Analise os fragmentos a seguir: I. João constrange Maria,...
I. João constrange Maria, por meios violentos, a ter com ele relação sexual. Em virtude da violência empregada para a consumação do ato, Maria sofre lesões corporais de natureza grave que a levam a óbito.
II. Joaquim constrange Benedita, por meio de grave ameaça, a ter com ele relação sexual. Após o coito Benedita falece em decorrência de ataque cardíaco, pois padecia, desde criança, de cardiopatia grave, condição desconhecida por Joaquim.
A partir das situações apresentadas nos fragmentos I e II, os delitos cometidos são, respectivamente,
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No item I, a causa da morte de Maria são as lesões corporais de natureza grave sofridas em virtude da violência empregada por João para a consumação da relação sexual. Logo, ele responderá por estupro qualificado pelo resultado morte, previsto no artigo 213, §2º, CP:
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
§ 2o Se da conduta resulta morte: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)
No item II, a causa da morte de Benedita foi uma cardiopatia grave que ela tinha desde criança, causa independente preexistente. Por conta disso, devem ser imputados ao agente somente os atos praticados e não o resultado naturalístico, em face da quebra da relação de causalidade. De fato, suprimindo mentalmente sua conduta, ainda assim o resultado teria ocorrido como ocorreu. Logo, Joaquim responderá somente por estupro simples, previsto no artigo 213, "caput", do CP, conforme explicação melhor detalhada na sequência.
Conforme magistério de Cleber Masson, concausa é a convergência de uma causa externa à vontade do autor da conduta, influindo na produção do resultado naturalístico por ele desejado e posicionando-se paralelamente ao seu comportamento, comissivo ou omissivo.
Causa dependente é a que emana da conduta do agente, dela se origina, razão pela qual se insere no curso normal do desenvolvimento causal. Existe dependência entre os acontecimentos, pois sem o anterior não ocorreria o posterior. Desse modo, não exclui a relação de causalidade. Exemplo: "A" tem a intenção de matar "B". Após espancá-lo, coloca uma corda em seu pescoço, amarrando-a ao seu carro. Em seguida dirige o automóvel, arrastando a vítima ao longo da estrada, circunstância que provoca a sua morte. As condutas consistentes em agredir, amarrar e arrastar a vítima são interdependentes para a produção do resultado final.
Causa independente, por outro lado, é a que foge da linha normal de desdobramento da conduta. Seu aparecimento é inesperado e imprevisível. É independente porque tem a capacidade de produzir, por si só, o resultado. Pode ser de natureza absoluta ou relativa, dependendo de sua origem.
Causas absolutamente independentes são aquelas que não se originam da conduta do agente, isto é, são absolutamente desvinculadas da sua ação ou omissão ilícita. E, por serem independentes, produzem por si só o resultado naturalístico. Constituem a chamada "causalidade antecipadora", pois rompem o nexo causal.
Dividem-se em preexistentes (ou estado anterior), concomitantes e supervenientes.
A causa absolutamente independente preexistente é aquela que existe anteriormente à prática da conduta. O resultado naturalístico teria ocorrido da mesma forma, mesmo sem o o comportamento ilícito do agente. Exemplo: "A" efetua disparos de arma de fogo contra "B", atingindo-o em regiões vitais. O exame necroscópico, todavia, conclui ter sido a morte provocada pelo envenenamento anterior efetuado por "C".
A causa absolutamente independente concomitante é a que incide simultaneamente à prática da conduta. Surge no mesmo instante em que o agente realiza seu comportamento criminoso. Exemplo: "A" efetua disparos de arma de fogo contra "B" no momento em que o teto da casa deste último desaba sobre sua cabeça.
A causa absolutamente independente superveniente é a que se concretiza posteriormente à conduta praticada pelo agente. Exemplo: "A" subministra dose letal de veneno a "B", mas, antes que se produzisse o efeito almejado, surge "C", antigo desafeto de "B", que nele efetua inúmeros disparos de arma de fogo por todo o corpo, matando-o.
Em todas as modalidades (preexistentes, concomitantes e supervenientes), o resultado naturalístico ocorre independentemente da conduta do agente. As causas surgem de forma autônoma, isto é, não se ligam ao comportamento criminoso do agente. E, por serem independentes, produzem por si só o resultado material.
Por corolário, devem ser imputados ao agente somente os atos praticados e não o resultado naturalístico, em face da quebra da relação de causalidade. De fato, suprimindo mentalmente sua conduta, ainda assim o resultado teria ocorrido como ocorreu. Respeita-se a teoria da equivalência dos antecedentes ou "conditio sine qua non", adotada pelo art. 13, "caput", "in fine", do Código Penal. Nos exemplos mencionados, o agente responde somente por tentativa de homicídio, e não por homicídio consumado.
As causas relativamente independentes, por sua vez, originam-se da própria conduta efetuada pelo agente. Daí serem relativas, pois não existiriam sem a atuação criminosa.
Como, entretanto, tais causas são independentes, têm idoneidade para produzir, por si sós, o resultado, já que não se situam no normal trâmite do desenvolvimento causal.
Classificam-se em preexistentes (ou estado anterior), concomitantes e supervenientes.
A causa relativamente independente preexistente existe previamente à prática da conduta do agente. Antes de seu agir ela já estava presente. Exemplo: "A", com ânimo homicida, efetua disparos de arma de fogo contra "B", atingindo-a de raspão. Os ferimentos, contudo, são agravados pela diabete da vítima, que vem a falecer.
A causa relativamente independente concomitante é a que ocorre simultaneamente à prática da conduta. Exemplo: "A" aponta uma arma de fogo contra "B", o qual, assustado, corre em direção a movimentada via pública. No momento em que é alvejado pelos disparos, é atropelado por um caminhão, morrendo.
Em obediência à teoria da equivalência dos antecedentes ou "conditio sine qua non", adotada pelo artigo 13, "caput", "in fine", do Código Penal, nas duas hipóteses o agente responde pelo resultado naturalístico. Com efeito, suprimindo-se mentalmente a sua conduta, o resultado material, que nos exemplos acima seria a morte da vítima, não teria ocorrido quando e como ocorreu.
Relativamente às causas supervenientes relativamente independentes, elas podem ser divididas em dois grupos, em face da regra prevista no artigo 13, §1º, do Código Penal: (1) as que produzem por si só o resultado; (2) as que não produzem por si só o resultado.
No que tange às causas supervenientes relativamente independentes que não produzem por si só o resultado, incide a teoria da equivalência dos antecedentes ou da "conditio sine qua non", adotada como regra geral no tocante à relação de causalidade (CP, art. 13, "caput", "in fine"). O agente responde pelo resultado naturalístico, pois, suprimindo-se mentalmente a sua conduta, o resultado não teria ocorrido como e quando ocorreu. Exemplo: "A", com intenção de matar, efetua disparos de arma de fogo contra "B". Por má pontaria, atinge-o em uma das pernas, não oferecendo risco de vida. Contudo, "B" é conduzido a um hospital e, por imperícia médica, vem a morrer.
Nesse caso, "B" não teria morrido, ainda que por imperícia médica, sem a conduta inicial de "A". De fato, somente pode falecer por falta de qualidade do profissional da medicina aquele que foi submetido ao seu exame, no exemplo, justamente pela conduta homicida que redundou no encaminhamento da vítima ao hospital.
A imperícia médica, por si só, não é capaz de matar qualquer pessoa, mas somente aquela que necessita de cuidados médicos. Nesse sentido é a orientação do STJ:
"O fato de a vítima ter falecido no hospital em decorrência das lesões sofridas, ainda que se alegue eventual omissão no atendimento médico, encontra-se inserido no desdobramento físico do ato de atentar contra a vida da vítima, não caracterizando constrangimento ilegal a responsabilização criminal por homicídio consumado, em respeito à teoria da equivalência dos antecedentes causais adotada no Código Penal e diante da comprovação do 'animus necandi' do agente".
Por outro lado, as causas supervenientes relativamente independentes que produzem por si só o resultado é a situação tratada pelo §1º do artigo 13 do CP: "A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou".
Nesse dispositivo foi acolhida a teoria da causalidade adequada. Logo, causa não é mais o acontecimento que de qualquer modo concorre para o resultado.
Muito pelo contrário, passa a ser causa apenas a conduta idônea - com base em um juízo estatístico e nas regras de experiência ("id quod plerum que accidit") -, a provocar a produção do resultado naturalístico. Não basta qualquer contribuição. Exige-se uma contribuição adequada.
Os exemplos famosos são: (1) pessoa atingida por disparos de arma de fogo que, internada em um hospital, falece não em razão dos ferimentos, mas sim queimada por um incêndio que destrói toda a área dos enfermos; e (2) ferido que morre durante o trajeto para o hospital, em face de acidente de tráfego que atinge a ambulância que o transportava.
Em ambos os casos, a incidência da teoria da equivalência dos antecedentes acarretaria a imputação do resultado naturalístico ao responsável pelos ferimentos, pois, eliminando-se em abstrato sua conduta, certamente a morte não teria ocorrido quando e como ocorreu.
A expressão "por si só" revela a autonomia da causa superveniente que, embora relativa, não se encontra no mesmo curso do desenvolvimento causal da conduta praticada pelo autor. Em outras palavras, depois do rompimento da relação de causalidade, a concausa manifesta a sua verdadeira eficácia, produzindo o resultado por força própria, ou seja, invoca para si a tarefa de concretizar o resultado naturalístico.
Nos exemplos acima mencionados, conclui-se que qualquer pessoa que estivesse na área da enfermaria do hospital, ou no interior da ambulância, poderia morrer em razão do acontecimento inesperado e imprevisível, e não somente a ferida pela conduta praticada pelo agente.
Portanto, a simples concorrência (de qualquer modo) não é suficiente para a imputação do resultado material, produzido, anote-se, por uma causa idônea e adequada, por si só, para fazê-lo.
O artigo 13, §1º, cuidou exclusivamente das causas supervenientes relativamente independentes que produzem por si só o resultado. Não falou das preexistentes nem das concomitantes.
Fonte: MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado, volume 1, Parte Geral (arts. 1º a 120), São Paulo: Método, 7ª edição, 2013.
RESPOSTA: ALTERNATIVA D.
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Resposta: Alternativa "D"
I - estupro qualificado pelo resultado morte (art. 213, § 2º, CP)
II - estupro simples (art. 213, CP)
Verifica-se que nos dois casos ocorreu a prática do crime de estupro. Ocorre que no primeiro, em decorrência específica ou como resultado dos métodos violentos empregados por João, a vítima veio a falecer, revelando-se assim perfeito nexo entre a primeira conduta e o resultado morte. De modo que no primeiro caso, o agente realmente deverá responder também pelo resultado morte (art. 213, § 2º, CP).
Por outro lado, no segundo caso, não pode imputar o resultado morte a Joaquim, uma vez que ele desconhecia completamente a cardiopatia que desencadeou a morte da vítima. Assim, a pergunta que deveria ser feita é a seguinte: se não fosse essa cardiopatia, teria a vítima morrido em decorrência do estupro? Como a resposta é não, tal resultado não poderia ser imputado a Joaquim. Portanto, no segundo caso, Joaquim deverá ser responsabilizado apenas pelo crime estupro (art. 213, CP) e não pelo resultado morte.
Não seria o caso de causa absolutamente independente pre-existente? Exclui-se o nexo causal na questao II.
Acredito que a questão, no que se refere ao segundo caso, tenha dado margem a uma dupla interpretação.
Caso Benedita tenha sofrido o ataque cardíaco em decorrência do stress gerado pelo estupro, não seria o caso de concausa preexistente relativamente independente? É o mesmo exemplo clássico da hemofilia, ou da diabetes aguda.
O ataque cardíaco só se manifestou naquele momento em razão da conduta do agente, caso contrário Benedita não teria sofrido o repentino ataque. Deveria ser aplicada a Teoria da Equivalência dos Antecedentes: se Joaquim não tivesse realizado o estupro, a vítima não teria sofrido o ataque que culminou na morte da mesma, portanto, foi Joaquim quem deu causa à morte, e deve responder pelo homicídio.
Alguém poderia me esclarecer melhor esse ponto da questão?
Comentando o item II
Na situação narrada, estamos diante de uma causa relativamente independente preexiste. Por quê?
Verifica-se que a cardiopatia grave é a causa preexiste, a qual somada à conduta de Joaquim (prática do crime de estupro), produziu a morte de Benedita. Veja que, neste caso, ainda que tenha ocorrido o crime de estupro, normalmente, só o crime de estupro não produziria, por si só, a morte de uma pessoa saudável. Embora nas causas relativamente independentes da conduta, haja nexo causal entre a conduta e o resultado, conforme a teoria da conditio sine qua non, para a imputação do resultado, no entanto, é necessário outro elemento, de caráter subjetivo, consistente em verificar se a causa era por ele conhecida (o que conduzirá à responsabilidade a título de dolo), ou, ao menos, previsível (indicativo de culpa). Daí, então, perceba que o próprio enunciado da questão nos dá essa informação quando diz que Joaquim não tinha conhecimento que Benedita padecia de cardiopatia grave. Assim, tente imaginar a situação, como ele ia adivinhar que a vítima iria vir a óbito com sua conduta, e ainda, vamos levar em conta que a intenção de Joaquim era praticar o estupro, tão somente. Logo, como no caso não houve dolo e nem era previsível o resultado morte, não há como imputar tal resultado morte a Joaquim, até porque caso houvesse tal imputação sem tais elementos (dolo/culpa), por óbvio, ter-se-ia a responsabilidade objetiva de Joaquim, algo que não é aceito pelo nosso Direito Penal.
Conclusão, Joaquim vai responder só pelo crime de estupro, tendo em vista o desconhecimento da causa preexistente, afastando o elemento subjetivo (dolo/culpa) da conduta do agente. Por isso, não responde pelo resultado morte.
Ana Paula eu fiquei com a mesma dúvida que você, mas realmente o esclarecimento do colega Willion abaixo está correta.
Veja o desfecho do exemplo clássico do hemofílico dada por Rogerio Greco/2014(pg. 230/231) que se assemelha ao caso da questão (concausa relativamente independente preexistente):
"...Contudo, se o agente DESCONHECIA a hemofilia da vítima, não poderá ser responsabilizado pelo resultado morte, uma vez que estaria sendo responsabilizado OBJETIVAMENTE. Se queria ferir a vítima, agredindo-a com um soco na região do tórax e esta, em razão de sua particular condição de hemofílica vem a falecer em decorrência da eclosão de um processo interno de hemorragia, o agente só poderá ser responsabilizado pelo delito de lesões corporais simples."
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