A lição das árvores que perdem as folhas no outono.
Cada estação traz consigo as lições de um novo ciclo da vida.
Lira Neto – 09/2021
Os dias estão mais curtos, as noites mais longas. Levanto-me
cedo, para preparar o café. Ainda faz escuro lá fora. Uma neblina
toma conta do terraço, o frio atravessa a vidraça perto de onde
está posta a pequena mesa redonda da cozinha. A partir de
agora, vai ser necessário envergar um agasalho enquanto
empunho a xícara e leio os jornais. O outono chegou na Europa.
Oficialmente, a mudança de estação ocorre apenas amanhã,
quarta-feira, dia 22 de setembro. Mas já é possível sentir a
mutação térmica, bem como testemunhar a tonalidade alaranjada
dos primeiros raios de luz a inundar o horizonte, rompendo o
nevoeiro da manhã. As flores do canteiro acordam cobertas de
orvalho. As árvores da rua tingem-se de vermelhos, amarelos e
marrons.
É minha época preferida do ano. Ao longo do dia, o céu estará
límpido, a paisagem ensolarada. Mas o vento frio exigirá o uso do
casaco, que esteve guardado e esquecido, por tantos meses, no
fundo do armário do quarto. De hoje em diante, ele terá de ficar
sempre à mão, junto ao cachecol, no cabideiro próximo à porta
da entrada de casa.
Cearense que sou, gosto, sobretudo, desta combinação de sol e
frio, de dias tão dourados quanto amenos. Os finais de tarde,
sobretudo, reservam pequenos prazeres durante o passeio
vespertino pela vizinhança. A dramaticidade típica do pôr do sol
ganha contornos ainda mais expressivos, suavemente
melancólicos.
Em breve, as calçadas estarão atapetadas de folhas secas e
quebradiças, que estralarão sobre a sola dos sapatos ao serem
pisadas. Cogumelos brotarão por entre a folhagem úmida caída
ao solo. É a época, também, das grandes colheitas.
As barraquinhas das vendas e mercadinhos estarão abarrotados
de castanhas, avelãs, marmelos, romãs e, meus favoritos, caquis
— aqui chamados de dióspiros, nome que não faz jus ao festival
de sabor, cor e textura de uma fruta assim tão extraordinária.
É necessário, porém, estar atento aos sinais da natureza, essa
velha e sábia senhora que sempre gosta de pregar peças aos
incautos. De súbito, o vento vira de direção, o céu escurece,
redemoinhos se formam sob nossos pés.
O preço a se pagar pela imprevidência é um maldito resfriado ou
uma gripe oportunista, a serem padecidos com nariz vermelho e
na companhia de uma manta grossa de lã, canecas de chá e
pratos de sopa quente.
Afora isso, tomados os devidos cuidados, o outono é, para nós,
humanos, uma bela lição natural a respeito dos instantes de
transição. Quando as árvores vão perdendo assim todas as
folhas, aos poucos ficando desnudas após nos oferecerem seus
melhores frutos, estão a nos enviar silencioso recado.
É preciso despir-se do que já não nos serve mais, desapegar de
velhas fórmulas, rancores, tabus, preconceitos. Preparar-se para
os dias vindouros.
Cada estação traz consigo as lições de um novo ciclo da vida.
Outono é o momento de colher e se desfrutar aquilo que se
semeou na primavera. Hora de deleite e, ao mesmo tempo, de
introspecção. “Tempus autumnus” — tempo do ocaso, em latim.
Aparentemente mortas, com galhos nus, as árvores estão
reagindo à escassez gradativa de sol, luz e calor, elementos
indispensáveis à fotossíntese e ao metabolismo vegetal. Manter
as folhas, nessas circunstâncias, seria imprevidência, desperdício
de energia. Os nutrientes acumulados nos últimos meses as
alimentarão ao longo do outono e, mais adiante, até o final do
gélido inverno europeu.
É essa a mensagem que este raio alaranjado de sol me transmite
ao adentrar agora pela janela do escritório. O ocaso é apenas a
lenta preparação para a manhã seguinte. Sim, o outono é a
véspera do friorento inverno. Mas, também, a antevéspera da
primavera.
Pode parecer chavão, lugar-comum, mensagem de autoajuda
barata. Mas aquela árvore ali em frente, com suas folhas
mudando de verde para marrom, não cansa em apregoar o que
tanto insistimos em não ouvir.
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