Questões Militares de Português - Morfologia
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Como Dizia Meu Pai
Já se tornou hábito meu, em meio a uma conversa, preceder algum comentário por uma introdução:
— Como dizia meu pai...
Nem sempre me reporto a algo que ele realmente dizia, sendo apenas uma maneira coloquial de dar ênfase a alguma opinião.
De uns tempos para cá, porém, comecei a perceber que a opinião, sem ser de caso pensado, parece de fato corresponder a alguma coisa que Seu Domingos costumava dizer. Isso significará talvez — Deus queira — que insensivelmente vou me tomando com o correr dos anos cada vez mais parecido com ele. Ou, pelo menos, me identificando com a herança espiritual que dele recebi.
Não raro me surpreendo, antes de agir, tentando descobrir como ele agiria em semelhantes circunstâncias, repetindo uma atitude sua, até mesmo esboçando um gesto seu. Ao formular uma ideia, percebo que estou concebendo, para nortear meu pensamento, um princípio que, se não foi enunciado por ele, só pode ter sido inspirado por sua presença dentro de mim.
— No fim tudo dá certo...
Ainda ontem eu tranquilizava um de meus filhos com esta frase, sem reparar que repetia literalmente o que ele costumava dizer, sempre concluindo com olhar travesso:
— Se não deu certo, é porque ainda não chegou no fim.
Gosto de evocar a figura mansa de Seu Domingos, a quem chamávamos paizinho, a subir pausadamente a escada da varanda de nossa casa, todos os dias, ao cair da tarde, egresso do escritório situado no porão. Ou depois do jantar, sentado com minha mãe no sofá de palhinha da varanda, como namorados, trocando notícias do dia. Os filhos guardavam zelosa distância, até que ela ia aos seus afazeres e ele se punha à disposição de cada um, para ouvir nossos problemas e ajudar a resolvê-los. Finda a última audiência, passava a mão no chapéu e na bengala e saía para uma volta, um encontro eventual com algum amigo. Regressava religiosamente uma hora depois, e tendo descido a pé até o centro, subia sempre de bonde. Se acaso ainda estávamos acordados, podíamos contar com o saquinho de balas que o paizinho nunca deixava de trazer.
Costumava se distrair realizando pequenos consertos domésticos: uma boia de descarga, a bucha de uma torneira, um fusível queimado. Dispunha para isso da necessária habilidade e de uma preciosa caixa de ferramentas em que ninguém mais podia tocar. Aprendi com ele como é indispensável, para a boa ordem da casa, ter à mão pelo menos um alicate e uma chave de fenda. Durante algum tempo andou às voltas com o velho relógio de parede que fora de seu pai, hoje me pertence e amanhã será de meu filho: estava atrasando. Depois de remexer durante vários dias em suas entranhas, deu por findo o trabalho, embora ao remontá-lo houvessem sobrado umas pecinhas, que alegou não fazerem falta. O relógio passou a funcionar sem atrasos, e as batidas a soar em horas desencontradas. Como, aliás, acontece até hoje.
Tinha por hábito emitir um pequeno sopro de assovio, que tanto podia ser indício de paz de espírito como do esforço para controlar a perturbação diante de algum aborrecimento.
— As coisas são como são e não como deviam ser. Ou como gostaríamos que fossem.
Este pronunciamento se fazia ouvir em geral quando diante de uma fatalidade a que não se poderia fugir. Queria dizer que devemos nos conformar com o fato de nossa vontade não poder prevalecer sobre a vontade de Deus - embora jamais fosse assim eloquente em suas conclusões. Estas quase sempre eram, mesmo, eivadas de certo ceticismo preventivo ante as esperanças vãs:
— O que não tem solução, solucionado está.
E tudo que acontece é bom — talvez não chegasse ao cúmulo do otimismo de afirmar isso, como seu filho Gerson, mas não vacilava em sustentar que toda mudança é para melhor: se mudou, é porque não estava dando certo. E se quiser que mude, não podendo fazer nada para isso, espere, que mudará por si.
[...]
Tudo isso que de uns tempos para cá me vem ocorrendo, às vezes inconscientemente, como legado de meu pai, teve seu coroamento há poucos dias, quando eu ia caminhando distraído pela praia. Revirava na cabeça, não sei a que propósito, uma frase ouvida desde a infância e que fazia parte de sua filosofia: não se deve aumentar a aflição dos aflitos. Esta máxima me conduziu a outra, enunciada por Carlos Drummond de Andrade no filme que fiz sobre ele, a qual certamente Seu Domingos perfilharia: não devemos exigir das pessoas mais do que elas podem dar. De repente fui fulminado por uma verdade tão absoluta que tive de parar, completamente zonzo, fechando os olhos para entender melhor. No entanto era uma verdade evangélica, de clareza cintilante como um raio de sol, cheguei a fazer uma vênia de gratidão a Seu Domingos por me havê-la enviado:
— Só há um meio de resolver qualquer problema nosso: é resolver primeiro o do outro.
Com o tempo, a cidade foi tomando conhecimento do seu bom senso, da experiência adquirida ao longo de uma vida sem maiores ambições: Seu Domingos, além de representante de umas firmas inglesas, era procurador de partes — solene designação para uma atividade que hoje talvez fosse referida como a de um despachante. A princípio os amigos, conhecidos, e depois até desconhecidos passaram a procurá-lo para ouvir um conselho ou receber dele uma orientação. Era de se ver a romaria no seu escritório todas as manhãs: um funcionário que dera desfalque, uma mulher abandonada pelo marido, um pai agoniado com problemas do filho — era gente assim que vinha buscar com ele alívio para a sua dúvida, o seu medo, a sua aflição. O próprio Governador, que não o conhecia pessoalmente, certa vez o consultou através de um secretário, sobre questão administrativa que o atormentava. Não se falando nos filhos: mesmo depois de ter saído de casa, mais de uma vez tomei trem ou avião e fui colher uma palavra sua que hoje tanta falta me faz.
Resta apenas evocá-la, como faço agora, para me servir de consolo nas horas más. No momento, ele próprio está aqui a meu lado, com o seu sorriso bom.
SABINO, Fernando. A volta por cima. In: Obra Reunida v. III.
Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar, 1996. (Texto adaptado)
Por isso, quando a religião fortalece a maldade humana, melhor é abandoná-la para ficar com a bondade humana, pois é esta que nos permite entender a grandeza de qualquer divindade: ser capaz de tornar os seres humanos mais humanizados. (linhas 91 e 92)
A respeito do período acima, analise as afirmativas a seguir:
I. O segmento ser capaz de tornar os seres humanos mais humanizados exerce função apositiva.
II. O segmento para ficar com a bondade humana exerce papel final.
III. A conjunção pois exerce papel conclusivo.
Assinale
Os antigos
Os antigos invocavam as Musas.
Nós invocamo-nos a nós mesmos.
Não sei se as Musas apareciam –
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. –
Mas sei que nós não aparecemos.
Quantas vezes me tenho debruçado
Sobre o poço que me suponho
E balido “Ah!” para ouvir um eco,
E não tenho ouvido mais que o visto –
O vago alvor escuro com que a água resplandece
Lá na inutilidade do fundo…
Nenhum eco para mim…
Só vagamente uma cara,
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro.
E uma coisa quase invisível,
Exceto como luminosamente vejo
Lá no fundo…
No silêncio e na luz falsa do fundo…
(Fernando Pessoa. Poemas de Álvaro de Campos. São Paulo, Saraiva, 2013, p. 156)
O amor na era digital
O amor no tempo das cartas era belo e romântico, com suas longas e dolorosas esperas e dúvidas, com cartas roubadas, indispensáveis em qualquer novela. Mas o WhatsApp, o Skype e o e-mail, além do telefone, tornaram viver um amor em algo muito diferente. E muito melhor.
Acabou a distância e o tempo entre as mensagens. Na verdade, o que os olhos veem o coração sente. Falar vendo os olhos e as expressões do ser amado na tela é quase tão bom quanto ao vivo.
Uma das melhores novidades é a DR1 digital. Esfrie a cabeça, pense bem no que o incomoda, provoca dúvidas e o faz sofrer, escreva com cuidado. Receba as queixas, os medos e as dúvidas do outro com atenção, leia várias vezes. Responda pensando bem, revisando e equilibrando o que escreveu, frequentemente há exageros. Só mande no dia seguinte, depois de reler com cuidado o que disse: vale o escrito!
Uniões são salvas e brigas feias de casal são evitadas pelo e-mail ou pelo zap, que ainda criam a garantia de promessas, acordos e desculpas por escrito. Para serem lidos e relidos e eventualmente cobrados ou discutidos. É bem mais fácil admitir erros por escrito do que no calor de uma discussão, e muito mais eficiente.
(Nelson Motta. https://oglobo.globo.com, 12.04.2019. Adaptado)
1 DR: discussão de relacionamento.
Considere os vocábulos destacados no seguinte trecho do quarto parágrafo.
Uniões são salvas e brigas feias de casal são evitadas pelo e-mail ou pelo zap, que ainda criam a garantia de promessas, acordos e desculpas por escrito. Para serem lidos e relidos e eventualmente cobrados ou discutidos.
Os vocábulos ainda e eventualmente, respectivamente,
exprimem sentidos de
Considere o cartum para responder a questão.
TEXTO 03
A Pêndula
Saí dali a saborear o beijo. Não pude dormir; estirei-me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada. Ouvi as horas todas da noite. Usualmente, quando eu perdia o sono, o bater da pêndula fazia-me muito mal; esse tique-taque soturno, vagaroso e seco, parecia dizer a cada golpe que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava então um velho diabo, sentado entre dois sacos, o da vida e da morte, a tirar as moedas da vida para dá-las à morte, e a contá-las assim:
- Outra de menos .. .
- Outra de menos .. .
- Outra de menos .. .
- Outra de menos .. .
O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-lhe corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e eu pudesse contar todos os meus instantes perdidos. Invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo; o derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre.' Naquela noite não padeci essa triste sensação de enfado, mas outra, e deleitosa. As fantasias tumultuavam-me cá dentro, vinham umas sobre outras, à semelhança de devotas que se abalroam para ver o anjo-cantor das procissões. Não ouvia os instantes perdidos, mas os minutos ganhados; e de certo tempo em diante não ouvi coisa nenhuma, porque o meu pensamento, ardiloso e traquinas, saltou pela janela fora e bateu as asas na direção da casa de Virgília. Aí achou ao peitoril de uma janela o pensamento de Virgília, saudaram-se e ficaram de palestra. Nós a rolarmos na cama, talvez com frio, necessitados de repouso, e os dois vadios ali postos, a repetirem o velho diálogo de Adão e Eva.
(ASSIS, Machado de. Obra Completa. Vol. 1. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 199, p. 61-62)
TEXTO 03
A Pêndula
Saí dali a saborear o beijo. Não pude dormir; estirei-me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada. Ouvi as horas todas da noite. Usualmente, quando eu perdia o sono, o bater da pêndula fazia-me muito mal; esse tique-taque soturno, vagaroso e seco, parecia dizer a cada golpe que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava então um velho diabo, sentado entre dois sacos, o da vida e da morte, a tirar as moedas da vida para dá-las à morte, e a contá-las assim:
- Outra de menos .. .
- Outra de menos .. .
- Outra de menos .. .
- Outra de menos .. .
O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-lhe corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e eu pudesse contar todos os meus instantes perdidos. Invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo; o derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre.' Naquela noite não padeci essa triste sensação de enfado, mas outra, e deleitosa. As fantasias tumultuavam-me cá dentro, vinham umas sobre outras, à semelhança de devotas que se abalroam para ver o anjo-cantor das procissões. Não ouvia os instantes perdidos, mas os minutos ganhados; e de certo tempo em diante não ouvi coisa nenhuma, porque o meu pensamento, ardiloso e traquinas, saltou pela janela fora e bateu as asas na direção da casa de Virgília. Aí achou ao peitoril de uma janela o pensamento de Virgília, saudaram-se e ficaram de palestra. Nós a rolarmos na cama, talvez com frio, necessitados de repouso, e os dois vadios ali postos, a repetirem o velho diálogo de Adão e Eva.
(ASSIS, Machado de. Obra Completa. Vol. 1. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 199, p. 61-62)
TEXTO 2
Carteira de motorista terá formato de cartão de crédito e recursos antifraude
A CNH (Carteira Nacional de Habilitação) vai mudar de formato e de material em 2019. No lugar do papel-moeda entra o plástico, com mais recursos antifraude. O processo de obtenção deve ser simplificado.
Na proposta que está sendo estudada pelo Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), os motoristas terão que fazer exames médicos a cada cinco anos, sem que seja necessário pagar taxa, apresentar documentação e tirar outra foto no Detran, para receber outra CNH, como acontece hoje. Após o condutor completar 55 anos, a periodicidade dos exames cai para dois anos e meio. A partir dos 70 anos, passam a ser feitos anualmente.
A nova regra só será possível com a adoção de tecnologias de segurança. Conforme a Resolução 718 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), a nova carteira terá o formato de um cartão de crédito e reunirá dados cadastrais do motorista tanto na parte impressa quanto na memória digital. A ideia é que as informações possam ser lidas por smartphones dotados de aplicativos desenvolvidos para agentes de trânsito.
Sérgio Yoshioka, mestre em engenharia da computação, afirma que unir dados biométricos e cadastrais que possam ser lidos digitalmente praticamente elimina as possibilidades de fraude.
O especialista diz que seria importante utilizar tecnologia de leitura facial, a mesma já disponível em alguns celulares. Com isso, não haveria a necessidade de apresentar o documento em uma blitz, por exemplo.
O Departamento Nacional de Trânsito diz que “as empresas que produzirão as carteiras serão previamente credenciadas e posteriormente habilitadas pelos Detrans, seguindo o mesmo modelo de negócio atual”. Esse processo ainda não teve início.
O cronograma publicado pelo Contran prevê que as novas carteiras sejam emitidas a partir de janeiro, mas são esperados atrasos.
(Eduardo Sodré. Folha de S.Paulo, 25.08.2018. Adaptado)
1 – prefixação e sufixação 2 – parassíntese 3 – prefixação 4 – aglutinação
( ) desenlace ( ) indeterminadamente ( ) ensaboar ( ) petróleo
“Novamente a cavalo [...], Vicente marcha através da estrada vermelha e pedregosa, [...] pela galharia negra da caatinga morta. Os cascos [...] pareciam tirar fogo nos seixos do caminho. Lagartixas davam carreirinhas intermitentes por cima das folhas secas do chão que estalavam como papel queimado.”
(Raquel de Queiroz)
Quantos adjetivos há no texto?
1 – A cal usada no reboco era de péssima qualidade. 2 – O apendicite provocou infecção generalizada no paciente. 3 – O jogador caiu de mal jeito e teve problemas no omoplata. 4 – Faltam alguns gramas de presunto para melhorar o sabor da lasanha.
O gênero dos substantivos destacados está correto em qual alternativa?
Leia o texto a seguir.
Ao estudar a forma e a função das palavras, não se pode desvincular o estudo de uma do estudo da outra, pois forma e função coexistem e seus papéis só se definem solidariamente. De acordo com a forma que apresentam, as palavras classificam-se em substantivos, adjetivos, numerais, artigos, pronomes, verbos, advérbios, preposições, conjunções e interjeições.
(CEREJA, William Roberto, MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática Reflexiva: Texto, semântica e interação. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 114.)
A esse respeito, leia o texto a seguir.
Economia de água
“Os dados estatísticos nos ajudam a compreender melhor o quanto a sociedade está ciente de seu consumo de água, do meio em que vive e das necessidades do mundo contemporâneo com relação aos recursos naturais. Em novembro de 2011, o Ibope conduziu 2002 entrevistas pessoais em todo o território nacional, investigando a consciência dos brasileiros ao lidar com os recursos hídricos.”
(Disponível em: ˂http://www.alago.org.br/imagens/image/dicasuteis/economiadeagua.pdf˃ Acesso em: 11 fev. 2019. Adaptado.)A propósito dos termos destacados no texto, avalie as seguintes afirmações.
I. Melhor é advérbio.
II. 2011 é um numeral ordinal.
III. Sociedade é substantivo coletivo.
IV. Lidar é um verbo regular e transitivo.
Está correto apenas o que se afirma em
Leia o texto a seguir.
A esse respeito, é correto afirmar que o único substantivo citado a seguir que não se enquadra nessa regra é
Leia o texto a seguir.
“Dois anos de férias, um clássico da literatura infantojuvenil, é um livro cultuado por mais de um século pelos fãs de Júlio Verne e um ícone da impressionante literatura de aventura do século XIX.”
(Disponível em: <https://www.edipro.com.br/produto/dois-anos-de-ferias/>. Acesso em: 03 fev. 2019. Adaptado.)
No título do livro, observa-se a unidade lexical “férias” que, na Língua Portuguesa, não possui marca de número, ou seja, trata-se de uma palavra que só se emprega no plural.
“Dois anos de férias, um clássico da literatura infantojuvenil, é um livro cultuado por mais de um século pelos fãs de Júlio Verne e um ícone da impressionante literatura de aventura do século XIX.”
(Disponível em:https://www.edipro.com.br/produto/dois-anos-de-ferias/>. Acesso em: 03 fev. 2019. Adaptado.)
No título do livro, observa-se a unidade lexical “férias” que, na Língua Portuguesa, não possui marca de número, ou seja, trata-se de uma palavra que só se emprega no plural.
A esse respeito, é correto afirmar que o único substantivo citado a seguir que não se enquadra nessa regra é
Alfabeto de emojis
Antônio Prata*
1. “Paradoxalmente” – escreverá um historiador em 2218 – “foi a disseminação da escrita como principal forma de comunicação o que criou as condições para a sua própria morte”. O alfabeto latino, este fantástico conjunto de 26 letras que, combinadas infinitamente, podem nomear realidades tão distintas quanto “sol”, “schadenfreud” e “Argamassa Cimentcola Quartzolite”, começou sua lenta caminhada em direção ao brejo em setembro de 1982.
2. Foi ali, não muito depois da derrota do Brasil para a Itália de Paolo Rossi, que o cientista da computação Scott Fahlman sugeriu a colegas de Carnegie Mellon University, com os quais se comunicava online, usarem :) para distinguirem as piadas dos assuntos sérios. Mal sabia o tal Scott, criando essa possibilidade, que aquela inocente boca de parêntese era o protótipo da goela que viria a engolir quase 3.000 anos de alfabeto como se fosse uma sopa de letrinhas.
3. Os emoticons se espalharam pelo mundo de tal maneira que inundaram o ICQ, os chats e, principalmente, os celulares, mas nem todos os seres humanos aderiram imediatamente à moda. Alguns se recusaram por conservadorismo, alguns por uma burrice gráfica atávica que os impedia de compreender as imagens. [...]
4. Emoticons foram o início do fim, mas só o início. O coaxar dos sapos no brejo começou a incomodar mesmo com a chegada dos emojis. Confesso que, de novo, demorei pra entrar na onda. Desta vez não por desconhecimento, nem por burrice, mas por senso do ridículo. Quando que um adulto como eu iria mandar pra outro adulto um “smile” bicudo soltando um coração pelo canto da boca, como se fosse uma bola de chiclete? Nunca! “Nunca”, no caso, revelou-se estar a apenas uns cinco anos de distância da minha indignação.
5. Hoje eu mando coração pulsante pra contadora que me lembrou dos documentos do IR, mando John Travolta de roxo pro amigo que me pergunta se está confirmado o jantar na quinta e, se eu pagasse imposto sobre cada joia que envio daquele mãozão amarelo, não ia ter coração pulsante capaz de fazer minha contadora resolver a situação.
6. “Em meados do século 21” – escreverá o historiador de 2218 – “a humanidade abandonou o alfabeto e passou a se comunicar só por emojis”. A frase, claro, será toda escrita com emojis. Haverá tantos, iguaizinhos e tão variados, que será possível citar Shakespeare usando apenas desenhinhos. (Shakespeare, aliás, dá pra escrever. Imagem de milk-shake + duas chaves (keys) + pera (pear). Shake + keys + pear).
7. Teremos voltado ao tempo dos hieróglifos e não me assombra se as condições de vida regredirem às do antigo Egito, mas ninguém se importará, cada um de nós, hipnotizado pela tela que tantos apregoaram ser uma nova pedra de Roseta capaz de traduzir o mundo em nossas mãos, mas que no fim se revelou só um infernal e escravizante pergaminho. :-(
* Escritor e roteirista.
(Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2018/04/alfabeto-de-emojis.shtml>
Observe a passagem transcrita do quarto parágrafo da crônica.
“Quando que um adulto como eu iria mandar pra outro adulto um “smile” bicudo soltando um coração pelo canto da boca, como se fosse uma bola de chiclete? Nunca! “Nunca”, no caso, revelou-se estar a apenas uns cinco anos de distância da minha indignação.”
Considere as unidades lexicais destacadas e preencha corretamente as lacunas do texto.
Na primeira ocorrência, o termo “nunca” exerce a função sintática de _______________. Já na segunda, deve ser analisado como _______________ da última oração. No primeiro emprego, no que se refere à sua organização morfológica, trata-se de uma classe gramatical invariável denominada _______________.
A sequência que preenche corretamente as lacunas do texto é