Questões de Concurso
Comentadas sobre pontuação em português
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TEXTO: A palavra foi feita para dizer
Socorro Acioli, Publicado (01:30 | 15/09/2018)
Quando Vidas Secas foi publicado, na primeira metade do século XX, os artistas procuravam encontrar seu lugar depois que os portões da criação tinham sido escancarados pelas vanguardas. A partir de então era não só possível, mas necessário ousar em qualquer direção: nos temas, na forma e na linguagem. No Brasil, o modernismo já fincara suas bases e, quase nos anos quarenta, contava com um time de autores que a historiografia literária considerou pertencente ao que chamou de segunda fase do modernismo.
Quase todos eram regionalistas, essa alcunha tão mal compreendida e que, muitas vezes, desperta a reação equivocada de um rótulo que diminui, mas que fortalece e amplia. Um dos pulsos de qualquer literatura nacional está fundamentado justamente na capacidade de falar do próprio chão e de como homens e mulheres andaram, marcharam e caíram sobre ele.
No ano de 1938, foram publicados, entre outros: Olhai os lírios do campo, de Érico Veríssimo; Pedra Bonita, de José Lins do Rego; A estrada do mar, de Jorge Amado; Cazuza, de Viriato Correia; Porão e Sobrado, de Lygia Fagundes Telles e Vidas Secas, de Graciliano Ramos; talvez o aniversariante mais lembrado do grupo e que merece um olhar cuidadoso e atento para os motivos de sua permanência no cânone nacional.
Os homens e mulheres do Nordeste foram protagonistas de mais outras tantas obras dos contemporâneos de Graciliano Ramos. Considero que o maior mérito de Vidas Secas, justamente por ser o mais difícil de alcançar, é o trabalho com a linguagem e a narração. Apesar de ser contado por um narrador onisciente, o uso impecável e invisível do discurso indireto livre provoca o efeito de uma polifonia sofisticada.
Aos oitenta anos, não constato sinais de velhice neste livro. Ainda há muita vida aqui. É possível falar de Vidas Secas pelos olhos da história, da sociologia, da literatura, do seu lugar na trajetória do autor, na linha do tempo do Brasil, mas escolho outra via para dizer porque fechei o livro com a certeza de que essa obra continua forte: há um grande poema escondido em Vidas Secas, adormecido. Há música no chocalho das palavras. Barbicacho, trempe, macambira, suçuarana, baraúna, taramela, aió, pelame, enxó, marrã, mundéu, pucumã, jirau, losna, craveiro, arribação - as aves que cobrem o mundo de penas, expressão que quase batizou o livro.
Para além de um grande romance, Vidas Secas
é também poesia e música, um bloco de
camadas sobrepostas de sentidos que o tempo
tem tratado de realçar. Poucos octogenários
chegam tão vivos ao seu aniversário. Os
passos desse livro ainda estão vindo pela
estrada nos pés de Fabiano, Sinhá Vitória, os meninos sem nome e os olhos vivos da cadela
chamada Baleia, que também é Palavra.
Graciliano disse que a palavra não foi feita
para enfeitar, brilhar como ouro falso; a
palavra foi feita para dizer.
A respeito das ideias e dos aspectos linguísticos do texto precedente, julgue o item que se segue.
A supressão da vírgula empregada logo após a palavra
“constitucional” (ℓ.6) prejudicaria a correção gramatical do
texto.
Com relação às ideias e aos aspectos linguísticos do texto precedente, julgue o item a seguir.
Os dois-pontos empregados na linha 14 poderiam ser
substituídos pelo termo porquanto entre vírgulas, sem
alteração da correção gramatical e dos sentidos do texto.
O primeiro projeto apresentado na Assembleia Legislativa de Santa Catarina em 2019 promete repercutir. De autoria do deputado Valdir Cobalchini, a proposta quer proibir o uso de radares móveis, estáticos e fixos nas rodovias estaduais.
— Tem condão puramente arrecadatório, já que não se presta a promover a educação preventiva dos motoristas, conforme preconiza o Código de Trânsito Brasileiro — disse o deputado sobre o uso dos equipamentos. [...]
Disponível em https://www.nsctotal.com.br. Acesso em 11/02/2019. [adaptado]
Uma deputada estadual de Santa Catarina recebeu críticas nas redes sociais após comparecer a posse na Assembleia Legislativa com um macacão decotado. A ex-prefeita de Bombinhas, Ana Paula da Silva, do PDT, no dia 1º de fevereiro foi até a cerimônia e chamou a atenção pela roupa. Nas redes sociais, ela publicou uma foto dizendo que era o momento de “trabalhar”, no entanto, a maioria das pessoas reparou apenas no decote. [...]
Disponível em: https://www.metrojornal.com.br. Acesso em: 05/02/2019. [adaptado]
Os pontos cegos de nosso cérebro e o risco eterno de acidentes
Luciano Melo
O motorista aguarda o momento seguro para conduzir seu carro e atravessar o cruzamento. Olha para os lados que atravessará e, estático, aguarda que outros veículos deixem livre o caminho pela via transversal à sua frente. Enquanto espera, olha de um lado a outro a vigiar a pista quase livre. Finalmente não avista mais nenhum veículo que poderá atrapalhar seu planejado movimento. É hora de dirigir, mas, no meio da travessia, ele é surpreendido por uma grave colisão. Uma motocicleta atinge a traseira de seu veículo.
Eu tomo a defesa do motorista: ele não viu a moto se aproximar. Presumo que vários dos leitores já passaram por situação semelhante, mas, caso você seja exceção e acredite que enxergaria a motocicleta, eu o convido a assistir a um vídeo que existe sobre isso. O filme prova quão difícil é perceber objetos que de repente somem ou aparecem em uma cena.
Nossa condição humana está casada com uma inabilidade de perceber certas mudanças. Claro que notamos muitas alterações à nossa volta, especialmente se olharmos para o ponto alvo da modificação no momento em que ela ocorrerá. Assim, se olharmos fixamente para uma janela cheia de vasos de flores, poderemos assistir à queda de um deles. Mas, se desviarmos brevemente nossos olhos da janela, justamente no momento do tombo, é possível que nem notemos a falta do enfeite. O fenômeno se chama cegueira para mudança: nossa incapacidade de visualizar variações do ambiente entre uma olhada e outra.
No mundo real, mudanças são geralmente antecedidas por uma série de movimentos. Se esses movimentos superam um limiar atrativo, vão capturar nossa atenção que focará na alteração considerada dominante. Por sua vez, modificações que não ultrapassam o limiar não provocarão divergência da atenção e serão ignoradas.
Quando abrimos nossos olhos, ficamos com a impressão de termos visão nítida, rica e bem detalhada do mundo que se estende por todo nosso campo visual. A consciência de nossa percepção não é limitada, mas nossa atenção e nossa memória de curtíssimo prazo são. Não somos capazes de memorizar tudo instantaneamente à nossa volta e nem podemos nos ater a tudo que nos cerca. Nossa introspecção da grandiosidade de nossa experiência visual confronta com nossas limitações perceptivas práticas e cria uma vivência rica, porém efêmera e sujeita a erros de interpretações. Dimensiona um gradiente entre o que é real e o que se presume, algo que favorece os acidentes de trânsito.
Podemos interpretar que o acidente do exemplo do início do texto se deu porque o motorista convergiu sua atenção às partes centrais da pista, por onde os carros preferencialmente circulam sob velocidade mais ou menos previsível. Assim que o último carro passou, ficou fácil pressupor que o centro da pista permaneceria vazio por um intervalo de tempo seguro para a travessia. As laterais da pista, locais em que motocicletas geralmente trafegam, não tiveram a atenção merecida, e a velocidade da moto não estava no padrão esperado.
O mundo aqui fora é um caos repleto de acontecimentos, e nossos cérebros têm que coletar e reter alguns deles para que possamos compreendê-lo e, assim, agirmos em busca da nossa sobrevivência. Mas essas informações são salpicadas, incompletas e mutáveis. Traçar uma linha que contextualize todos esses dados não é simples. Eventualmente, esse jogo mental de ligar pontinhos cria armadilha para nós mesmos, pois por vezes um ponto que deveria ser descartado é inserido em uma lógica apenas por ser chamativo. E outro, ao contrário, deveria ser considerado, mas é menosprezado, pois à primeira vista não atendeu a um pressuposto.
Essas interpretações podem provocar outras tragédias além de acidentes de carro.
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Lei anticanudo: engodo que não salvará os oceanos
Alexander Turra
A cidade de São Paulo, seguindo um movimento recente, está propondo uma lei proibindo a fabricação, comercialização e oferta de canudos plásticos. Essa onda, literalmente, é motivada pelo fato de os canudos estarem associados a imagens marcantes de degradação dos oceanos, problema que o banimento “pretende” solucionar.
De fato, canudos e outros itens de uso único têm sido questionados quanto ao antagonismo entre seu uso efêmero, muitas vezes virando resíduos após poucos minutos, e o longo tempo que permanecem no ambiente, dada sua baixa capacidade de degradação, porém grande capacidade de ser reciclado. Esses itens podem ser considerados uma conveniência inconveniente. Apesar da praticidade que proporcionam, aumentam a quantidade de resíduos destinados aos aterros e causam problemas ambientais quando descartados incorretamente.
Mas será que o banimento dos canudos é a solução para esses problemas, em especial para o lixo no mar? Essa política pública pode soar assertiva, mas esconde peculiaridades que não podem ser desconsideradas.
O banimento, diferentemente de campanhas de conscientização, não cria o nexo entre o não uso do canudo e seu eventual benefício ambiental. Um exemplo: após o banimento dos canudos na cidade do Rio de Janeiro, a água de coco passou a ser servida em copos plásticos igualmente de uso único.
É necessário educar a população para tomar decisões autônomas e ambientalmente adequadas, pois a escolha de usar ou não um canudo não é a única que ela terá que fazer. As campanhas contra os canudos, ainda que esse item seja icônico, podem ser inócuas. O combate ao lixo no mar deve promover uma discussão mais abrangente sobre as variadas fontes e as diferentes estratégias para combatê-lo, não somente banimento.
Ainda que qualquer redução da entrada de lixo no mar seja relevante, os canudos representam apenas 2,6% dos itens coletados em praias de São Paulo pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Uma das principais causas do lixo no mar é a ocupação irregular, problema socioambiental associado à pobreza, ordenamento territorial e falta de saneamento básico. Esse cenário afeta todo o território nacional, em especial a cidade de São Paulo.
O banimento baseia-se no pressuposto de que o canudo tem o ambiente como destino, não encontrando um sistema adequado de coleta e destinação de resíduos sólidos. Isso deveria ser garantido pelos municípios, com a coleta seletiva, a reciclagem e a economia circular, impedindo a contaminação ambiental.
Não é lógico investir no banimento dos canudos sem atuar de forma mais abrangente e sistêmica em três frentes para combater as principais fontes de lixo para o mar: educação ambiental, gestão de resíduos e ordenamento territorial. Por outro lado, caso o banimento dos canudos seja colocado em prática, deve-se cobrar coerência dos tomadores de decisão quanto a outros itens de uso único e efêmero que são mais abundantes nas ruas e no mar, como as bitucas de cigarro. Deve-se também proibir a produção, a venda e o uso de cigarros na cidade. Mas nesse caso a conveniência não parece ser conveniente, a coerência um tanto quanto incoerente e o banimento dos canudos uma cortina de fumaça aparente.
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Considere o trecho.
[...] problema que o banimento “pretende” solucionar.
As aspas foram empregadas para indicar
A (in)segurança pública e os reflexos na sociedade
José Ricardo Bandeira
A cada dia que passa os cidadãos das grandes cidades e capitais brasileiras são obrigados a conviver com a explosão de violência e criminalidade que assola o país. Balas perdidas, arrastões, roubos e homicídios já não são surpresas em uma nação que tem a incrível taxa de mais de 60 mil assassinatos por ano.
E, nessa esteira de violência, muitos políticos são eleitos. Infelizmente, exploram a bandeira da repressão — a exemplo das últimas eleições — com um discurso muitas vezes demagógico e sem profundidade. Falam coisas que o cidadão cansado e acuado espera ouvir. Mas, assim como os anteriores, repetem as mesmas práticas de combate à criminalidade, que, por evidentes razões, não surtiram efeito.
A saber, nas últimas décadas, tornou-se prática obrigatória no Brasil combater a criminalidade por meio do enfrentamento policial em detrimento de muitas outras medidas racionais e científicas que poderiam trazer resultados sólidos.
Em uma caixa chamada segurança pública, onde existem diversas outras alternativas, a polícia é única e tão somente uma das ferramentas no combate à criminalidade.
Apenas para ilustrar como os nossos governantes priorizam o enfrentamento policial, a primeira grande operação no Brasil ocorreu no dia 21 de março de 1963 na “comunidade da favela”, hoje conhecida como morro da Providência, no Rio. Com o apoio de um helicóptero, cerca de 500 policiais cercaram a comunidade e fizeram 200 presos. Daí por diante, essa foi a política de segurança implementada por praticamente todos os governadores do Brasil.
Entretanto, ao priorizar o enfrentamento policial, os efeitos colaterais são inevitáveis. Há morte de inocentes, caos e transtornos nas grandes cidades e prejuízos ao comércio e turismo, além de graves sequelas psicológicas provocadas naqueles que vivenciam a violência diariamente.
A segurança pública é uma ciência e, como tal, deve ser tratada e conduzida. Logo, a forma mais eficiente de lidar com a violência nas grandes cidades é por meio de investimento em inteligência, impedindo que drogas, armas e munições cheguem às comunidades dominadas pelo tráfico de drogas e pelas organizações criminosas. Asfixia-se, assim, suas ações e corta-se seus recursos — sem drogas, armas e munições, o crime naturalmente sucumbe.
Todavia, nesse critério, o governo federal sempre foi o grande vilão da segurança pública, pois nunca impediu que drogas, armas e munições atravessassem fronteiras, percorressem estradas, portos e aeroportos e chegassem às comunidades.
Em paralelo à aplicação das medidas de inteligência, é necessário também um grande projeto de geração de emprego e renda em substituição ao dinheiro gerado pela narcoeconomia que circula nas comunidades. Infelizmente, enquanto tais medidas não forem implementadas, continuaremos a velha política de enfrentamento e com a triste classificação de termos a polícia que mais mata e que mais morre no mundo.
Disponível em:<https://www1.folha.uol.com.br>
Que benefício a educação superior traz à sociedade?
Thomaz Wood Jr.
A expansão da educação superior tem sido objeto de políticas públicas em todo o mundo. O senso comum, sustentado por pesquisas e evidências, associa educação a desenvolvimento. Gestores públicos vangloriam-se quando o porcentual da população jovem que atinge a universidade cresce. Quanto mais, melhor. O movimento envolve também a pós-graduação, com a multiplicação do número de mestrados e doutorados. Supõe-se que mais mestres e doutores ajudem a gerar mais conhecimento, patentes e riquezas.
A expansão da educação superior faz muita gente feliz: estudantes que almejam um futuro melhor, famílias que querem o bem para suas crias, professores felizes com a demanda crescente, gestores públicos orgulhosos de sua obra e até investidores, atraídos por gordas margens de lucro, no caso de algumas universidades privadas. Entretanto, por trás da fachada, a realidade tem mais espinhos do que flores.
Pressionados a expandir o atendimento, os sistemas públicos experimentam sinais de deterioração e perda de qualidade. Alguns deles se converteram em arenas políticas de governança impraticável, nas quais grupos digladiam na disputa por pequenos espaços e vantagens. Enquanto isso, muitos sistemas privados se transformam em usinas de aulas, a gerar diplomas como quem produz commodities.
Em um ensaio de promoção de seu livro The Case Against Education: Why the Education System Is a Waste of Time and Money (Princeton University Press), Bryan Caplan, professor de Economia da Universidade George Mason, trata do tema. Em uma era que celebra o conhecimento, sua tese soa herética: para o economista, a verdadeira função da educação é simplesmente prover um certificado aos formandos. Em outras palavras, com honrosas exceções, pouco se aprende na universidade. O que importa é o diploma que dará acesso ao futuro emprego.
Para Caplan, o sistema de educação superior desperdiça tempo e dinheiro. O retorno para os indivíduos é substantivo: com o título vêm melhores salários. No entanto, o retorno para a sociedade é pífio. Segundo o autor, quanto mais se investe na educação superior, mais se estimula a corrida por títulos. E basta cruzar a linha de chegada: terminar a faculdade.
Nas universidades, estudantes passam anos debruçados sobre assuntos irrelevantes para sua vida profissional e para o mercado de trabalho. Qual o motivo para a falta de conexão entre o que é ensinado e o que será necessário? Simples: professores ensinam o que sabem, não o que é preciso ensinar. E muitos têm pouquíssima ideia do que se passa no mundo real.
Além disso, Caplan observa que os estudantes retêm muito pouco do que lhes é ensinado. De fato, seres humanos têm dificuldade para conservar conhecimentos que raramente usam. Alguns cursos proporcionam modos e meios para que os pupilos assimilem e exercitem novos conhecimentos. Contudo, a maioria falha em prover tais condições.
Curiosamente, o fato de os estudantes pouco aprenderem nos quatro ou cinco anos de universidade não é relevante. O que seus empregadores procuram é apenas uma credencial que ateste que o candidato seja inteligente, diligente e capaz de tolerar a rotina tediosa do trabalho. Para isso basta o título.
O autor não poupa críticas a estudantes, colegas e gestores. Os primeiros, para ele, são incultos e vulgares, incapazes de transpor conteúdos escolares para a vida real. Passam a maior parte do tempo na universidade como zumbis na frente de seus smartphones e em outras atividades destinadas a turvar a mente e o espírito.
Além disso, o crescimento da educação superior está levando para a universidade indivíduos sem características para serem universitários. Está atraindo para a pós-graduação profissionais sem o perfil para reflexão profunda e crítica. E está formando mestres e doutores que não têm talento ou inclinação para ensinar e pesquisar.
Inflar as vagas e criar mecanismos para facilitar o acesso à universidade pode parecer causa nobre. Alimenta os sonhos das classes ascendentes e produz casos de sucesso, sempre ao gosto da mídia popular. Entretanto, pode estar drenando recursos do ensino fundamental e vocacional, e da pesquisa de ponta.
A educação é, certamente, um grande meio de transformação social. Isso não significa despejar insensatamente recursos em simulacros de ensino e sistemas de emissão de títulos universitários.
Disponível em:<www.cartacapital.com.br>
Para Caplan, (1) o sistema de educação superior desperdiça tempo e dinheiro. O retorno para os indivíduos é substantivo: com o título vêm melhores salários. No entanto, (2) o retorno para a sociedade é pífio. Segundo o autor, (3) quanto mais se investe na educação superior, (4) mais se estimula a corrida por títulos. E basta cruzar a linha de chegada: terminar a faculdade.
Em acordo com as convenções da norma padrão, as vírgulas presentes no período são
Texto para o item
Em relação ao texto e a seus aspectos linguísticos, julgue o item .
Estaria mantida a correção gramatical do texto caso fosse inserida uma vírgula imediatamente após o termo “dia” (linha 23).
Por que os homens ainda demoram a pensar sobre a velhice?
Dra. Maisa Kairalla
Embora todos nós, homens e mulheres, tenhamos o potencial de viver a velhice como uma realidade e em sua plenitude, a grande maioria da ala masculina ainda evita pensar sobre “ser idoso” e, com isso, deixa de se preparar para alcançar a maturidade com qualidade de vida.
Na verdade, existe uma espécie de contradição. Os homens são considerados fisicamente mais fortes, no entanto, em termos de expectativa de vida, vivem menos que as mulheres. Podemos atribuir essa discrepância a fatores biológicos, sociais, psicológicos e comportamentais.
Estudos apontam que os membros do sexo masculino costumam pensar, de fato, na velhice após os 45 anos de idade e, ainda assim, como algo distante. Há um erro de timing aí se considerarmos que o organismo entra no processo de envelhecimento a partir dos 28 anos.
Mas por que será que a rapaziada empurra com a barriga esse olhar lá na frente? Podemos atribuir isso a questões como medo de que, com a idade, surjam doenças incapacitantes, que levem à perda de autonomia e independência. Também há o receio da solidão, de se tornar impotente e perder a virilidade, bem como do temor da morte.
Todos esses pontos tornam a relação entre o homem com a saúde e a sobrevivência um tanto complexa. E ajudam a entender inclusive a resistência de parte da ala masculina a mudar alguns hábitos e a tendência a se esquivar dos cuidados preventivos.
Diferentemente de nós, mulheres, acostumadas ao acompanhamento médico (ao menos com o ginecologista), boa parcela dos homens não costuma ter o monitoramento e a orientação do profissional de saúde – algo que deveria se estender da infância, passar pela adolescência e continuar na vida adulta. Existe, a meu ver, uma crença de que, enquanto eles estão trabalhando e são produtivos, não há razão ou tempo para se preocupar.
Ora, não se trata de procurar pelo em ovo, como diz a sabedoria popular, mas de manter um acompanhamento que, aliado a hábitos saudáveis, reduz (e muito!) o risco de doenças. Doenças que, em última instância, vão comprometer o envelhecimento.
Além disso, há uma questão, digamos, mais cultural e geracional que explica esse comportamento fugitivo do homem em relação à saúde e à velhice. Muitos cidadãos que hoje estão na casa dos 60 anos ou mais aprenderam que “os homens são mais fortes que as mulheres”, no sentido de serem mais ativos e provedores. Essa concepção faz com que construam uma imagem de que não correm riscos, são praticamente indestrutíveis.
Sabemos, no entanto, que, nas últimas décadas, temos vivido mudanças notórias na sociedade que ajudam a romper esse paradigma das diferenças entre homens e mulheres. É provável que os idosos do futuro superem essa visão e tragam um novo olhar inclusive sobre o envelhecimento. Ao derrubar preconceitos e estigmas (de gênero e de qualquer outra ordem), conseguimos utilizar melhor o conhecimento e as ferramentas de prevenção. E, como consequência, envelhecemos melhor.
Disponível em:<https://saude.abril.com.br>
Muitos cidadãos que hoje estão na casa dos 60 anos ou mais aprenderam que “os homens são mais fortes que as mulheres”, no sentido de serem mais ativos e provedores.
As aspas foram utilizadas para demarcar
A respeito dos aspectos linguísticos do texto CB1A1-II, julgue o item subsecutivo.
Sem prejuízo para a correção gramatical do texto, as vírgulas
que isolam a oração “que hoje se consideram constitutivas da
nacionalidade” (l. 17 e 18) poderiam ser suprimidas.
I. O travessão que antecede o segmento não o que desejamos que os outros pensem que somos (5º parágrafo) pode ser substituído por vírgula, sem prejuízo da correção. II. Sem prejuízo da correção e do sentido, uma vírgula pode ser inserida imediatamente após o termo “expectativas” no segmento: Não existiam expectativas de que uma porção significativa da vida transcorresse distante dos olhares alheios (1º parágrafo). III. O travessão que antecede o segmento a transformação de nossos dados pessoais em mercadoria por gigantes da tecnologia (4º parágrafo) pode ser substituído por dois-pontos, sem prejuízo da correção.
Está correto o que se afirma APENAS em:
A democracia opera milagres
§ 1º Com atraso de cinco dias, comemoro o 45º aniversário da Revolução dos Cravos, o movimento que devolveu Portugal à democracia.
§ 2º Comemoro porque Portugal talvez seja o melhor exemplo de como a democracia faz bem à saúde, à saúde do país e das pessoas.
§ 3º Portugal ganhou não só as deliciosas liberdades públicas associadas à democracia como, depois de algum tempo, viu o fim de uma guerra colonial fora de época.
§ 4º Natural, pois, que o 25 de abril tenha sido um tremendo porre cívico, uma festa inesquecível. Reproduzo trecho de um texto meu da época, que relatava a comemoração do 1º de maio, uma semana depois da queda da ditadura:
§ 5º “O primeiro cartaz que vi, com letras improvisadas em um retângulo de isopor, avisava: ‘A poesia está nas ruas’. A poesia saiu às ruas logo cedo: cada automóvel que desfilava por Lisboa levava flores. Às vezes, apenas uma. Às vezes, um ‘V’ floral, geralmente arranjado nas cores vermelha e verde da bandeira. Às vezes, as flores eram tantas que os carros mais pareciam canteiros com rodas, a soar sincopadamente as buzinas para repetir o slogan de todos: ‘O povo unido jamais será vencido’.”
§ 6º A democracia, um bem em si mesmo, pelo menos para meu gosto, veio acompanhada de um bônus, no caso de Portugal: a possibilidade de aceder à então Comunidade Econômica Europeia (hoje União Europeia). Ditaduras não são aceitas no clube. E fazer parte dele abriu as portas para a prosperidade.
§ 7º Que o digam os próprios portugueses: o mais recente Eurobarômetro informa que 69% deles dizem que pertencer à UE é uma coisa boa.
§ 8º Note-se que esse resultado vem na sequência de um período duro, de austeridade, recessão e desemprego (sim, democracia também tem percalços, como qualquer outro regime).
§ 9º É natural esse europeísmo de raiz, em uma época em que a Europa navega águas turbulentas: o crescimento econômico de Portugal em 2018 foi de 2,1%, acima da média da eurozona de 1,8%. O desemprego, que, durante a crise passara de 8% para 18%, está hoje abaixo de 7% (6,7%, exatamente).
§ 10. É natural, pois, que o austero Financial Times — adorador dos modelos ortodoxos — tenha, na semana passada, apontado Portugal como exemplo de sucesso com sua fórmula heterodoxa de saída da austeridade.
§ 11. Qual é a fórmula? “Mostramos que é possível aumentar a renda, dar impulso ao investimento privado, cortar o desemprego e, ainda assim, ter finanças públicas saudáveis”, canta António Costa, o primeiro-ministro.
§ 12. Trata-se de um raro socialista no poder em uma Europa que vinha caminhando para a direita até a vitória dos socialistas no domingo (28) na Espanha. Costa chegou ao governo (24/11/2015) com um déficit público de 4,4%. Reduziu-o a 0,5% no ano passado e pode zerá-lo em 2019, pela primeira vez em 40 anos. Ou seja, há números positivos para a direita, para a esquerda e, naturalmente, para o centro.
§ 13. Invejável, não? Não é à toa que Valdemar Cruz, jornalista do “Expresso”, tenha escrito a propósito do 25 de abril: “Sem abril, jamais seríamos o país que somos. Com todas as suas fragilidades. Com todas as suas grandezas. 25 de Abril foi ontem. 25 de Abril é hoje. 25 de Abril será sempre”.
§ 14. Como é possível que ainda haja quem louve ditaduras?
ROSSI, Clóvis. Folha de S. Paulo, 30 abr. 2019.
Texto 1
Como ler os clássicos?
§ 1º Em recente artigo para o jornal The New York Times, o novelista Brian Morton compara a leitura dos grandes escritores do passado a uma viagem no tempo, na qual o aventureiro deve mover-se com cautela, sem jamais tentar impor os seus costumes aos nativos de um longínquo período da história, cujas práticas não correspondem às nossas.
§ 2º Segundo o autor, isso não quer dizer que escritores antigos estejam imunes à crítica contemporânea, como se a autoridade do cânone em relação à crítica seguisse um critério de mérito por antiguidade, a partir do qual um texto deva ser protegido a qualquer custo — pelo simples fato de ter sobrevivido às mais diversas provas de resistência ao tempo.
§ 3º Ora, por mais antigo que seja, nenhum texto está isento de reinterpretações e críticas. Exemplo disso é o que nos propõe o estudioso Harold Bloom em “O Livro de J”, em que discorre sobre a possibilidade de alguns trechos do Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia) terem sido compostos por uma mulher.
§ 4º Assim, Morton recomenda que a crítica não se antecipe ao bom exercício da leitura. Algo raro nos dias de hoje, em que muitas vezes se opta por boicotar certas obras antes mesmo de confrontá-las por méritos artísticos específicos e prováveis limitações de fundo ético. Exemplo disso são seus estudantes que evitam a leitura de Edith Wharton (autora de “A Casa da Alegria”) e Dostoiévski, sob o pretexto de que qualquer suspeita de antissemitismo deveria ser banida da literatura.
§ 5º Ao referir-se a esse problema, Morton argumenta que, embora a crescente oposição dos estudantes seja alimentada por uma genuína sede de justiça social, a sobrevivência dos clássicos em departamentos de literatura não seria motivada pela pulsão reacionária de velhos professores, mas pela necessidade de compreendermos o terreno em que a criatividade humana se manifesta em um dado contexto histórico e cultural.
§ 6º Não há dúvidas de que as grandes vozes literárias do passado tenham uma visão de mundo limitada por preconceitos de época. Dessa queixa nem mesmo o mais precavido dos nossos contemporâneos conseguiria se safar! Afinal, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche já declarava ser inevitável que todos os grandes espíritos estivessem ligados aos seus tempos por meio de algum preconceito.
§ 7º Mesmo assim, Morton ressalta que ainda temos muito a ganhar com a cuidadosa leitura desses textos que hoje são tidos por controversos. Segundo o autor, esse ganho se traduziria em um exercício de humildade a partir do qual o exame de um passado literário nos tornaria capazes de refletir sobre as limitações das práticas artísticas e dos costumes morais da nossa própria época.
§ 8º Em um diálogo de 2017 com o psicólogo Jordan Peterson, Camille Paglia faz uma observação complementar ao ressaltar que um texto não resiste ao tempo por imposição de uma elite cultural, mas por meio do seu constante uso pela tradição, enquanto referência à prática literária corrente. Ou seja, aquilo que nós consideramos grande arte é determinado pelas necessidades dos próprios artistas.
§ 9º Ao adotar-se o raciocínio de Paglia, chega-se à conclusão de que a permanência de autores como Homero e Shakespeare no cânone literário não seria consequência de uma conspiração do poder político e acadêmico para privilegiar determinados escritores em detrimento de outros. Isso decorre, portanto, da vitalidade das suas influências ao longo da história.
§ 10. Homero é um dos autores mais relevantes do cânone pelo fato de suas criações servirem de inspiração para escritores outros de épocas diversas. Desde os dramaturgos da antiga Grécia — como Ésquilo, que disse que suas peças não passavam de migalhas do banquete homérico — e Virgílio, o romano, até escritores modernos como o poeta e historiador britânico Robert Graves, autor de “A Filha de Homero”, e a escritora canadense Margaret Atwood com o seu “The Penelopiad”.
§ 11. Da mesma forma, Shakespeare teria influenciado outros escritores desde o seu advento, passando pelo teatro alemão do século 18 — por exemplo, tragédias históricas como “Götz von Berlichingen” e “Egmont” de Goethe — até o cinema japonês do século 20, em filmes do diretor Akira Kurosawa — tanto “Trono Manchado de Sangue” como “Ran”, cujos roteiros são adaptações dos dramas “Macbeth” e “Rei Lear”.
§ 12. Compreender essa teia de influências e associações é uma das tarefas mais difíceis do professor e crítico literário, cuja função mais ampla é a de oferecer ao público uma chave de leitura que seja simultaneamente plausível e criativa, sem que para isso tenha a necessidade de extrapolar os limites de uma obra — ora atribuindo ao texto características inexistentes, ora interpretações anacrônicas —, como se a própria obra e o seu contexto histórico não fossem capazes de despertar a fome literária do leitor.
§ 13. Desde o começo do meu doutorado, reflito sobre a melhor forma de ler e ensinar os clássicos da literatura alemã. Assim, durante o período em que me dedico aos alunos, como nas horas em que desenvolvo a minha tese, busco aplicar uma síntese das duas estratégias abordadas neste pequeno ensaio, quais sejam: a reconstrução de um contexto histórico específico na tentativa de emprestar uma ordem ao emaranhado de influências artísticas e filosóficas necessárias para o entendimento de autores como Goethe.
§ 14. Nesse afã, dedico a maior parte das minhas horas de estudo à versão de Goethe de “Ifigênia em Táuris”. Exercício em que procuro entender o contexto histórico de cada uma das versões dessa tragédia, ao mesmo tempo em que traço uma narrativa mais ampla sobre a recepção do texto original de Eurípides na Alemanha do século 18.
§ 15. Contudo, atento aos detalhes da versão de Goethe, que se distancia tanto do texto euripidiano como de outras versões da época, buscando ressaltar as qualidades morais atribuídas à protagonista, cujas atitudes revelam um importante questionamento sobre a relação entre gênero e autonomia na obra do escritor alemão.
§ 16. Goethe é um dos muitos autores clássicos arbitrariamente criticados pelas suas representações do feminino. No entanto, quanto mais tempo dedico ao estudo da sua obra, mais noto que determinadas críticas não fazem o menor sentido.
§ 17. Isso prova que, muitas vezes, a reputação de um escritor canônico entre os nossos contemporâneos apenas revela a inabilidade de nossa época em reconhecer os raros, porém eficientes, esforços do passado na promoção das liberdades que hoje consagramos.
§ 18. Não se trata de uma simples coincidência que Goethe tenha sido uma importante referência literária para a escritora George Eliot, autora de “Middlemarch”, ou que Elena Ferrante, na atualidade, tome uma citação de “Fausto” como a epígrafe de “A Amiga Genial”, o primeiro dos quatro volumes da ilustre série napolitana — uma espécie de “bildungsroman” (romance de formação ou amadurecimento) para os nossos tempos, sobre a busca de duas amigas por autoconhecimento e liberdade!
ALBURQUEQUE, Juliana de. Folha de S. Paulo, 26 mar. 2019.
Texto 1
Como ler os clássicos?
§ 1º Em recente artigo para o jornal The New York Times, o novelista Brian Morton compara a leitura dos grandes escritores do passado a uma viagem no tempo, na qual o aventureiro deve mover-se com cautela, sem jamais tentar impor os seus costumes aos nativos de um longínquo período da história, cujas práticas não correspondem às nossas.
§ 2º Segundo o autor, isso não quer dizer que escritores antigos estejam imunes à crítica contemporânea, como se a autoridade do cânone em relação à crítica seguisse um critério de mérito por antiguidade, a partir do qual um texto deva ser protegido a qualquer custo — pelo simples fato de ter sobrevivido às mais diversas provas de resistência ao tempo.
§ 3º Ora, por mais antigo que seja, nenhum texto está isento de reinterpretações e críticas. Exemplo disso é o que nos propõe o estudioso Harold Bloom em “O Livro de J”, em que discorre sobre a possibilidade de alguns trechos do Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia) terem sido compostos por uma mulher.
§ 4º Assim, Morton recomenda que a crítica não se antecipe ao bom exercício da leitura. Algo raro nos dias de hoje, em que muitas vezes se opta por boicotar certas obras antes mesmo de confrontá-las por méritos artísticos específicos e prováveis limitações de fundo ético. Exemplo disso são seus estudantes que evitam a leitura de Edith Wharton (autora de “A Casa da Alegria”) e Dostoiévski, sob o pretexto de que qualquer suspeita de antissemitismo deveria ser banida da literatura.
§ 5º Ao referir-se a esse problema, Morton argumenta que, embora a crescente oposição dos estudantes seja alimentada por uma genuína sede de justiça social, a sobrevivência dos clássicos em departamentos de literatura não seria motivada pela pulsão reacionária de velhos professores, mas pela necessidade de compreendermos o terreno em que a criatividade humana se manifesta em um dado contexto histórico e cultural.
§ 6º Não há dúvidas de que as grandes vozes literárias do passado tenham uma visão de mundo limitada por preconceitos de época. Dessa queixa nem mesmo o mais precavido dos nossos contemporâneos conseguiria se safar! Afinal, o filósofo alemão Friedrich Nietzsche já declarava ser inevitável que todos os grandes espíritos estivessem ligados aos seus tempos por meio de algum preconceito.
§ 7º Mesmo assim, Morton ressalta que ainda temos muito a ganhar com a cuidadosa leitura desses textos que hoje são tidos por controversos. Segundo o autor, esse ganho se traduziria em um exercício de humildade a partir do qual o exame de um passado literário nos tornaria capazes de refletir sobre as limitações das práticas artísticas e dos costumes morais da nossa própria época.
§ 8º Em um diálogo de 2017 com o psicólogo Jordan Peterson, Camille Paglia faz uma observação complementar ao ressaltar que um texto não resiste ao tempo por imposição de uma elite cultural, mas por meio do seu constante uso pela tradição, enquanto referência à prática literária corrente. Ou seja, aquilo que nós consideramos grande arte é determinado pelas necessidades dos próprios artistas.
§ 9º Ao adotar-se o raciocínio de Paglia, chega-se à conclusão de que a permanência de autores como Homero e Shakespeare no cânone literário não seria consequência de uma conspiração do poder político e acadêmico para privilegiar determinados escritores em detrimento de outros. Isso decorre, portanto, da vitalidade das suas influências ao longo da história.
§ 10. Homero é um dos autores mais relevantes do cânone pelo fato de suas criações servirem de inspiração para escritores outros de épocas diversas. Desde os dramaturgos da antiga Grécia — como Ésquilo, que disse que suas peças não passavam de migalhas do banquete homérico — e Virgílio, o romano, até escritores modernos como o poeta e historiador britânico Robert Graves, autor de “A Filha de Homero”, e a escritora canadense Margaret Atwood com o seu “The Penelopiad”.
§ 11. Da mesma forma, Shakespeare teria influenciado outros escritores desde o seu advento, passando pelo teatro alemão do século 18 — por exemplo, tragédias históricas como “Götz von Berlichingen” e “Egmont” de Goethe — até o cinema japonês do século 20, em filmes do diretor Akira Kurosawa — tanto “Trono Manchado de Sangue” como “Ran”, cujos roteiros são adaptações dos dramas “Macbeth” e “Rei Lear”.
§ 12. Compreender essa teia de influências e associações é uma das tarefas mais difíceis do professor e crítico literário, cuja função mais ampla é a de oferecer ao público uma chave de leitura que seja simultaneamente plausível e criativa, sem que para isso tenha a necessidade de extrapolar os limites de uma obra — ora atribuindo ao texto características inexistentes, ora interpretações anacrônicas —, como se a própria obra e o seu contexto histórico não fossem capazes de despertar a fome literária do leitor.
§ 13. Desde o começo do meu doutorado, reflito sobre a melhor forma de ler e ensinar os clássicos da literatura alemã. Assim, durante o período em que me dedico aos alunos, como nas horas em que desenvolvo a minha tese, busco aplicar uma síntese das duas estratégias abordadas neste pequeno ensaio, quais sejam: a reconstrução de um contexto histórico específico na tentativa de emprestar uma ordem ao emaranhado de influências artísticas e filosóficas necessárias para o entendimento de autores como Goethe.
§ 14. Nesse afã, dedico a maior parte das minhas horas de estudo à versão de Goethe de “Ifigênia em Táuris”. Exercício em que procuro entender o contexto histórico de cada uma das versões dessa tragédia, ao mesmo tempo em que traço uma narrativa mais ampla sobre a recepção do texto original de Eurípides na Alemanha do século 18.
§ 15. Contudo, atento aos detalhes da versão de Goethe, que se distancia tanto do texto euripidiano como de outras versões da época, buscando ressaltar as qualidades morais atribuídas à protagonista, cujas atitudes revelam um importante questionamento sobre a relação entre gênero e autonomia na obra do escritor alemão.
§ 16. Goethe é um dos muitos autores clássicos arbitrariamente criticados pelas suas representações do feminino. No entanto, quanto mais tempo dedico ao estudo da sua obra, mais noto que determinadas críticas não fazem o menor sentido.
§ 17. Isso prova que, muitas vezes, a reputação de um escritor canônico entre os nossos contemporâneos apenas revela a inabilidade de nossa época em reconhecer os raros, porém eficientes, esforços do passado na promoção das liberdades que hoje consagramos.
§ 18. Não se trata de uma simples coincidência que Goethe tenha sido uma importante referência literária para a escritora George Eliot, autora de “Middlemarch”, ou que Elena Ferrante, na atualidade, tome uma citação de “Fausto” como a epígrafe de “A Amiga Genial”, o primeiro dos quatro volumes da ilustre série napolitana — uma espécie de “bildungsroman” (romance de formação ou amadurecimento) para os nossos tempos, sobre a busca de duas amigas por autoconhecimento e liberdade!
ALBURQUEQUE, Juliana de. Folha de S. Paulo, 26 mar. 2019.
TEXTO: Ecologia integral
A ecologia integral parte de uma nova visão da Terra. É a visão inaugurada pelos astronautas a partir dos anos 60 quando se lançaram os primeiros foguetes tripulados. Eles veem a Terra de fora da Terra. De lá, de sua nave espacial ou da Lua, como testemunharam vários deles, a Terra aparece como resplandecente planeta azul e branco que cabe na palma da mão e que pode ser escondido pelo polegar humano.
Daquela perspectiva, Terra e seres humanos emergem como uma única entidade. O ser humano é a própria Terra enquanto sente, pensa, ama, chora e venera. A Terra emerge como o terceiro planeta de um Sol que é apenas um entre 100 bilhões de outros de nossa galáxia, que, por sua vez, é uma entre 100 bilhões de outras do universo, universo que, possivelmente, é apenas um entre outros milhões paralelos e diversos do nosso. E tudo caminhou com tal calibragem que permitiu a nossa existência aqui e agora. Caso contrário não estaríamos aqui. Os cosmólogos, vindos da astrofísica, da física quântica, da biologia molecular, numa palavra, das ciências da Terra, nos advertem de que o inteiro universo se encontra em cosmogênese. Isto significa: ele está em gênese, se constituindo e nascendo, formando um sistema aberto, sempre capaz de novas aquisições e novas expressões. Portanto ninguém está pronto. Por isso, temos que ter paciência com o processo global, uns com os outros e também conosco mesmo, pois nós, humanos, estamos igualmente em processo de antropogênese, de constituição e de nascimento.
Três grandes emergências ocorrem na cosmogênese e antropogênese: (1) a complexidade/diferenciação, (2) a auto-organização/consciência e (3) a religação/ relação de tudo com tudo. A partir de seu primeiro momento, após o Big-Bang, a evolução está criando mais e mais seres diferentes e complexos (1). Quanto mais complexos mais se auto-organizam, mais mostram interioridade e possuem mais e mais níveis de consciência (2) até chegarem à consciência reflexa no ser humano. O universo, pois, como um todo possui uma profundidade espiritual. Para estar no ser humano, o espírito estava antes no universo. Agora ele emerge em nós na forma da consciência reflexa e da amorização. E, quanto mais complexo e consciente, mais se relaciona e se religa (3) com todas as coisas, fazendo com que o universo seja realmente uni-verso, uma totalidade orgânica, dinâmica, diversa, tensa e harmônica, um cosmos e não um caos.
As quatro interações existentes, a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte constituem os princípios diretores do universo, de todos os seres, também dos seres humanos. A galáxia mais distante se encontra sob a ação destas quatro energias primordiais, bem como a formiga que caminha sobre minha mesa e os neurônios do cérebro humano com os quais faço estas reflexões. Tudo se mantém religado num equilíbrio dinâmico, aberto, passando pelo caos que é sempre generativo, pois propicia um novo equilíbrio mais alto e complexo, desembocando numa ordem rica de novas potencialidades.
Leonardo Boff - adaptado http://leonardoboff.com/site/lboff.htm - acesso em 09/04/2013