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Texto 4
Eu te amo
(Geraldo Carneiro)
Sempre me perguntei quando é que a expressão eu
te amo começou a ser usada aqui no Brasil. Não me
lembro de ter lido a frase nos clássicos portugueses,
nem em Machado de Assis, nem nos modernistas
paulistanos. Repeti a pergunta a minha querida
Nélida Piñon, e ela, com sua autoridade literária,
confirmou que o eu te amo é uma expressão recente
entre nós.
Sem dúvida houve a influência do cinema
americano. Noel Rosa já reclamava disso nos anos
30: “Amor lá no morro é amor pra chuchu / A gíria
do samba não tem I love you.”
Na minha infância, nos anos 50, nunca ouvi meu pai
dizendo eu te amo à minha mãe, nem minha mãe
dizendo eu te amo a meu pai, nem a nós, seus filhos.
Talvez naquele tempo o amor fosse mais recatado.
Embora grande, o amor era sagrado, secreto,
subjacente, não precisava que a gente se declarasse
o tempo todo.
Me lembro, por exemplo, da música A Noite do meu
bem, de Dolores Duran. Eu ainda não sabia o que
era o amor, mas essa canção me deixava comovidocomo o diabo, como dizia o Drummond. Aliás, “meu
bem” rolava muito lá em casa.
O principal responsável pela introdução do eu te amo
no Brasil talvez tenha sido o poeta Vinicius de
Moraes. Ele escreveu:
Amo-te tanto, meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade
Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente,
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim muito e amiúde,
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
Eu sei que “amo-te” não é igual a “eu te amo”. A
maneira de falar, a sintaxe ainda é meio lusitana. Mas
na canção “Por toda a minha vida”, com música de
Tom Jobim, Vinicius escreveu: “Eu te amo e te
proclamo / o meu amor, o meu amor.”
Agora, para aclarar as minhas trevas, saiu pela
Companhia das Letras uma coletânea de textos de
Vinicius, “Todo amor”, organizada por Eucanaã
Ferraz. Uma reunião de algumas das mais belas
palavras de amor no Brasil do século XX. Porque foi
Vinicius quem mais praticou e falou sobre a arte de
amar por aqui.
Às folhas tantas deste livro me deparo com uma carta
do poeta para Beatriz de Moraes, com quem ele havia
acabado de se casar pelo correio, por procuração. A
carta é de 1938, quando o poeta estava em Oxford,
usufruindo de uma bolsa de estudos. E depois de
declarar a sua amada que “tu és minha vida, meu tudo
(...) Eu sou teu escravo, teu criado, tua cria e tu és a
minha namorada ilícita e esposa amantíssima (...)”,Vinicius arremata: “E te amo tanto que às vezes fico
com vontade de dar urros de amor.”
É o primeiro te amo por escrito que eu conheço.
Dirá você que, no século XXI, as palavras de amor
perderam muito prestígio. Serei forçado a
concordar. Hoje todo o mundo diz que ama todo o
mundo. Mas as pessoas, felizmente, continuam se
amando. E basta que se leia a poesia de Vinicius
para que as palavras ganhem de novo seu frescor
original. A poesia sempre renasce. Haverá sempre
um novo Romeu da Ilha do Governador que dirá,
como se fosse a primeira vez, ao pé da janela de sua
Julieta pós-moderna: eu te amo.
Disponível em: <http://www.academia.org.br/artigos/eu-te-amo>.
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