Questões Militares de Português - Interpretação de Textos
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Leia o trecho inicial da crônica de Machado de Assis para responder à questão.
[19 maio de 1888]
Bons dias! Eu pertenço a uma família de profetas après coup1 , post factum2 , depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que, acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus que os homens não podiam roubar sem pecado.
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
– Oh! meu senhô! fico...
– Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo: tu cresceste imensamente. Quando nasceste eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos...
– Artura não qué dizê nada, não, senhô...
– Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis: mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
– Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete. Pancrácio aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio: daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas. E chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.
(Machado de Assis. Bons dias. www.dominiopublico.gov.br. Adaptado)
1 après coup: [francês] pós-golpe.
2 post factum: [latim] depois do fato.
Leia o trecho inicial da crônica de Machado de Assis para responder à questão.
[19 maio de 1888]
Bons dias! Eu pertenço a uma família de profetas après coup1 , post factum2 , depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que, acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus que os homens não podiam roubar sem pecado.
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
– Oh! meu senhô! fico...
– Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo: tu cresceste imensamente. Quando nasceste eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos...
– Artura não qué dizê nada, não, senhô...
– Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis: mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
– Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete. Pancrácio aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio: daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas. E chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.
(Machado de Assis. Bons dias. www.dominiopublico.gov.br. Adaptado)
1 après coup: [francês] pós-golpe.
2 post factum: [latim] depois do fato.
Considere os vocábulos destacados e enumerados na seguinte passagem do texto:
Levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que (1), acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que (2) entendia que (3) a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que (4) a liberdade era um dom de Deus que (5) os homens não podiam roubar sem pecado.
O vocábulo que tem função pronominal, ou seja, que retoma e substitui uma expressão substantiva no texto, é o identificado pelo número
Leia o trecho inicial da crônica de Machado de Assis para responder à questão.
[19 maio de 1888]
Bons dias! Eu pertenço a uma família de profetas après coup1 , post factum2 , depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que, acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus que os homens não podiam roubar sem pecado.
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
– Oh! meu senhô! fico...
– Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo: tu cresceste imensamente. Quando nasceste eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos...
– Artura não qué dizê nada, não, senhô...
– Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis: mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
– Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete. Pancrácio aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio: daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas. E chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.
(Machado de Assis. Bons dias. www.dominiopublico.gov.br. Adaptado)
1 après coup: [francês] pós-golpe.
2 post factum: [latim] depois do fato.
Leia o trecho inicial da crônica de Machado de Assis para responder à questão.
[19 maio de 1888]
Bons dias! Eu pertenço a uma família de profetas après coup1 , post factum2 , depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que, acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus que os homens não podiam roubar sem pecado.
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
– Oh! meu senhô! fico...
– Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo: tu cresceste imensamente. Quando nasceste eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos...
– Artura não qué dizê nada, não, senhô...
– Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis: mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
– Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete. Pancrácio aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio: daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas. E chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.
(Machado de Assis. Bons dias. www.dominiopublico.gov.br. Adaptado)
1 après coup: [francês] pós-golpe.
2 post factum: [latim] depois do fato.
Leia o trecho inicial da crônica de Machado de Assis para responder à questão.
[19 maio de 1888]
Bons dias! Eu pertenço a uma família de profetas après coup1 , post factum2 , depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que, acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus que os homens não podiam roubar sem pecado.
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
– Oh! meu senhô! fico...
– Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo: tu cresceste imensamente. Quando nasceste eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos...
– Artura não qué dizê nada, não, senhô...
– Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis: mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
– Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete. Pancrácio aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio: daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas. E chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.
(Machado de Assis. Bons dias. www.dominiopublico.gov.br. Adaptado)
1 après coup: [francês] pós-golpe.
2 post factum: [latim] depois do fato.
Leia o trecho inicial da crônica de Machado de Assis para responder à questão.
[19 maio de 1888]
Bons dias! Eu pertenço a uma família de profetas après coup1 , post factum2 , depois do gato morto, ou como melhor nome tenha em holandês. Por isso digo, juro se necessário for, que toda a história desta lei de 13 de maio estava por mim prevista, tanto que na segunda-feira, antes mesmo dos debates, tratei de alforriar um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos, mais ou menos. Alforriá-lo era nada; entendi que, perdido por mil, perdido por mil e quinhentos, e dei um jantar.
Levantei-me eu com a taça de champanha e declarei que, acompanhando as ideias pregadas por Cristo, há dezoito séculos, restituía a liberdade ao meu escravo Pancrácio; que entendia que a nação inteira devia acompanhar as mesmas ideias e imitar o meu exemplo; finalmente, que a liberdade era um dom de Deus que os homens não podiam roubar sem pecado.
Pancrácio, que estava à espreita, entrou na sala, como um furacão, e veio abraçar-me os pés. Todos os lenços comovidos apanharam as lágrimas de admiração. Caí na cadeira e não vi mais nada. De noite, recebi muitos cartões. Creio que estão pintando o meu retrato, e suponho que a óleo.
No dia seguinte, chamei o Pancrácio e disse-lhe com rara franqueza:
– Tu és livre, podes ir para onde quiseres. Aqui tens casa amiga, já conhecida e tens mais um ordenado, um ordenado que...
– Oh! meu senhô! fico...
– Um ordenado pequeno, mas que há de crescer. Tudo cresce neste mundo: tu cresceste imensamente. Quando nasceste eras um pirralho deste tamanho; hoje estás mais alto que eu. Deixa ver; olha, és mais alto quatro dedos...
– Artura não qué dizê nada, não, senhô...
– Pequeno ordenado, repito, uns seis mil-réis: mas é de grão em grão que a galinha enche o seu papo. Tu vales muito mais que uma galinha.
– Justamente. Pois seis mil-réis. No fim de um ano, se andares bem, conta com oito. Oito ou sete. Pancrácio aceitou tudo: aceitou até um peteleco que lhe dei no dia seguinte, por me não escovar bem as botas; efeitos da liberdade. Mas eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um título que lhe dei. Ele continuava livre, eu de mau humor; eram dois estados naturais, quase divinos.
Tudo compreendeu o meu bom Pancrácio: daí para cá, tenho-lhe despedido alguns pontapés, um ou outro puxão de orelhas. E chamo-lhe besta quando lhe não chamo filho do diabo; coisas todas que ele recebe humildemente, e (Deus me perdoe!) creio que até alegre.
(Machado de Assis. Bons dias. www.dominiopublico.gov.br. Adaptado)
1 après coup: [francês] pós-golpe.
2 post factum: [latim] depois do fato.
Considere a tira para responder a questão.
Considere a tira para responder a questão.
Com relação à fala do primeiro quadrinho, a fala do segundo expressa uma _________ . Essa relação coesiva se tornaria explícita pelo emprego de __________ ao início da segunda fala.
As lacunas desse comentário se preenchem, correta e respectivamente, por
O amor na era digital
O amor no tempo das cartas era belo e romântico, com suas longas e dolorosas esperas e dúvidas, com cartas roubadas, indispensáveis em qualquer novela. Mas o WhatsApp, o Skype e o e-mail, além do telefone, tornaram viver um amor em algo muito diferente. E muito melhor.
Acabou a distância e o tempo entre as mensagens. Na verdade, o que os olhos veem o coração sente. Falar vendo os olhos e as expressões do ser amado na tela é quase tão bom quanto ao vivo.
Uma das melhores novidades é a DR1 digital. Esfrie a cabeça, pense bem no que o incomoda, provoca dúvidas e o faz sofrer, escreva com cuidado. Receba as queixas, os medos e as dúvidas do outro com atenção, leia várias vezes. Responda pensando bem, revisando e equilibrando o que escreveu, frequentemente há exageros. Só mande no dia seguinte, depois de reler com cuidado o que disse: vale o escrito!
Uniões são salvas e brigas feias de casal são evitadas pelo e-mail ou pelo zap, que ainda criam a garantia de promessas, acordos e desculpas por escrito. Para serem lidos e relidos e eventualmente cobrados ou discutidos. É bem mais fácil admitir erros por escrito do que no calor de uma discussão, e muito mais eficiente.
(Nelson Motta. https://oglobo.globo.com, 12.04.2019. Adaptado)
1 DR: discussão de relacionamento.
O amor na era digital
O amor no tempo das cartas era belo e romântico, com suas longas e dolorosas esperas e dúvidas, com cartas roubadas, indispensáveis em qualquer novela. Mas o WhatsApp, o Skype e o e-mail, além do telefone, tornaram viver um amor em algo muito diferente. E muito melhor.
Acabou a distância e o tempo entre as mensagens. Na verdade, o que os olhos veem o coração sente. Falar vendo os olhos e as expressões do ser amado na tela é quase tão bom quanto ao vivo.
Uma das melhores novidades é a DR1 digital. Esfrie a cabeça, pense bem no que o incomoda, provoca dúvidas e o faz sofrer, escreva com cuidado. Receba as queixas, os medos e as dúvidas do outro com atenção, leia várias vezes. Responda pensando bem, revisando e equilibrando o que escreveu, frequentemente há exageros. Só mande no dia seguinte, depois de reler com cuidado o que disse: vale o escrito!
Uniões são salvas e brigas feias de casal são evitadas pelo e-mail ou pelo zap, que ainda criam a garantia de promessas, acordos e desculpas por escrito. Para serem lidos e relidos e eventualmente cobrados ou discutidos. É bem mais fácil admitir erros por escrito do que no calor de uma discussão, e muito mais eficiente.
(Nelson Motta. https://oglobo.globo.com, 12.04.2019. Adaptado)
1 DR: discussão de relacionamento.
Considere o cartum para responder a questão.
Considere o cartum para responder a questão.
A solidão é a grande ameaça
Quando eu era jovem, eu nunca tive o conceito de “redes”. Eu tinha o conceito de laços humanos, de comunidades, esse tipo de coisa, mas não redes. Qual é a diferença entre comunidade e rede? A comunidade precede você. Você nasce numa comunidade. Por outro lado, temos a rede.
O que é uma rede? Ao contrário da comunidade, a rede é a que é feita e mantida viva por duas atividades diferentes. Uma é conectar e a outra é desconectar. E eu acho que a atratividade do novo tipo de amizade, o tipo de amizade do Facebook, como eu a chamo, está exatamente aí. Que é tão fácil de desconectar.
É fácil conectar, fazer amigos. Mas o maior atrativo é a facilidade de se desconectar. Imagine que estamos falando não de amigos on-line, conexões on-line, compartilhamento on-line, mas sim de conexões off-line, conexões de verdade, frente a frente, corpo a corpo, olho no olho. Neste caso, romper relações é sempre um evento muito traumático. Você tem que encontrar desculpas, você tem que se explicar, você tem que mentir com frequência e, mesmo assim, você não se sente seguro, porque seu parceiro diz que você não tem direitos, que você é um porco etc. É difícil. Na internet, é tão fácil, você só pressiona delete e pronto. Em vez de 500 amigos, você terá 499, mas isso será apenas temporário, porque amanhã você terá outros 500, e isso corrói muito os laços humanos.
Os laços humanos são uma mistura de bênção e maldição.
Bênção porque é realmente muito prazeroso, é muito satisfatório ter outro parceiro em quem confiar e fazer algo por ele ou ela. É um tipo de experiência indisponível para a amizade no Facebook; então, é uma bênção... E eu acho que muito jovem não tem nem mesmo consciência do que eles realmente perderam, porque eles nunca vivenciaram esse tipo de situação.
Por outro lado, há a maldição, pois quando você entra no laço, você espera ficar lá para sempre. Você jura, você faz um juramento: até que a morte nos separe, para sempre. O que isso significa? Significa que você empenha o seu futuro. Talvez amanhã, ou no mês que vem, ou no ano que vem, haja novas oportunidades. Agora você não consegue prevê-las, porque você ficará preso aos seus antigos compromissos, às suas antigas obrigações.
Então, trata-se de uma situação muito ambivalente e, consequentemente, de um fenômeno curioso dessa pessoa solitária numa multidão de solitários. Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo.
ZIGMUNT BAUMAN. Fronteiras.com/artigos/zygmunt-bauman-la-solidao-e-a-grande-ameaça. (Adaptado)
A solidão é a grande ameaça
Quando eu era jovem, eu nunca tive o conceito de “redes”. Eu tinha o conceito de laços humanos, de comunidades, esse tipo de coisa, mas não redes. Qual é a diferença entre comunidade e rede? A comunidade precede você. Você nasce numa comunidade. Por outro lado, temos a rede.
O que é uma rede? Ao contrário da comunidade, a rede é a que é feita e mantida viva por duas atividades diferentes. Uma é conectar e a outra é desconectar. E eu acho que a atratividade do novo tipo de amizade, o tipo de amizade do Facebook, como eu a chamo, está exatamente aí. Que é tão fácil de desconectar.
É fácil conectar, fazer amigos. Mas o maior atrativo é a facilidade de se desconectar. Imagine que estamos falando não de amigos on-line, conexões on-line, compartilhamento on-line, mas sim de conexões off-line, conexões de verdade, frente a frente, corpo a corpo, olho no olho. Neste caso, romper relações é sempre um evento muito traumático. Você tem que encontrar desculpas, você tem que se explicar, você tem que mentir com frequência e, mesmo assim, você não se sente seguro, porque seu parceiro diz que você não tem direitos, que você é um porco etc. É difícil. Na internet, é tão fácil, você só pressiona delete e pronto. Em vez de 500 amigos, você terá 499, mas isso será apenas temporário, porque amanhã você terá outros 500, e isso corrói muito os laços humanos.
Os laços humanos são uma mistura de bênção e maldição.
Bênção porque é realmente muito prazeroso, é muito satisfatório ter outro parceiro em quem confiar e fazer algo por ele ou ela. É um tipo de experiência indisponível para a amizade no Facebook; então, é uma bênção... E eu acho que muito jovem não tem nem mesmo consciência do que eles realmente perderam, porque eles nunca vivenciaram esse tipo de situação.
Por outro lado, há a maldição, pois quando você entra no laço, você espera ficar lá para sempre. Você jura, você faz um juramento: até que a morte nos separe, para sempre. O que isso significa? Significa que você empenha o seu futuro. Talvez amanhã, ou no mês que vem, ou no ano que vem, haja novas oportunidades. Agora você não consegue prevê-las, porque você ficará preso aos seus antigos compromissos, às suas antigas obrigações.
Então, trata-se de uma situação muito ambivalente e, consequentemente, de um fenômeno curioso dessa pessoa solitária numa multidão de solitários. Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo.
ZIGMUNT BAUMAN. Fronteiras.com/artigos/zygmunt-bauman-la-solidao-e-a-grande-ameaça. (Adaptado)
A solidão é a grande ameaça
Quando eu era jovem, eu nunca tive o conceito de “redes”. Eu tinha o conceito de laços humanos, de comunidades, esse tipo de coisa, mas não redes. Qual é a diferença entre comunidade e rede? A comunidade precede você. Você nasce numa comunidade. Por outro lado, temos a rede.
O que é uma rede? Ao contrário da comunidade, a rede é a que é feita e mantida viva por duas atividades diferentes. Uma é conectar e a outra é desconectar. E eu acho que a atratividade do novo tipo de amizade, o tipo de amizade do Facebook, como eu a chamo, está exatamente aí. Que é tão fácil de desconectar.
É fácil conectar, fazer amigos. Mas o maior atrativo é a facilidade de se desconectar. Imagine que estamos falando não de amigos on-line, conexões on-line, compartilhamento on-line, mas sim de conexões off-line, conexões de verdade, frente a frente, corpo a corpo, olho no olho. Neste caso, romper relações é sempre um evento muito traumático. Você tem que encontrar desculpas, você tem que se explicar, você tem que mentir com frequência e, mesmo assim, você não se sente seguro, porque seu parceiro diz que você não tem direitos, que você é um porco etc. É difícil. Na internet, é tão fácil, você só pressiona delete e pronto. Em vez de 500 amigos, você terá 499, mas isso será apenas temporário, porque amanhã você terá outros 500, e isso corrói muito os laços humanos.
Os laços humanos são uma mistura de bênção e maldição.
Bênção porque é realmente muito prazeroso, é muito satisfatório ter outro parceiro em quem confiar e fazer algo por ele ou ela. É um tipo de experiência indisponível para a amizade no Facebook; então, é uma bênção... E eu acho que muito jovem não tem nem mesmo consciência do que eles realmente perderam, porque eles nunca vivenciaram esse tipo de situação.
Por outro lado, há a maldição, pois quando você entra no laço, você espera ficar lá para sempre. Você jura, você faz um juramento: até que a morte nos separe, para sempre. O que isso significa? Significa que você empenha o seu futuro. Talvez amanhã, ou no mês que vem, ou no ano que vem, haja novas oportunidades. Agora você não consegue prevê-las, porque você ficará preso aos seus antigos compromissos, às suas antigas obrigações.
Então, trata-se de uma situação muito ambivalente e, consequentemente, de um fenômeno curioso dessa pessoa solitária numa multidão de solitários. Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo.
ZIGMUNT BAUMAN. Fronteiras.com/artigos/zygmunt-bauman-la-solidao-e-a-grande-ameaça. (Adaptado)
Tendo em vista o fragmento “Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo.”, analise as afirmativas a seguir.
I. AO MESMO TEMPO é uma expressão adverbial que, contrariamente à ideia de invariabilidade dos advérbios e locuções adverbiais, flexiona em número.
II. O lugar sintático do sujeito, na oração que forma o período em análise, está vazio, mas sua existência continua assinalada na flexão verbal.
III. A expressão NUMA SOLIDÃO possui concordância inadequada em relação ao elemento a que se refere.
Está correto apenas o que se afirma em:
A solidão é a grande ameaça
Quando eu era jovem, eu nunca tive o conceito de “redes”. Eu tinha o conceito de laços humanos, de comunidades, esse tipo de coisa, mas não redes. Qual é a diferença entre comunidade e rede? A comunidade precede você. Você nasce numa comunidade. Por outro lado, temos a rede.
O que é uma rede? Ao contrário da comunidade, a rede é a que é feita e mantida viva por duas atividades diferentes. Uma é conectar e a outra é desconectar. E eu acho que a atratividade do novo tipo de amizade, o tipo de amizade do Facebook, como eu a chamo, está exatamente aí. Que é tão fácil de desconectar.
É fácil conectar, fazer amigos. Mas o maior atrativo é a facilidade de se desconectar. Imagine que estamos falando não de amigos on-line, conexões on-line, compartilhamento on-line, mas sim de conexões off-line, conexões de verdade, frente a frente, corpo a corpo, olho no olho. Neste caso, romper relações é sempre um evento muito traumático. Você tem que encontrar desculpas, você tem que se explicar, você tem que mentir com frequência e, mesmo assim, você não se sente seguro, porque seu parceiro diz que você não tem direitos, que você é um porco etc. É difícil. Na internet, é tão fácil, você só pressiona delete e pronto. Em vez de 500 amigos, você terá 499, mas isso será apenas temporário, porque amanhã você terá outros 500, e isso corrói muito os laços humanos.
Os laços humanos são uma mistura de bênção e maldição.
Bênção porque é realmente muito prazeroso, é muito satisfatório ter outro parceiro em quem confiar e fazer algo por ele ou ela. É um tipo de experiência indisponível para a amizade no Facebook; então, é uma bênção... E eu acho que muito jovem não tem nem mesmo consciência do que eles realmente perderam, porque eles nunca vivenciaram esse tipo de situação.
Por outro lado, há a maldição, pois quando você entra no laço, você espera ficar lá para sempre. Você jura, você faz um juramento: até que a morte nos separe, para sempre. O que isso significa? Significa que você empenha o seu futuro. Talvez amanhã, ou no mês que vem, ou no ano que vem, haja novas oportunidades. Agora você não consegue prevê-las, porque você ficará preso aos seus antigos compromissos, às suas antigas obrigações.
Então, trata-se de uma situação muito ambivalente e, consequentemente, de um fenômeno curioso dessa pessoa solitária numa multidão de solitários. Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo.
ZIGMUNT BAUMAN. Fronteiras.com/artigos/zygmunt-bauman-la-solidao-e-a-grande-ameaça. (Adaptado)
A solidão é a grande ameaça
Quando eu era jovem, eu nunca tive o conceito de “redes”. Eu tinha o conceito de laços humanos, de comunidades, esse tipo de coisa, mas não redes. Qual é a diferença entre comunidade e rede? A comunidade precede você. Você nasce numa comunidade. Por outro lado, temos a rede.
O que é uma rede? Ao contrário da comunidade, a rede é a que é feita e mantida viva por duas atividades diferentes. Uma é conectar e a outra é desconectar. E eu acho que a atratividade do novo tipo de amizade, o tipo de amizade do Facebook, como eu a chamo, está exatamente aí. Que é tão fácil de desconectar.
É fácil conectar, fazer amigos. Mas o maior atrativo é a facilidade de se desconectar. Imagine que estamos falando não de amigos on-line, conexões on-line, compartilhamento on-line, mas sim de conexões off-line, conexões de verdade, frente a frente, corpo a corpo, olho no olho. Neste caso, romper relações é sempre um evento muito traumático. Você tem que encontrar desculpas, você tem que se explicar, você tem que mentir com frequência e, mesmo assim, você não se sente seguro, porque seu parceiro diz que você não tem direitos, que você é um porco etc. É difícil. Na internet, é tão fácil, você só pressiona delete e pronto. Em vez de 500 amigos, você terá 499, mas isso será apenas temporário, porque amanhã você terá outros 500, e isso corrói muito os laços humanos.
Os laços humanos são uma mistura de bênção e maldição.
Bênção porque é realmente muito prazeroso, é muito satisfatório ter outro parceiro em quem confiar e fazer algo por ele ou ela. É um tipo de experiência indisponível para a amizade no Facebook; então, é uma bênção... E eu acho que muito jovem não tem nem mesmo consciência do que eles realmente perderam, porque eles nunca vivenciaram esse tipo de situação.
Por outro lado, há a maldição, pois quando você entra no laço, você espera ficar lá para sempre. Você jura, você faz um juramento: até que a morte nos separe, para sempre. O que isso significa? Significa que você empenha o seu futuro. Talvez amanhã, ou no mês que vem, ou no ano que vem, haja novas oportunidades. Agora você não consegue prevê-las, porque você ficará preso aos seus antigos compromissos, às suas antigas obrigações.
Então, trata-se de uma situação muito ambivalente e, consequentemente, de um fenômeno curioso dessa pessoa solitária numa multidão de solitários. Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo.
ZIGMUNT BAUMAN. Fronteiras.com/artigos/zygmunt-bauman-la-solidao-e-a-grande-ameaça. (Adaptado)
Redes sociais: o reino encantado da intimidade de faz de conta
Recebi, por e-mail, um convite para um evento literário. Aceitei, e logo a moça que me convidou pediu meu número de Whatsapp para agilizar algumas informações. No dia seguinte, nossa formalidade havia evoluído para emojis de coraçãozinho. No terceiro dia, eia iniciou a mensagem com um "bom dia, amiga". Quando eu fizer aniversário, acho que vou convidá-la pra festa.
Postei no Instagram a foto de um cartaz de cinema, e uma leitora deixou um comentário no Direct. Disse que vem passando por um drama parecido como do filme; algo tão pessoal, que ela só quis contar para mim, em quem confia 100%. Como não chamá-la para a próxima ceia de Natal aqui em casa? Fotos de recém-nascidos me são enviadas por mulheres que eu nem sabia que estavam grávidas. Mando condolências pela morte do avô de alguém que mal cumprimento quando encontro num bar. Acompanho a dieta alimentar de estranhos. Fico sabendo que o amigo de uma conhecida troca, todos os dias, as fraldas de sua mãe velhinha, mas que não faria isso pelo pai, que sempre foi seco e frio com ele - e me comovo; sinto como se estivesse sentada a seu lado no sofá, enxugando suas lágrimas.
Mas não estou sentada a seu lado no sofá e nem mesmo sei quem ele é; apenas li um comentário deixado numa postagem do Facebook, entre outras milhares de postagens diárias que não são pra mim, mas que estão ao alcance dos meus olhos. É o reino encantado das confidências instantâneas e das distâncias suprimidas: nunca fomos tão íntimos de todos.
Pena que esse mundo fofo é de faz de conta, intimidade, pra valer, exige paciência e convivência, tudo o que, infelizmente, tornou-se sinônimo de perda de tempo. Mais vale a aproximação ilusória: as pessoas amam você, mesmo sem conhecê-la de verdade. É como disse, certa vez, o ator Daniel Dantas em entrevista à Marilia Gabriela: "Eu gostaria de ser a pessoa que meu cachorro pensa que eu sou".
Genial. Um cachorro começa a seguir você na rua e, se você der atenção e o levar pra casa, ganha um amigo na hora. O cachorro vai achá-lo o máximo, pois a única coisa que ele quer é pertencer. Ele não está nem aí para suas fraquezas, para suas esquisitices, para a pessoa que você realmente é: basta que você o adote.
A comparação é meio forçada, mas tem alguma relação com o que acontece nas redes. Farejamos uns aos outros, ofertamos um like e, de imediato, ganhamos um amigo que não sabe nada de profundo sobre nós, e provavelmente nunca saberá. A diferença - a favor do cachorro - é que este está realmente por perto, todos os dias, e é sensível aos nossos estados de ânimo, tornando-se íntimo a seu modo. Já alguns seres humanos seguem outros seres humanos sem que jamais venham a pertencer à vida um do outro, inaugurando uma nova intimidade: a que não existe de modo nenhum.
Martha Medeiros <https://www, revistaversar.com. br/redes-sociais-inttmÍdade/>
Redes sociais: o reino encantado da intimidade de faz de conta
Recebi, por e-mail, um convite para um evento literário. Aceitei, e logo a moça que me convidou pediu meu número de Whatsapp para agilizar algumas informações. No dia seguinte, nossa formalidade havia evoluído para emojis de coraçãozinho. No terceiro dia, eia iniciou a mensagem com um "bom dia, amiga". Quando eu fizer aniversário, acho que vou convidá-la pra festa.
Postei no Instagram a foto de um cartaz de cinema, e uma leitora deixou um comentário no Direct. Disse que vem passando por um drama parecido como do filme; algo tão pessoal, que ela só quis contar para mim, em quem confia 100%. Como não chamá-la para a próxima ceia de Natal aqui em casa? Fotos de recém-nascidos me são enviadas por mulheres que eu nem sabia que estavam grávidas. Mando condolências pela morte do avô de alguém que mal cumprimento quando encontro num bar. Acompanho a dieta alimentar de estranhos. Fico sabendo que o amigo de uma conhecida troca, todos os dias, as fraldas de sua mãe velhinha, mas que não faria isso pelo pai, que sempre foi seco e frio com ele - e me comovo; sinto como se estivesse sentada a seu lado no sofá, enxugando suas lágrimas.
Mas não estou sentada a seu lado no sofá e nem mesmo sei quem ele é; apenas li um comentário deixado numa postagem do Facebook, entre outras milhares de postagens diárias que não são pra mim, mas que estão ao alcance dos meus olhos. É o reino encantado das confidências instantâneas e das distâncias suprimidas: nunca fomos tão íntimos de todos.
Pena que esse mundo fofo é de faz de conta, intimidade, pra valer, exige paciência e convivência, tudo o que, infelizmente, tornou-se sinônimo de perda de tempo. Mais vale a aproximação ilusória: as pessoas amam você, mesmo sem conhecê-la de verdade. É como disse, certa vez, o ator Daniel Dantas em entrevista à Marilia Gabriela: "Eu gostaria de ser a pessoa que meu cachorro pensa que eu sou".
Genial. Um cachorro começa a seguir você na rua e, se você der atenção e o levar pra casa, ganha um amigo na hora. O cachorro vai achá-lo o máximo, pois a única coisa que ele quer é pertencer. Ele não está nem aí para suas fraquezas, para suas esquisitices, para a pessoa que você realmente é: basta que você o adote.
A comparação é meio forçada, mas tem alguma relação com o que acontece nas redes. Farejamos uns aos outros, ofertamos um like e, de imediato, ganhamos um amigo que não sabe nada de profundo sobre nós, e provavelmente nunca saberá. A diferença - a favor do cachorro - é que este está realmente por perto, todos os dias, e é sensível aos nossos estados de ânimo, tornando-se íntimo a seu modo. Já alguns seres humanos seguem outros seres humanos sem que jamais venham a pertencer à vida um do outro, inaugurando uma nova intimidade: a que não existe de modo nenhum.
Martha Medeiros <https://www, revistaversar.com. br/redes-sociais-inttmÍdade/>