Questões Militares
Sobre acentuação gráfica: proparoxítonas, paroxítonas, oxítonas e hiatos em português
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Quantas palavras do texto abaixo apresentam erro no que diz respeito ao emprego ou não do acento gráfico?
Bons argumentos têm aquele rapaz! O conteudo de sua fala revela bem a pessoa observadora que sempre demonstrou ser. Da importância a detalhes que muitos nem notam. É sempre bom ouví-lo.
Quanto à acentuação, analise as afirmativas abaixo e, a seguir, assinale a alternativa correta.
I. são, sem, sob e com são monossílabos tônicos.
II. leucemia, pudico, inaudito, ibero e palato são vocábulos paroxítonos.
III. ambrosia, hieróglifo, ortoepia e réptil são vocábulos que apresentam oscilação de pronúncia.
IV. Todas as palavras monossilábicas são oxítonas.
O desaparecimento dos livros na vida cotidiana e a diminuição da leitura é preocupante quando sabemos que os livros são dispositivos fundamentais na formação subjetiva das pessoas. Nos perguntamos sobre o que os meios de comunicação fazem conosco: da televisão ao computador, dos brinquedos ao telefone celular, somos formados por objetos e aparelhos.
Se em nossa época a leitura diminui vertiginosamente, ao mesmo tempo, cresce o elogio da ignorância, nossa velha conhecida. Há, nesse contexto, dois tipos de ignorância em relação às quais os livros são potentes ou impotentes. Uma é a ignorância filosófica, aquela que em Sócrates se expunha na ironia do "sei-que-nada-sei". Aquele que não sabe e quer saber pode procurar os livros, esses objetos que guardam tantas informações, tantos conteúdos, que podemos esperar deles muita coisa: perguntas e, até mesmo, respostas. A outra é a ignorância prepotente, à qual alguns filósofos deram o nome de "burrice". Pela burrice, essa forma cognitiva impotente e, contudo, muito prepotente, alguém transforma o não saber em suposto saber, a resposta pronta é transformada em verdade. Nesse caso, os livros são esquecidos. Eles são desnecessários como "meios para o saber". Cancelada a curiosidade, como sinal de um desejo de conhecimento, os livros tornam-se inúteis. Assim, a ignorância que nos permite saber se opõe à que nos deforma por estagnação, A primeira gosta dos livros, a segunda os detesta.
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Para aprender a perguntar, precisamos aprender a ler. Não porque o pensamento dependa da gramática ou da língua formal, mas porque ler é um tipo de experiência que nos ensina a desenvolver raciocínios, nos ensina a entender, a ouvir e a falar para compreender. Nos ensina a interpretar. Nos ajuda, portanto, a elaborar questões, a fazer perguntas. Perguntas que nos ajudam a dialogar, ou seja, a entrar em contato com o outro. Nem que este outro seja, em um primeiro momento, apenas cada um de nós mesmos.
Pensar, esse ato que está faltando entre nós, começa aí, muitas vezes em silêncio, quando nos dedicamos a esse gesto simples e ao mesmo tempo complexo que é ler um livro, É lamentável que as pessoas sucumbam ao clima programado da cultura em que ler é proibido. Os meios tecnológicos de comunicação são insidiosos nesse momento, pois prometem uma completude que o ato de ler um livro nunca prometeu. É que o ato da leitura nunca nos engana. Por isso, também, muitos afastam-se dele. Muitos que foram educados para não pensar, passam a não gostar do que não conhecem. Mas há quem tenha descoberto esse prazer que é o prazer de pensar a partir da experiência da linguagem - compreensão e diálogo - que sempre está ofertada em um livro. Certamente para essas pessoas, o mundo todo - e ela mesma - é algo bem diferente.
(TIBURI, Márcia. Potência do pensamento: por uma
filosofia política da leitura. Disponível em
http://revistacult.uol.com.br - 31 de jan. 2016 - com
adaptações)
Falta de educação e velocidade
Os anjos da morte estão cansados de nos recolher, a nós que nos matamos ou somos assassinados no
tráfego das estradas, cidades, esquinas deste país. Os anjos da morte estão exaustos de pegar restos de vidas
botadas fora. Os anjos da morte andam fartos de corpos mutilados e almas atônitas. Os anjos da morte suspiram
por todo esse desperdício.
Não sei se as propagandas que tentam aos poucos aliviar essa tragédia ajudam tanto a preservar vidas
quanto as intermináveis, ricas e coloridas propagandas de cerveja ajudam a beber mais e mais e mais,
colaborando para uma parte dessa carnificina. Mas sei que estou no limite. Não apenas porque abro jornais, TV
e computador e vejo a mortandade em andamento, mas porque tenho observado as coisas em questão.
Recentemente, dirigindo numa autoestrada, percebi um motorista tentando empurrar para o canteiro central um
carro que seguia à minha frente na faixa esquerda, na velocidade adequada ao trajeto. Chegava
provocadoramente perto, pertinho, pertíssimo, quase batia no outro, que se desviava um pouco lutando para
manter-se firme no seu trajeto sem despencar.
[...]
Atenção: os jovens são – em geral, mas não sempre – mais arrojados, mais imprudentes, têm menos
experiência na direção. Portanto, são mais inclinados a acidentes, bobos ou fatais, em que a gente mata e morre.
Mas há um número impressionante de adultos – mais homens do que mulheres, diga-se de passagem, porque
talvez sejam biologicamente mais agressivos – cometendo loucuras ao dirigir, avançando o sinal, quase
empurrando o veículo da frente com seu parachoque, não cedendo passagem, ultrapassando em locais absurdos
sem a menor segurança, bebendo antes de dirigir, enfim, usando o carro como um punhal hostil [...].
Cada um se porta como quer – ou como consegue. Isso vem do caráter inato, combinado com a educação
recebida em casa. Quando esse comportamento ultrapassa o convívio cotidiano e pode mutilar pais de família,
filhos e filhas amados, amigos preciosos, ou seja lá quem for, então é preciso instaurar leis férreas e punições
comparáveis. Que não permitam escapadelas nem facilitem cometer a infração com branda cobrança. Que não
admitam desculpas e subterfúgios, não premiem o erro, não pequem por uma criminosa omissão.
Precisamos em quase tudo de autoridade e respeito, para que haja uma reforma generalizada, passando
da desordem e do caos a algum tipo de segurança e bem-estar. [...]
Autoridade justa, mas muito rigorosa, é o que talvez nos deixe mais lúcidos e mais bem-educados: em
casa, na escola, na rua, na estrada, no bar, no clube, dentro do nosso carro. E os fatigados anjos da morte
poderão, se não entrar em férias, ao menos relaxar um pouco.
Lya Luft
O Médico e o monstro
Paulo Mendes Campos
Avental branco, pincenê vermelho, bigodes azuis, ei-lo, grave, aplicando sobre o peito descoberto duma criancinha um estetoscópio, e depois a injeção que a enfermeira lhe passa.
O avental na verdade é uma camisa de homem adulto a bater-lhe pelos joelhos; os bigodes foram pintados por sua irmã, a enfermeira; a criancinha é uma boneca de olhos cerúleos, mas já meio careca, que atende pelo nome de Rosinha; os instrumentos para exame e cirurgia saem duma caixinha de brinquedos.
Ela, seis anos e meio; o doutor tem cinco. Enquanto trabalham, a enfermeira presta informações:
- Esta menina é boba mesmo, não gosta de injeção, nem de vitamina, mas a irmãzinha dela adora.
O médico segura o microscópio, focaliza-o dentro da boca de Rosinha, pede uma colher, manda a paciente dizer aaá. Rosinha diz aaá pelos lábios da enfermeira. O médico apanha o pincenê, que escorreu de seu nariz, rabisca uma receita, enquanto a enfermeira continua:
- O senhor pode dar injeção que eu faço ela tomar de qualquer jeito, porque é claro que se ela não quiser, NE, vai ficar muito magrinha que até o vento carrega.
O médico, no entanto, prefere enrolar uma gaze em torno do pescoço da boneca, diagnosticando:
- Mordida de leão.
- Mordida de leão, pergunta, desapontada, a enfermeira, para logo aceitar este faz de conta dentro do outro faz de conta; eu já disse tanto, meu Deus, para essa garota não ir na floresta brincar com Chapeuzinho Vermelho...
Novos clientes desfilam pela clínica: uma baiana de acarajé, um urso muito resfriado, porque só gostava de neve, um cachorro atropelado por lotação, outras bonecas de vários tamanhos, um papai Noel, uma bola de borracha e até mesmo o pai e a mãe do médico e da enfermeira.
De repente, o médico diz que está com sede e corre para a cozinha, apertando o pincenê contra o rosto. A mãe se aproveita disso para dar um beijo violento no seu amor de filho e também para preparar-lhe um copázio de vitaminas: tomate, cenoura, maçã, banana, limão, laranja e aveia. O famoso pediatra, com um esgar colérico, recusa a formidável droga.
- Tem de tomar, senão quem acaba no médico é você mesmo, doutor.
Ele implora em vão por uma bebida mais inócua. O copo é levado com energia aos seus lábios, a beberagem é provada com uma careta. Em seguida, propõe um trato:
- Só se você depois me der um sorvete.
A terrível mistura é sorvida com dificuldade e repugnância, seus olhos se alteram nas órbitas, um engasgo devolve o restinho. A operação durou um quarto de hora. A mãe recolhe o copo vazio com a alegria da vitória e aplica no menino uma palmadinha carinhosa, revidada com a ameaça dum chute. Já estamos a essa altura, como não podia deixar de ser, presenciado a metamorfose do médico em monstro.
Ao passar zunindo pela sala, o pincenê e o avental são atirados sobre o tapete com um gesto desabrido. Do antigo médico resta um lindo bigode azul. De máscara preta e espada, Mr. Hyde penetra no quarto, onde a doce enfermeira continua a brincar, e desfaz com uma espadeirada todo o consultório: microscópio, estetoscópio, remédios, seringa, termômetro, tesoura, gaze, esparadrapo, bonecas, tudo se derrama pelo chão. A enfermeira dá um grito de horror e começa a chorar nervosamente. O monstro, exultante, espeta-lhe a espada na barriga e brada:
- Eu sou o Demônio do Deserto!
Ainda sob o efeito das vitaminas, preso na solidão escura do mal, desatento a qualquer autoridade materna ou paterna, com o diabo no corpo, o monstro vai espalhando o terror a seu redor: é a televisão ligada ao máximo, é o divã massacrado sob os seus pés, é um cometa indo tinir no ouvido da cozinheira, um vaso quebrado, uma cortina que se despenca, um grito, um uivo, um rugido animal, é o doce derramado, a torneira inundando o banheiro, a revista nova dilacerada, é, enfim, o flagelo à solta no sexto andar dum apartamento carioca.
Subitamente, o monstro se acalma. Suado e ofegante, senta-se sobre os joelhos do pai, pedindo com doçura que conte uma história ou lhe compre um carneirinho de verdade.
E a paz e a ternura de novo abrem suas asas num lar ameaçado pelas forças do mal.
OBS.: O texto foi adaptado às regras no Novo Acordo Ortográfico.
A ÚLTIMA CRÔNICA
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”. Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar- se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acentuar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê- lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho — um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de coca-cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa a um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a coca-cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “parabéns pra você, parabéns pra você. . .“ Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura — ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo, O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. De súbito, dá comigo a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido — vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso. Assim eu quereria a minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
(SABINO, Fernando. A companheira de viagem. Rio de Janeiro: Ed. Record, 1972)
Bruno Lichtenstein
Rubem Braga
18 de Julho de 1939
Foi preso o menino Bruno Lichtenstein, que arrombou a Faculdade de Medicina. O menino Bruno Lichtenstein não é arrombador profissional. Apenas acontece que o menino Bruno Lichtenstein tem um amigo, e esse amigo é um cachorro, e esse cachorro ia ser trucidado cientificamente, para estudos, na Faculdade de Medicina. O poeta mineiro Djalma Andrade tem um soneto que acaba mais ou menos assim:
"se entre os amigos encontrei cachorros,
entre os cachorros encontrei-te, amigo".
Mas com toda a certeza o menino Bruno Lichtenstein jamais leu esses versos. Também com certeza nunca lhe explicaram o que é vivissecção, nem lhe disseram que seu cão ia ser vivisseccionado. Tudo o que ele sabia é que lhe haviam carregado o cachorro e que iam matá-Io. Se fosse pedi-Io, naturalmente, não o dariam. Quem, neste mundo, haveria de se preocupar com o pobre menino Bruno Lichtenstein e o seu pobre cão? Mas o cachorro era seu amigo - e estava lá, metido em um porão, esperando a hora de morrer. E só uma pessoa no mundo podia salvá-Ia: um menino pobre chamado Bruno Lichtenstein. Com esse sobrenome de principado, Bruno Lichtenstein é um garoto sem dinheiro. Não pagará a licença de seu amigo. Mas Bruno Lichtenstein havia de salvar a vida de seu amigo - de qualquer jeito. E jeito só havia um: ir lá e tirar o cachorro. De longe, Bruno Lichtenstein chorava, pensando ouvir o ganido triste de um condenado à morte. via homens cruéis metendo o bisturi na carne quente de seu amigo: via sangue derramado. Horrível, horrível. Bruno Lichtenstein sentiu que seria o último dos infames se não agisse imediatamente.
Agiu. Escalou uma janela, arrebentou um vidro, saltou. Estava dentro do edifício. Andando pelas salas desertas, foi até onde estava o seu amigo. Sentiu que o seu coração batia mais depressa. Deu um assovio, um velho assovio de amizade.
Um vulto se destacou em um salto - e um focinho e úmido lambeu a mão de Bruno Lichtenstein. Agora era para a rua, para a liberdade, para a vida ...
Bruno Lichtenstein, da cabeça aos pés, tremia de susto e de alegria. Foi aí que ele ouviu uma voz áspera e espantada de homem. Era o dr. Loforte. O dr. Loforte surpreendeu o menino. Um menino podre, que tremia, que havia arrombado a Faculdade. Só podia ser um ladrão! Bruno Lichtenstein não explicou nada - e fez bem. Para o dr. Loforte um cachorro não é um cachorro - é um material de estudo como outro qualquer.
Na polícia apareceu o pai do menino. O pai, o professor e o delegado conversaram longamente - e Bruno Lichtenstein não ouvia nada. Só ouvia, lá longe, o ganir de um condenado à morte.
Já te entregaram o cachorro, esse cachorro ia ser trucidado cientificamente, para estudos, na Faculdade de Medicina. Tu o mereceste, porque tu foste amigo. Não te deram nem te darão medalha nenhuma - porque não há medalha nenhuma para distinguir a amizade. Mas te entregaram o teu cachorro, o cachorro que reivindicaste como um pequeno herói. Tu é um homem, Bruno Lichtenstein - um homem no sentido decente da palavra, muito mais homem que muito homem. Um aperto de mão, Bruno Lichtenstein.
O texto acima foi extraído do livro "1939 - Um episódio em Porto Alegre (Uma fada no front)", Ed. Record Rio de Janeiro, 2002 - pág. 37.
Lido o texto, observe atentamente cada quesito e assinale
somente UMA opção correta em cada questão.
ESPERA UMA CARTA
Carlos Drummond de Andrade
Agora sei por que não vieste, depois de tanto e tanto te esperar. Cheguei a supor que não existisses. Imaginei, às vezes, que foras ter a outra porta, e alguém se beneficiava de ti. Era o equívoco mais consolador, afinal não se perderia a mensagem. Eu indagava os rostos, pesquisava neles a furtiva iluminação, o traço de beatitude, que indicasse conhecimento de teu segredo. Não distinguia bem, as pessoas se afastavam ou escondiam tão finamente tua posse, que a dúvida ficava enrodilhada à minha esquerda. O desengano, à direita. E não havia combate entre eles. Coexistiam, mais a cabeçuda esperança.
Todas as manhãs te aguardava. Ao meio-dia já era certo que não vinhas. O resto do dia era neutro. Restava amanhã. E outro amanhã. E depois. Repousava, aos domingos, dessa expectação sem limites. Via-te aparecer em sonho, e fechava os olhos como quem soubesse que não te merecia, ou quisesse retardar o instante de comunicação. Esperar era quase receber. Cismava que te recebera havia longos anos, mas era menino e sem condições de avaliar-te, ou vieras em código, e eu, sem possuir a chave, me quedava mirando-te e remirando-te como à estrela intocável.
Muitas recebi durante esse prazo. Não se confundiam contigo. Traziam palavras boas ou más, indiferentes, quaisquer. E o receio de que entre elas rolasses perdida, fosses considerada insignificante? Desprezada, como impresso de propaganda?
As dádivas que devias trazer-me, quais seriam? Nunca imaginei ao certo o que de grande me reservavas. Quem sabe se a riqueza, de que eu tinha medo, mas revestida de doçura e imaginação, a resumir os prazeres do despojamento? Ou a glória espiritual, sem seus gêmeos a jactância e o orgulho? Ou o amor – e esta só palavra me fazia curvar a cabeça, ao peso de sua magnificência. Eu não escolhia nem hesitava. O dom seria perfeito, sem proporção com o ente gratificado. E infinito, a envolver minha finitude.
Mas agora sei por que não vieste nem virás. Estavas entre inúmeras companheiras, jogadas em sacos espessos, por sua vez afundados num subterrâneo. E dizer que todos os dias passei por tuas proximidades, até mesmo em cima de ti, sem discernir tua pulsação. Servidores infiéis ou cansados foram acumulando debaixo do chão o monte de notícias, lamentos, beijos, ameaças, faturas, ordens, saudades, sobre o qual os caminhões passavam, os dias passavam, passavam os governos e suas reformas. Escondida, esmagada no monte, sem sombra de movimento, lá te deixaste jazer, enquanto eu conjeturava mil formas de extravio e omissão. Cheguei a desconfiar de ti, a crer que zombavas de minha urgência, distraindo-te por itinerários loucos. Suspeitei que te recusavas, quase desejei que fogo ou água te liquidassem, já que te esquivavas a tua missão.
E foi o que aconteceu, sem dúvida. A umidade e os ratos de esgoto te consumiram. Restam – se restarem – fragmentos que nada contam ou explicam, senão que uma carta maravilhosa, esperada desde a eternidade, por mim e por outro qualquer homem igual a mim, foi escrita em alguma parte do mundo e não chegou a destino, porque o Correio a jogou fora, entre trezentas mil ou trezentos milhões de cartas.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo
Acordo Ortográfico.
UM QUARTO DE RAPAZ
Elsie Lessa
Abro as venezianas na alegria do sol desta manhã e só não ponho a mão na cabeça porque, afinal das contas, o correr dos anos nos dá uma certa filosofia. Essa rapaziada parece que é mesmo toda assim.
Quem sai para uma prova de matemática não há mesmo de ter deixado a cama feita, tanto mais quando ficou lendo Carlos Drummond de Andrade até às tantas, como prova este Poesia até agora, rubro de vergonha de ter sido largado no chão junto a este cinzeiro transbordante e às meias azuis de náilon. E dizer que desde que esse menino nasceu tento provar-lhe que já não estamos – hélas! – no tempo da escravidão e que somos nós mesmos, brancos, pretos ou amarelos, intelectuais ou estudantes em provas, que devemos encaminhar ao destino conveniente as roupas da véspera. Qual, ele não se convence. Também uma manta escocesa, de suaves lãs macias, que a mãe da gente trouxe embaixo do braço da Inglaterra até aqui, para que nos aqueça nas noites de inverno, não devia ser largada no chão, nem mesmo na companhia de um livro de versos. E quem é que está ligando para tudo isso?
Ó mocidade inquieta, só mesmo o que está em ordem dentro deste quarto são os montes de discos. E estes livros, meu Deus? Como é que gente que gosta de ler pode deixar os próprios livros numa bagunça dessas? Coitado do Pablo Neruda, olha onde foi parar! E o Dom Quixote de la Mancha, Virgem Santíssima! Há três gerações que os antepassados desse menino não fazem outra coisa senão escrever livros, e ele os trata assim!
− Livro é pra ler! Não é para enfeitar estante!
− Está certo! Que não enfeite, mas também não precisam ser empurrados desse jeito, lá para o fundo, com esse monte de revistas de jazz em cima! E custava, criatura, custava você pendurar essas calças nesse guarda-roupa que é para você, sozinho, que é provido de cabides, que não têm outro destino senão abrigar as suas calças?
− Mania de ordem é complexo de culpa, já te avisei! Meu quarto está ótimo, está formidável. E não gosto que mexa, hein, senão depois não acho as minhas coisas!
E pensar que esse menino um dia casa e vai levar essas noções de arrumação para a infeliz da esposa, e que juízo, que juízo vai fazer essa moça de mim, meu Deus do céu! Há bem uns quinze anos que esse problema me atormenta, tenho trocado confidências com amigas e há várias opiniões a respeito. Umas acham que um dia dá um estalo de Padre Vieira na cabeça desses moleques e passam a pendurar a roupa, tirar pó de livro, desamarrar o sapato antes de tirar do pé.
Pode ser. Deus permita! Mas que agonia, enquanto isso não acontece.
Dizer que peregrinei por antiquários para descobrir nobres jacarandás, de boa estirpe, que o rodeassem em todas as suas horas, que lhe infundissem o gosto das coisas belas. Qual! Pendurei a balada do “If”1 em cima de todos esses discos de jazz, e sobre a vitrola, já nem sei por quê, esse belo retrato de Napoleão, em esmalte, vindo das margens do Sena! E ele está se importando? O violão está sem cordas, e em cima do meu retrato, radioso retrato da minha juventude, ele já pôs o Billy Eckstine, a Sarah Vaughan, a Ava Gardner de biquíni e duas namoradas ora descartadas! E não tira um, antes de colocar o outro! Vai empurrando por cima e já a moldura estoura com essa variedade de predileções! São Sebastião, na sua peanha dourada, está de olhos erguidos para o alto e, felizmente, não vê a desordem que anda cá por baixo.
Vejo eu, olho em roda para saber por onde começar. Custava ele despejar esses cinzeiros? Onde já se viu fumar na cama e fazer furos nos meus lençóis? E, em tempos de provas, é hora de ficar folheando livros de versos, até tarde da noite, desse jeito? O caderno de física está assim de poesias e letras de fox e caricaturas de colegas, não sei também se de algum professor! E para que seis caixas de fósforo em cima dessa vitrola? E onde já se viu misturar na mesma mesa esse nunca assaz manuseado Manuel Bandeira, e El son entero, de Nicolás Guillén, e os poemas de Mário de Andrade, e os Pássaros Perdidos de Tagore, e Fernando Pessoa, e esse pocket book policial? Quer ler Graham Greene, e fazer versos, e fumar feito um desesperado, e não perder praia no Arpoador, nem broto na vizinhança, nem filme na semana e passar nas provas. E em que mundo isso é possível?
Guardo os chinelos, que ficam sempre emborcados. Já lhe disse que isso é atraso de vida. E ele morre de rir. E ponho as cobertas em cima da cama. E abro as janelas, para sair esse cheiro de fumo. E deixo só uma caixa de fósforos. Mas não faço mais nada, porque abri um caderno, de letra muito ruim, até a metade com os seus versos.
1 Poema célebre do escritor indiano Rudyard Kipling (1865- 1936), Prêmio Nobel de Literatura de 1907.
OBS.: O texto foi adaptado às regras do Novo Acordo Ortográfico.
Texto III para responder à questão.
Papel aceita tudo
"Agora, compra-se o leite e sua embalagem internamente aluminizada para jogá-la no lixo. Quanto de nosso petróleo vai para o lixo em forma de sacos plásticos". (5° 5)
Em que opção as palavras destacadas foram acentuadas, respectivamente, pela mesma razão que as destacadas no trecho acima?