhe apurar o estilo, atingir a decantada limpidez, que não vinha apenas do compulsar com “mão diuturna” os clássicos da Língua. Por outro lado, crônicas há tão bem armadas, ricas de fantasia e senso crítico, que pensamos estar perante verdadeiros contos; logravam a definição e a maturidade que depois se tornariam modelares: mestre da crônica, Machado soprou-lhe grandeza, tornando-a prática relevante, literariamente válida, graças a ter-lhe emprestado a gravidade que punha nos contos e romances. De onde a permanência de algumas crônicas, resistindo ao desgaste natural nesse gênero de atividade entre jornalística e literária. É que não raro Machado toma os acontecimentos como pretexto para erigir uma história ou tecer considerações que, mercê do filosofismo, tendem ao universal subjacente no efêmero cotidiano. Ao mesmo tempo, fixa o momento que passa, transformando cada crônica num testemunho interessado do tempo. Crônicas dum ficcionista de lei, poderíamos dizer, e nisso se resumiriam a força que ainda guardam.
MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Cultrix, São Paulo: 2001. (p. 84-85)
I. A produção cronística de Machado de Assis é bem menos relevante do que a sua produção poética e teatral. II. Em quantidade, a produção de crônicas de Machado de Assis predomina no conjunto de sua obra. III. O desgaste natural da crônica, gênero híbrido que transita pela literatura e pelo jornalismo, se atenua na fixação e permanência dadas por Machado de Assis.
Está(Estão) correta(s) a(s) seguinte(s) assertiva(s):
O texto adiante servirá de base para as próxima questão.
“Contrariamente ao teatro e à poesia, a crônica inscrevia-se no cosmos machadiano como expressão legítima do seu temperamento literário. Mais próxima da tendência para a narrativa, a crônica tornar-se-ia atividade relevante na trajetória do escritor, não só pelo aspecto quantitativo como pelo qualitativo. Se a imagem de Machado de Assis não ficaria prejudicada caso excluíssemos o teatro e a poesia, acabaria deformada se deixássemos de considerar-lhe a produção no território da crônica. Enquanto o teatro e a poesia constituíram “pecados” da juventude, a crônica se alinhará entre os frutos permanentes de sua atividade; já em 1859 começam a aparecer crônicas suas em O Espelho, e até fins de 1900 as redigirá. O fato é tanto mais digno de nota quanto mais sabemos que a partir dessa data pouco publicará em revista. Quando se afastar da crônica, deixará praticamente o mais, como se, fazendo o balanço da vida, apenas tivesse forças para recolher os dispersos e completar as obras em andamento. Talvez mais do que as outras expressões estéticas, a crônica manteve-se constante e relevante na carreira de Machado, a ponto de sugerir um cronista que produziu, ao mesmo tempo, romances, contos, peças de teatro, poemas e textos críticos.
Quantitativamente, a crônica predomina na obra de Machado, haja vista o que publicou em vida, na forma de livro, e o que foi reunido postumamente em volume. No tocante à sua importância, basta sublinhar que, sem a crônica, o mais da obra machadiana conserva fechados alguns segredos: Machado era tão medularmente cronista que seus contos e romances são narrativas de cronista, que extrai do dia a dia a matéria da ficção. O tipo do parasita, por exemplo, presente já em Ressurreição, brota-lhe numa crônica de 18 de setembro de 1859. A crônica servia-lhe de posto de observação ao que ia dentro e fora do País; e de exercício permanente da escrita, permitindo-lhe apurar o estilo, atingir a decantada limpidez, que não vinha apenas do compulsar com “mão diuturna” os clássicos da Língua. Por outro lado, crônicas há tão bem armadas, ricas de fantasia e senso crítico, que pensamos estar perante verdadeiros contos; logravam a definição e a maturidade que depois se tornariam modelares: mestre da crônica, Machado soprou-lhe grandeza, tornando-a prática relevante, literariamente válida, graças a ter-lhe emprestado a gravidade que punha nos contos e romances. De onde a permanência de algumas crônicas, resistindo ao desgaste natural nesse gênero de atividade entre jornalística e literária. É que não raro Machado toma os acontecimentos como pretexto para erigir uma história ou tecer considerações que, mercê do filosofismo, tendem ao universal subjacente no efêmero cotidiano. Ao mesmo tempo, fixa o momento que passa, transformando cada crônica num testemunho interessado do tempo. Crônicas dum ficcionista de lei, poderíamos dizer, e nisso se resumiriam a força que ainda guardam.
MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Cultrix, São Paulo: 2001. (p. 84-85)
O texto adiante servirá de base para as próxima questão.
“O Cortiço é o romance em que Aluísio revela, de modo superior e inconfundível, dotes de pintor de agrupamentos humanos. Diante de nós, como o título indica, abre-se um estupendo microcosmos, a “cloaca social”, de que fala Vítor Hugo em Nossa Senhora de Paris e dela irrompe uma fauna asquerosa e vil, de répteis desvairados. Especialista em retratar almas malogradas, Aluísio passa em revista um bando de criaturas desesperançadas, atiradas à vida como enxurro, sem norte e sem futuro. Esmagadas pela fatalidade do meio e pelas taras hereditárias, entregues a uma luta fratricida pela sobrevivência, onde não há vencedores nem vencidos, vão-se rebaixando até a derradeira miséria física e moral.
E como se descesse na escala social seguindo a ordem da trilogia, o romancista pesquisa os confins do mundo suburbano, dos “humilhados e ofendidos”: em O mulato, era a burguesia maranhense a classe focalizada; em Casa de Pensão, a classe média inferior, vizinha do proletariado; e agora é o universo fechado de uma habitação coletiva, paredes meias com o prostíbulo e o hospital, povoada, em promiscuidade viciosa, de seres marginalizados pela cor, a falta de dinheiro ou a desgraça. Ou porque identificados desde a origem, ou por cederem ao ambiente, afogam-se na ignomínia a que os reduziu a marginalidade.
Contrastam com esse pano de fundo miserável dois representantes da classe burguesa, o vendeiro João Romão e o Miranda, “negociante português [tanto quanto o outro], estabelecido na rua do Hospício com uma loja de fazendas por atacado.” O contraponto das duas camadas sociais conduz o romance, numa interação dialética; os conflitos dos moradores do cortiço estão condicionados, na maior parte, ao fato de serem explorados pelo homem que possui dinheiro e, portanto, as casas de aluguel: João Romão. Defrontamse, assim, duas classes, movidas pelo ódio e pela ganância: é o homo lúpus hominis, em que o Deus dinheiro mais uma vez fornece a tábua de referência. Atrofiada a consciência moral pelo aviltamento (no caso dos moradores), e pela cupidez doentia de João Romão:
Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos, todos, fosse o mais simples, visavam a um interesse pecuniário. Só tinha uma preocupação: aumentar os bens. Das suas hortas recolhia para si e para a companheira os piores legumes, aqueles que, por maus, ninguém compraria; as suas galinhas produziam muito e ele não comia um ovo, do que, no entanto, gostava imenso; vendiam-se todos e contentava-se com o resto das comidas dos trabalhadores. Aquilo já não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero de acumular, de reduzir tudo a moeda.
o entredevoramento antropofágico torna-se lei. Devoração social. Exploração dos infelizes e humildes. Grito surdo e subterrâneo. Aluísio não toma partido (ao menos ostensivamente); descreve, analisa com a frieza do cirurgião que extirpa tumores malignos. À semelhança dos romancistas naturalistas em geral, parece encolher os ombros ante a evidência de que João Romão abusa impunemente dos moradores do cortiço. Determinismo. Mas um determinismo que não ousa declarar-se politicamente: a tese defendida por Aluísio move-se em território estético, ou científico, embora implique uma visão engajada do problema social. Sua patente predileção pelos humildes, talvez influência de Zola, não o arrastou a supor, idealisticamente, soluções utópicas para o impasse social. Detém-se na análise dos dramas coletivos, centrados na exploração do homem pelo homem, mas não aventura uma fórmula de resolvê-los, aliás como pedia o decálogo naturalista, de base positiva, científica e socialista.”
MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Cultrix, São Paulo: 2001. (p. 38-40)
O texto adiante servirá de base para as próxima questão.
“O Cortiço é o romance em que Aluísio revela, de modo superior e inconfundível, dotes de pintor de agrupamentos humanos. Diante de nós, como o título indica, abre-se um estupendo microcosmos, a “cloaca social”, de que fala Vítor Hugo em Nossa Senhora de Paris e dela irrompe uma fauna asquerosa e vil, de répteis desvairados. Especialista em retratar almas malogradas, Aluísio passa em revista um bando de criaturas desesperançadas, atiradas à vida como enxurro, sem norte e sem futuro. Esmagadas pela fatalidade do meio e pelas taras hereditárias, entregues a uma luta fratricida pela sobrevivência, onde não há vencedores nem vencidos, vão-se rebaixando até a derradeira miséria física e moral.
E como se descesse na escala social seguindo a ordem da trilogia, o romancista pesquisa os confins do mundo suburbano, dos “humilhados e ofendidos”: em O mulato, era a burguesia maranhense a classe focalizada; em Casa de Pensão, a classe média inferior, vizinha do proletariado; e agora é o universo fechado de uma habitação coletiva, paredes meias com o prostíbulo e o hospital, povoada, em promiscuidade viciosa, de seres marginalizados pela cor, a falta de dinheiro ou a desgraça. Ou porque identificados desde a origem, ou por cederem ao ambiente, afogam-se na ignomínia a que os reduziu a marginalidade.
Contrastam com esse pano de fundo miserável dois representantes da classe burguesa, o vendeiro João Romão e o Miranda, “negociante português [tanto quanto o outro], estabelecido na rua do Hospício com uma loja de fazendas por atacado.” O contraponto das duas camadas sociais conduz o romance, numa interação dialética; os conflitos dos moradores do cortiço estão condicionados, na maior parte, ao fato de serem explorados pelo homem que possui dinheiro e, portanto, as casas de aluguel: João Romão. Defrontamse, assim, duas classes, movidas pelo ódio e pela ganância: é o homo lúpus hominis, em que o Deus dinheiro mais uma vez fornece a tábua de referência. Atrofiada a consciência moral pelo aviltamento (no caso dos moradores), e pela cupidez doentia de João Romão:
Desde que a febre de possuir se apoderou dele totalmente, todos os seus atos, todos, fosse o mais simples, visavam a um interesse pecuniário. Só tinha uma preocupação: aumentar os bens. Das suas hortas recolhia para si e para a companheira os piores legumes, aqueles que, por maus, ninguém compraria; as suas galinhas produziam muito e ele não comia um ovo, do que, no entanto, gostava imenso; vendiam-se todos e contentava-se com o resto das comidas dos trabalhadores. Aquilo já não era ambição, era uma moléstia nervosa, uma loucura, um desespero de acumular, de reduzir tudo a moeda.
o entredevoramento antropofágico torna-se lei. Devoração social. Exploração dos infelizes e humildes. Grito surdo e subterrâneo. Aluísio não toma partido (ao menos ostensivamente); descreve, analisa com a frieza do cirurgião que extirpa tumores malignos. À semelhança dos romancistas naturalistas em geral, parece encolher os ombros ante a evidência de que João Romão abusa impunemente dos moradores do cortiço. Determinismo. Mas um determinismo que não ousa declarar-se politicamente: a tese defendida por Aluísio move-se em território estético, ou científico, embora implique uma visão engajada do problema social. Sua patente predileção pelos humildes, talvez influência de Zola, não o arrastou a supor, idealisticamente, soluções utópicas para o impasse social. Detém-se na análise dos dramas coletivos, centrados na exploração do homem pelo homem, mas não aventura uma fórmula de resolvê-los, aliás como pedia o decálogo naturalista, de base positiva, científica e socialista.”
MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. Cultrix, São Paulo: 2001. (p. 38-40)
As alternativas a seguir pretendem trazer alguns pontos dessa proposta estética e ideológica, que se traduziram nas ações do personagem João Romão no romance supramencionado. No entanto uma das alternativas contém um ponto que NÃO CONDIZ com o Naturalismo. Identifique-a:
Agora leia as construções adiante, em que são empregados diversos exemplos com este mesmo verbo em significações diferentes, o que pode ocasionar oscilações na classificação de sua regência. Após a leitura das construções, marque a alternativa em que a regência ESTÁ ERRADA:
I. O período ágrafo, no Brasil, teve seu início nos anos setenta (1970), perdurando intensivamente por duas décadas, sob o domínio da televisão, mas também se estende até os dias de hoje, sob a égide da internet; II. A chegada da internet intensificou o fenômeno da agrafia, em território brasileiro, agravando o empobrecimento da produção textual, que já vinha se estabelecendo desde os anos setenta; e III. A digitalização e o mundo virtual foram dois fatores instauradores do processo ágrafo que se firmou no Brasil.
Está(Estão) correta(s) a(s) seguinte(s) declaração(declarações):
Releia o texto, marque V para Verdadeiro e F para Falso e, em seguida, indique a sequência CORRETA:
( ) As revistas em quadrinho são nocivas ao processo ensino-aprendizagem, notadamente no que diz respeito à abordagem dos fundamentos de leitura e produção textual, e, por isso, afastam irreversivelmente os alunos do contato com os textos.
( ) A televisão, que foi considerada vilã dos estudos durante certo tempo de sua operação em nosso país, acabou contribuindo para o processo civilizatório brasileiro.
( ) A produção artística de Walt Disney ficou contaminada pela fama de seu criador de ser um ícone do imperialismo capitalista e, por isso, conquistou desafetos no mundo inteiro.
( ) Os enredos, os estereótipos e os perfis dos personagens do universo ficcional de Walt Disney geraram restrições para o emprego de sua arte, no processo ensino-aprendizagem de leitura e produção de texto, nas escolas.
Leia o texto abaixo e, em seguida, responda:
CARTAS, BLOGUES, E-MAILS
(Cristovão Tezza)
Entre as muitas consequências do advento da internet, prolifera uma curiosa fusão das linguagens, ou talvez, melhor dizendo, a criação de novas funções e novos gêneros da linguagem. O primeiro deles já é quase arqueológico de tão popular: o e-mail. Ainda bem que não sou saudosista – se eu vivesse chorando o passado, diria que o e-mail enterrou para todo o sempre o gênero de escrita que em boa medida me ensinou a escrever: a carta.
A carta é uma forma literária clássica, cuja composição é em si uma lenta divisão do tempo – ela era escrita para ser entregue pelo menos dois ou três dias mais tarde. A carta pressupunha um tempo lento, cadenciado; escrever uma carta era também fazer uma síntese e um retrospecto de uma semana, de um mês, de acontecimentos demorados que, linha a linha, o escriba organizava na cabeça. Uma carta punha ordem e perspectiva no mundo; os fatos se organizavam em bloco e eram explicados em parágrafos. Não lembro de nenhum momento em que senti necessidade de escrever rsrsrs para indicar que eu estava rindo naquele momento; no máximo, um discreto ponto de exclamação. Quem escreve cartas é sempre um “narrador”, alguém a distância, e não uma pessoa ao vivo.
No entanto, a carta também era uma conversa. O amigo ou a namorada ou o tio ou o pai abriam o envelope (outro ritual – sempre evitar rasgar o selo; havia um objeto chamado “corta-papel”, hoje peça de museu), sentavam numa cadeira, e ficavam sabendo com um grau razoável de ordem da vida do outro. Às vezes tinham vida longa, passavam de mão em mão pela família e amigos, Veja como o Toninho está bem! – e às vezes, secretas, eram imediatamente trancadas na gaveta para uma releitura solitária, suspirante e saudosa. Carta não tinha vírus nem pegadinhas; se por acaso chegassem fotos obscenas ou sugestões de invasão de privacidade, era bem possível que o envelope fosse parar na polícia – ou nos filmes policiais, em que cartas anônimas sempre brilharam como personagens poderosas. Sim, cartas eram conversas, mas sóbrias, com a noção de hierarquia e de espaço sempre organizados: Curitiba, 7 de novembro de 1956. Querida Maria: - seguiam-se as notícias. As cartas também foram uma marca histórica da vida individual, da afirmação pessoal; e, transformadas em literatura, muitas vezes se revelaram um retrato ético da sua época. Um exemplo maravilhoso é o romance epistolar As relações perigosas, do francês Choderlos de Laclos (1741-1803), que, ao deixar entrever a dissipação moral da nobreza da França, ajudou a fermentar o caldo em que pouco depois explodiria a Revolução Francesa.
Mas eu me entusiasmei tanto para relembrar a carta que não deixei espaço aos e-mails e blogues, gêneros de um novo tempo, que funcionam, e bem, com outra lógica. Fica para a próxima carta – digo, crônica.
[22/09/2009]
TEZZA, Cristovão. Um operário em férias, organização e apresentação Christian Schwartz; ilustrações Benett. – Rio de Janeiro: Record, 2013.
Leia o texto abaixo e, em seguida, responda:
CARTAS, BLOGUES, E-MAILS
(Cristovão Tezza)
Entre as muitas consequências do advento da internet, prolifera uma curiosa fusão das linguagens, ou talvez, melhor dizendo, a criação de novas funções e novos gêneros da linguagem. O primeiro deles já é quase arqueológico de tão popular: o e-mail. Ainda bem que não sou saudosista – se eu vivesse chorando o passado, diria que o e-mail enterrou para todo o sempre o gênero de escrita que em boa medida me ensinou a escrever: a carta.
A carta é uma forma literária clássica, cuja composição é em si uma lenta divisão do tempo – ela era escrita para ser entregue pelo menos dois ou três dias mais tarde. A carta pressupunha um tempo lento, cadenciado; escrever uma carta era também fazer uma síntese e um retrospecto de uma semana, de um mês, de acontecimentos demorados que, linha a linha, o escriba organizava na cabeça. Uma carta punha ordem e perspectiva no mundo; os fatos se organizavam em bloco e eram explicados em parágrafos. Não lembro de nenhum momento em que senti necessidade de escrever rsrsrs para indicar que eu estava rindo naquele momento; no máximo, um discreto ponto de exclamação. Quem escreve cartas é sempre um “narrador”, alguém a distância, e não uma pessoa ao vivo.
No entanto, a carta também era uma conversa. O amigo ou a namorada ou o tio ou o pai abriam o envelope (outro ritual – sempre evitar rasgar o selo; havia um objeto chamado “corta-papel”, hoje peça de museu), sentavam numa cadeira, e ficavam sabendo com um grau razoável de ordem da vida do outro. Às vezes tinham vida longa, passavam de mão em mão pela família e amigos, Veja como o Toninho está bem! – e às vezes, secretas, eram imediatamente trancadas na gaveta para uma releitura solitária, suspirante e saudosa. Carta não tinha vírus nem pegadinhas; se por acaso chegassem fotos obscenas ou sugestões de invasão de privacidade, era bem possível que o envelope fosse parar na polícia – ou nos filmes policiais, em que cartas anônimas sempre brilharam como personagens poderosas. Sim, cartas eram conversas, mas sóbrias, com a noção de hierarquia e de espaço sempre organizados: Curitiba, 7 de novembro de 1956. Querida Maria: - seguiam-se as notícias. As cartas também foram uma marca histórica da vida individual, da afirmação pessoal; e, transformadas em literatura, muitas vezes se revelaram um retrato ético da sua época. Um exemplo maravilhoso é o romance epistolar As relações perigosas, do francês Choderlos de Laclos (1741-1803), que, ao deixar entrever a dissipação moral da nobreza da França, ajudou a fermentar o caldo em que pouco depois explodiria a Revolução Francesa.
Mas eu me entusiasmei tanto para relembrar a carta que não deixei espaço aos e-mails e blogues, gêneros de um novo tempo, que funcionam, e bem, com outra lógica. Fica para a próxima carta – digo, crônica.
[22/09/2009]
TEZZA, Cristovão. Um operário em férias, organização e apresentação Christian Schwartz; ilustrações Benett. – Rio de Janeiro: Record, 2013.
Leia o texto abaixo e, em seguida, responda:
CARTAS, BLOGUES, E-MAILS
(Cristovão Tezza)
Entre as muitas consequências do advento da internet, prolifera uma curiosa fusão das linguagens, ou talvez, melhor dizendo, a criação de novas funções e novos gêneros da linguagem. O primeiro deles já é quase arqueológico de tão popular: o e-mail. Ainda bem que não sou saudosista – se eu vivesse chorando o passado, diria que o e-mail enterrou para todo o sempre o gênero de escrita que em boa medida me ensinou a escrever: a carta.
A carta é uma forma literária clássica, cuja composição é em si uma lenta divisão do tempo – ela era escrita para ser entregue pelo menos dois ou três dias mais tarde. A carta pressupunha um tempo lento, cadenciado; escrever uma carta era também fazer uma síntese e um retrospecto de uma semana, de um mês, de acontecimentos demorados que, linha a linha, o escriba organizava na cabeça. Uma carta punha ordem e perspectiva no mundo; os fatos se organizavam em bloco e eram explicados em parágrafos. Não lembro de nenhum momento em que senti necessidade de escrever rsrsrs para indicar que eu estava rindo naquele momento; no máximo, um discreto ponto de exclamação. Quem escreve cartas é sempre um “narrador”, alguém a distância, e não uma pessoa ao vivo.
No entanto, a carta também era uma conversa. O amigo ou a namorada ou o tio ou o pai abriam o envelope (outro ritual – sempre evitar rasgar o selo; havia um objeto chamado “corta-papel”, hoje peça de museu), sentavam numa cadeira, e ficavam sabendo com um grau razoável de ordem da vida do outro. Às vezes tinham vida longa, passavam de mão em mão pela família e amigos, Veja como o Toninho está bem! – e às vezes, secretas, eram imediatamente trancadas na gaveta para uma releitura solitária, suspirante e saudosa. Carta não tinha vírus nem pegadinhas; se por acaso chegassem fotos obscenas ou sugestões de invasão de privacidade, era bem possível que o envelope fosse parar na polícia – ou nos filmes policiais, em que cartas anônimas sempre brilharam como personagens poderosas. Sim, cartas eram conversas, mas sóbrias, com a noção de hierarquia e de espaço sempre organizados: Curitiba, 7 de novembro de 1956. Querida Maria: - seguiam-se as notícias. As cartas também foram uma marca histórica da vida individual, da afirmação pessoal; e, transformadas em literatura, muitas vezes se revelaram um retrato ético da sua época. Um exemplo maravilhoso é o romance epistolar As relações perigosas, do francês Choderlos de Laclos (1741-1803), que, ao deixar entrever a dissipação moral da nobreza da França, ajudou a fermentar o caldo em que pouco depois explodiria a Revolução Francesa.
Mas eu me entusiasmei tanto para relembrar a carta que não deixei espaço aos e-mails e blogues, gêneros de um novo tempo, que funcionam, e bem, com outra lógica. Fica para a próxima carta – digo, crônica.
[22/09/2009]
TEZZA, Cristovão. Um operário em férias, organização e apresentação Christian Schwartz; ilustrações Benett. – Rio de Janeiro: Record, 2013.
As alternativas a seguir contêm afirmações relativas a esse meio de comunicação antigo, de acordo com o texto, porém uma delas NÃO ESTÁ CORRETA. Marque-a:
Leia o texto abaixo e, em seguida, responda:
Bichectomia, homoeomorfo e ninfoplastia
(Ruy Castro*)
Nas últimas semanas, comecei a estranhar a incidência de palavras como sofrência, refrescância e picância no vocabulário das pessoas. Referiam-se respectivamente a sofrimento, refresco e picante. Não que estivessem erradas. Afinal, se temos ardência, ignorância e superabundância, por que não, como no mundo do futebol, valência, volância e centroavância, referindo-se aos valores (qualidades) de um jogador e às posições de volante e centroavante?
O fato é que palavras antes nunca usadas estão entrando no nosso dia a dia como se não pudéssemos mais passar sem elas. Quem terá sido o primeiro a falar esta ou aquela? Como ela se propagou? Ninguém estranhou ao ouvi-la? Ou fez de conta que sabia do que se tratava? Eis algumas:
Animicidade, aristopopulismo, bichectomia, bioestilador, cleptocracia, conspiritualidade, criptoassalto, cromoterapia, despolarização, ecocídio, economocrata, fibroplastia, flavorizante, hipergamia, hipomania, homoemorfo, hotelificação, informata, jogoteca, labioplastia, ludopatia, mastopexia, mentoria, microagulhamento, microfocagem, nepobaby, ninfoplastia, normopata, opinódromo, oxidativo, pornotortura, probiótico, reflexologia, reformômetro, romantasia, sináptico, sologamia, subótimo, supramáximo, tiktokização, tocofobia, e turbidez.
Colhi todas essas palavras dos jornais dos últimos 30 dias, em textos que não se deram ao trabalho de defini-las. Note bem, todas são plausíveis, têm formação perfeita, e basta conhecer seus componentes para captar o seu significado, mas, que são esdrúxulas, são – e não me refiro a trocadilhos como jesuscidência, patriotário e neopentelhocostal, divertidos, mas, como todo trocadilho, infames.
Confesso que boiei em algumas palavras e, ao ir ao dicionário, me surpreendi. Aliás, é o que lhe acontecerá se você for buscar o significado de, digamos, bichectomia, homoeomorfo ou ninfoplastia. Mas quero ver se algum deles nos dirá do que se tratam aruspicatório, carboxiterapia, criolipólise, fotoblastia, incretinomimético, mastócito, melasmítico, microbiota, lipocavitação, orofacial, picossegundo, tecarterapia e tranexâmico.
* Jornalista e escritor, Ruy Castro é autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, e membro da Academia Brasileira de Letras Edição Digital do jornal Folha de São Paulo, de 22 de setembro de 2024.
Leia o texto abaixo e, em seguida, responda:
Bichectomia, homoeomorfo e ninfoplastia
(Ruy Castro*)
Nas últimas semanas, comecei a estranhar a incidência de palavras como sofrência, refrescância e picância no vocabulário das pessoas. Referiam-se respectivamente a sofrimento, refresco e picante. Não que estivessem erradas. Afinal, se temos ardência, ignorância e superabundância, por que não, como no mundo do futebol, valência, volância e centroavância, referindo-se aos valores (qualidades) de um jogador e às posições de volante e centroavante?
O fato é que palavras antes nunca usadas estão entrando no nosso dia a dia como se não pudéssemos mais passar sem elas. Quem terá sido o primeiro a falar esta ou aquela? Como ela se propagou? Ninguém estranhou ao ouvi-la? Ou fez de conta que sabia do que se tratava? Eis algumas:
Animicidade, aristopopulismo, bichectomia, bioestilador, cleptocracia, conspiritualidade, criptoassalto, cromoterapia, despolarização, ecocídio, economocrata, fibroplastia, flavorizante, hipergamia, hipomania, homoemorfo, hotelificação, informata, jogoteca, labioplastia, ludopatia, mastopexia, mentoria, microagulhamento, microfocagem, nepobaby, ninfoplastia, normopata, opinódromo, oxidativo, pornotortura, probiótico, reflexologia, reformômetro, romantasia, sináptico, sologamia, subótimo, supramáximo, tiktokização, tocofobia, e turbidez.
Colhi todas essas palavras dos jornais dos últimos 30 dias, em textos que não se deram ao trabalho de defini-las. Note bem, todas são plausíveis, têm formação perfeita, e basta conhecer seus componentes para captar o seu significado, mas, que são esdrúxulas, são – e não me refiro a trocadilhos como jesuscidência, patriotário e neopentelhocostal, divertidos, mas, como todo trocadilho, infames.
Confesso que boiei em algumas palavras e, ao ir ao dicionário, me surpreendi. Aliás, é o que lhe acontecerá se você for buscar o significado de, digamos, bichectomia, homoeomorfo ou ninfoplastia. Mas quero ver se algum deles nos dirá do que se tratam aruspicatório, carboxiterapia, criolipólise, fotoblastia, incretinomimético, mastócito, melasmítico, microbiota, lipocavitação, orofacial, picossegundo, tecarterapia e tranexâmico.
* Jornalista e escritor, Ruy Castro é autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, e membro da Academia Brasileira de Letras Edição Digital do jornal Folha de São Paulo, de 22 de setembro de 2024.
I. Podem ocorrer transformações na configuração de um idioma, ao longo do tempo, e uma delas pode incidir na renovação de seu repertório vocabular;
II. No que diz respeito à organização lexical de uma língua, os trocadilhos têm a mesma estrutura e composição dos neologismos; e
III. Os neologismos especificados no texto, ainda que sejam estranhos, apresentam plausibilidade na sua composição e significação.
Está(Estão) correta(s) a(s) seguinte(s) assertiva(s), de acordo com o texto:
Leia o texto abaixo e, em seguida, responda:
Bichectomia, homoeomorfo e ninfoplastia
(Ruy Castro*)
Nas últimas semanas, comecei a estranhar a incidência de palavras como sofrência, refrescância e picância no vocabulário das pessoas. Referiam-se respectivamente a sofrimento, refresco e picante. Não que estivessem erradas. Afinal, se temos ardência, ignorância e superabundância, por que não, como no mundo do futebol, valência, volância e centroavância, referindo-se aos valores (qualidades) de um jogador e às posições de volante e centroavante?
O fato é que palavras antes nunca usadas estão entrando no nosso dia a dia como se não pudéssemos mais passar sem elas. Quem terá sido o primeiro a falar esta ou aquela? Como ela se propagou? Ninguém estranhou ao ouvi-la? Ou fez de conta que sabia do que se tratava? Eis algumas:
Animicidade, aristopopulismo, bichectomia, bioestilador, cleptocracia, conspiritualidade, criptoassalto, cromoterapia, despolarização, ecocídio, economocrata, fibroplastia, flavorizante, hipergamia, hipomania, homoemorfo, hotelificação, informata, jogoteca, labioplastia, ludopatia, mastopexia, mentoria, microagulhamento, microfocagem, nepobaby, ninfoplastia, normopata, opinódromo, oxidativo, pornotortura, probiótico, reflexologia, reformômetro, romantasia, sináptico, sologamia, subótimo, supramáximo, tiktokização, tocofobia, e turbidez.
Colhi todas essas palavras dos jornais dos últimos 30 dias, em textos que não se deram ao trabalho de defini-las. Note bem, todas são plausíveis, têm formação perfeita, e basta conhecer seus componentes para captar o seu significado, mas, que são esdrúxulas, são – e não me refiro a trocadilhos como jesuscidência, patriotário e neopentelhocostal, divertidos, mas, como todo trocadilho, infames.
Confesso que boiei em algumas palavras e, ao ir ao dicionário, me surpreendi. Aliás, é o que lhe acontecerá se você for buscar o significado de, digamos, bichectomia, homoeomorfo ou ninfoplastia. Mas quero ver se algum deles nos dirá do que se tratam aruspicatório, carboxiterapia, criolipólise, fotoblastia, incretinomimético, mastócito, melasmítico, microbiota, lipocavitação, orofacial, picossegundo, tecarterapia e tranexâmico.
* Jornalista e escritor, Ruy Castro é autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, e membro da Academia Brasileira de Letras Edição Digital do jornal Folha de São Paulo, de 22 de setembro de 2024.