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Frei Caneca e a Virgem Maria
No dia 13 de janeiro de 1825, um condenado caminhava
com passos firmes na direção da forca, no centro do Recife.
Era o frei Joaquim do Amor Divino Caneca, o lendário Frei
Caneca, lutador incansável pela independência do Brasil. Ele
tinha participado da revolta da Confederação do Equador,
sufocada pelo governo de Pernambuco. Vestia o hábito da
Irmandade da Madre de Deus. Sob o olhar curioso da multidão,
foi submetido ao degradante ritual da desautoração*,
perdendo os direitos eclesiásticos, para que pudesse enfrentar
o suplício da forca.
Impassível e altivo, deixou que os monges despissem
suas vestes sagradas. Permaneceu firme quando recebeu na
tonsura** o golpe simbólico da excomunhão. O carrasco já se
preparava para o gesto fatal, quando recuou, com o rosto pálido,
dizendo que a Virgem Maria estava junto ao condenado.
Veio então o ajudante do carrasco, que também se recusou
a executar Frei Caneca, diante da visão da Virgem Maria.
Aí foram buscar dois escravos. E esses, mesmo duramente
açoitados, negaram-se a participar da execução. O juiz mandou
trazer dois presos da cadeia pública e lhes ofereceu a
liberdade em troca da execução de Frei Caneca. E eles igualmente
se negaram, alegando a visão da Virgem Maria.
Mas era preciso matar Frei Caneca de qualquer jeito,
como exemplo para desencorajar futuros conspiradores. O
juiz então ordenou que ele fosse fuzilado. Percebendo que os
soldados tremiam com as armas na mão, Frei Caneca procurou
exortá-los:
– Vamos, meus amigos. Não me façam sofrer muito. Virgem
Maria há de compreender os vossos temores. Tenham
fé, ela já os perdoou.
E os tiros provocaram um arrepio na multidão silenciosa.
(Eloy Terra. 500 anos: Crônicas pitorescas da história do Brasil. Adaptado)
*Desautoração: privação da dignidade do cargo, como medida punitiva.
**Tonsura: corte redondo dos cabelos no topo da cabeça dos clérigos.