Ao homem do sertão afiguram-se tais momentos incomparáveis acima de tudo quanto possa idear a imaginação no mais
vasto círculo de ambições.
Satisfeita a sede que lhe secara as fauces, e comidas umas colheres de farinha de mandioca ou de milho, adoçada com
rapadura, estira-se a fio comprido sobre os arreios desdobrados e contempla descuidoso o firmamento azul, as nuvens que se
espacejam nos ares, a folhagem lustrosa e os troncos brancos das pindaíbas, a copa dos ipês e as palmas dos buritis a ciciar a
modo de harpas eólias, músicas sem conta com o perpassar da brisa.
Como são belas aquelas palmeiras!
O estípite liso, pardacento, sem manchas mais que pontuadas estrias, sustenta denso feixe de pecíolos longos e canulados,
em que assentam flabelas abertas como um leque, cujas pontas se acurvam flexíveis e tremulantes.
Na base em torno da coma, pendem, amparados por largas espatas, densos cachos de cocos tão duros, que a casca luzidia,
revestida de escamas romboidais e de um amarelo alaranjado, desafia por algum tempo o férreo bico das araras.
Também, com que vigor trabalham as barulhentas aves antes de conseguir a apetecida e saborosa amêndoa! Em grupos
juntam-se elas, umas vermelhas como chispas soltas de intensa labareda, outras versicolores, outras, pelo contrário, de todo
azuis, de maior viso e que, por parecerem negras em distância, têm o nome de araraúnas. Ali ficam alcandoradas, balouçando-se gravemente e atirando de espaço a espaço, às imensidades das dilatadas campinas notas estridentes, quando não seja um
clamor sem fim, ao quererem muitas disputar o mesmo cacho. Quase sempre, porém, estão a namorar-se aos pares, pousadas
uma bem encostadinha à outra.
Vê tudo aquilo o sertanejo com olhar carregado de sono. Caem-lhe pesadas as pálpebras; bem se lembra de que por ali
podem rastejar venenosas alimárias, mas é fatalista; confia no destino e, sem mais preocupação, adormece com serenidade.
Correm as horas, vem o sol descambando; refresca a brisa, e sopra rijo o vento. Não ciciam mais os buritis; gemem, e
convulsamente agitam as flabeladas palmas.
É a tarde que chega.
Desperta então o viajante; esfrega os olhos; distende preguiçosamente os braços; boceja; bebe um pouco d'água; fica uns
instantes sentado, a olhar de um lado para outro, e corre afinal a buscar o animal, que de pronto encilha e cavalga.
Uma vez montado, lá vai ele a passo ou a trote, bem disposto de corpo e de espírito, por aqueles caminhos além, em
demanda de qualquer pouso onde pernoite.
Quanta melancolia baixa à terra com o cair da tarde!
(TAUNAY, Visconde de. Inocência. Brasil, FTD Educação, 1998. Págs. 24-25.)