O Estado e a Segurança Pública
A segurança pública no Brasil deve ser tratada como um problema de Estado, e a redução
da criminalidade depende de um grande projeto
coordenado pelo governo federal, segundo a
opinião de Luiz Eduardo Soares, ex-Secretário
Nacional de Segurança Pública.
Para o cientista político, que também foi coordenador de Segurança, Justiça, Defesa Civil
e Cidadania do Rio de Janeiro (posto ao qual
estava subordinada a Secretaria de Segurança
Pública), o governo evita se envolver com
a questão, já que constitucionalmente a segurança pública é de responsabilidade dos Estados.
"Dado que há uma concepção fatalista de
que esse tema não se resolve e é apenas fonte
de desgaste, o presidente prefere deixá-lo para
os governadores, e lavar as mãos", diz Soares,
que assumiu a Secretaria Nacional de Segurança pública no início do atual governo e passou
10 meses no cargo. [...] O cientista político [...]
aponta problemas como "sucateamento, desorganização e irracionalidade no sistema institucional de segurança pública no Brasil".
Soares reconhece a importância e defende a
necessidade de políticas de prevenção, mas
argumenta que a situação seria muito melhor se
a organização do sistema, e consequentemente
das polícias, fosse mais evoluída. [...]
"Temos 550 mil profissionais de polícia no
Brasil que funcionam em bandos. Trata-se
de organizar de outra maneira e qualificar o profissional, com os mesmos recursos que você
mantém hoje essa polícia que não funciona",
afirma o ex-secretário.
"As polícias são esquizofrenicamente organizadas, porque a militar faz uma parte do ciclo de
trabalho (ostensivo-preventivo) e a civil faz outra
(investigativo, judiciário e repressivo)."
"Não faz nenhum sentido. Seria como se nós
dois fôssemos escrever uma redação juntos,
com você escrevendo substantivos e verbos,
enquanto eu escreveria adjetivos e pronomes",
ironiza Soares.
Para o especialista, a solução passa pela
criação de uma formação profissional comum
para as 56 polícias do Brasil (uma militar e civil
para cada Unidade da Federação, além das
polícias Federal e Rodoviária Federal).
"Cada uma tem currículos e métodos próprios. É como se tivéssemos faculdades nos
Estados com currículos completamente incompatíveis e métodos inteiramente diversos para
engenharia, alguns formando-se em três meses,
outros em um semestre e outros ainda em dois
ou quatro anos", diz o cientista político.
"Pode se imaginar a inviabilidade do trabalho
coletivo. Precisamos de um ciclo básico comum
nacional", acrescenta Soares.
Soares afirma que, por causa da falta de
estrutura, a polícia não consegue realizar um
programa de monitoramento para avaliar suas
atividades.
"Não há diagnósticos, porque não há dados
qualificados. Portanto, as polícias não têm como
apoiar o planejamento. O problema não está
nos erros, mas na dificuldade de identificá-los."
Na visão do ex-secretário, só uma "revolução
institucional" seria capaz de resolver o proble-
ma. Soares avalia que esse cenário conduz
a polícia à brutalidade, ao desrespeito pelos
direitos humanos e à corrupção que se generaliza.
"Não posso sugerir que todos os policiais
sejam desonestos, despreparados e que todas
as instituições sejam desqualificadas, mas há
um grau de cumplicidade com a criminalidade,
com a corrupção e com a brutalidade muito
superior ao que seria tolerável", diz o cientista
político. [...]
A proposta de unificação das polícias civil e
militar é vista com cautela pelo ex-Secretário
Nacional de Segurança Pública por causa da
diferença de cultura e da rivalidade entre as
corporações. [...]
Soares sugere que cada Estado encontre
sua fórmula, com liberdade para unificar as polícias se assim julgar melhor, mas também de
criar novas corporações, como uma polícia para
regiões metropolitanas, e eventualmente regionalizar a atuação das polícias civil e militar,
fazendo com que cada uma delas seja responsável por todo o ciclo do trabalho dentro de sua
área de atuação.
TORTORIELLO , Alexandre Mata. In:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2004/08/04073
0_vsoaresamtdi.shtml. Acesso em: 05/06/2009. Adaptado.