Questões de Português - Pronomes pessoais oblíquos para Concurso
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O gol plagiado
“Jogador quer direito autoral sobre seus gols.”
Esporte, 20 jan. 2000
“Prezados senhores: dirigindo-se a V.Sa., refiro-me à notícia segundo a qual jogadores de futebol do Reino Unido, como Michael Owen e Ryan Giggs, querem receber autorais pela exibição de seus gols na mídia. Não tenho o status desses senhores – sou apenas um brasileiro que bate a sua bolinha nos fins de semana – mas desejo fazer uma grave denúncia: um dos jogadores citados (oportunamente divulgarei o nome) simplesmente plagiou um gol feito por mim.
Provas? Basta comparar os tapes dos referidos gols. No meu caso, trata-se de um trabalho amador – foi feito por meu filho, de dez anos – mas mesmo assim é bastante nítido. Vê-se que, como eu, o referido jogador estava num campo de futebol. Nos dois casos, a partida estava sendo disputada por times de 11 jogadores cada um. Nos dois casos havia uma bola, havia goleiros. Nos dois casos havia um juiz. No meu caso, um juiz usando bermudões e chinelos – mas juiz, de qualquer maneira.
Isto, quanto aos aspectos gerais. Vamos agora aos detalhes. No vídeo do jogador inglês, mostrado no mundo inteiro, vê-se que ele pega a bola na grande área, domina-a, livra-se de um adversário e chuta no canto esquerdo, marcando, é forçoso admitir, um belo tento, um gol que faz jus aos direitos autorais. No meu vídeo – feito uma semana antes, é importante que se diga –, vê-se que eu pego a bola na grande área, que a domino, que livro-me de um adversário e que chuto forte no canto esquerdo, marcando um belo tento.
Conclusão: o jogador inglês me plagiou. Quero, portanto, metade do que ele receber a título de direitos autorais. Se não for atendido em minha reivindicação levarei a questão a juízo. Estou seguro de que ganharei. Além do vídeo, conto com uma testemunha: o meu filho. Ele viu o jogo do começo ao fim e pode depor a meu favor. É pena não ter mais testemunhas, mas, infelizmente, ele foi o único espectador desse jogo. E irá comigo demandar justiça contra o plágio.”
(SCLIAR, Moacyr. O imaginário cotidiano. São Paulo, Global, 2013, p. 55)
Sem privacidade
Ainda é possível ter privacidade em meio a celulares, redes sociais e dispositivos outros das mais variadas conexões? Os mais velhos devem se lembrar do tempo em que era feio “ouvir conversa alheia”. Hoje é impossível transitar por qualquer espaço público sem recolher informações pessoais de todo mundo. Viajando de ônibus, por exemplo, acompanham-se em conversas ao celular brigas de casal, reclamações trabalhistas, queixas de pais a filhos e vice-versa, declarações românticas, acordo de negócios, informações técnicas, transmissão de dados e um sem-número de situações de que se é testemunha compulsória. Em clara e alta voz, lances da vida alheia se expõem aos nossos ouvidos, desfazendo-se por completo a fronteira que outrora distinguia entre a intimidade e a mais aberta exposição.
Nas redes sociais, emoções destemperadas convivem com confissões perturbadoras, o humor de mau gosto disputa espaço com falácias políticas – tudo deixando ver que agora o sujeito só pode existir na medida em que proclama para o mundo inteiro seu gosto, sua opinião, seu juízo, sua reação emotiva. É como se todos se obrigassem a deixar bem claro para o resto da humanidade o sentido de sua existência, seu propósito no mundo. A discrição, a fala contida, o recolhimento íntimo parecem fazer parte de uma civilização extinta, de quando fazia sentido proteger os limites da própria individualidade.
Em meio a tais processos da irrestrita divulgação da personalidade, as reticências, a reflexão silenciosa e o olhar contemplativo surgem como sintomas problemáticos de alienação. Impõe-se um tipo de coletivismo no qual todos se obrigam a se falar, na esperança de que sejam ouvidos por todos. Nesse imenso ruído social, a reclamação por privacidade é recebida como o mais condenável egoísmo. Pretender identificar-se como um sujeito singular passou a soar como uma provocação escandalosa, em tempos de celebração do paradigma público da informação.
(Jeremias Tancredo Paz, inédito)
Perdeu-se a antiga privacidade, enterramos a antiga privacidade sob os conectores modernos, tornamos esses conectores modernos nossos deuses implacáveis, sob o comando desses conectores modernos trocamos escandalosamente todas as informações mais pessoais.
Evitam-se as viciosas repetições do período acima substituindo-se os elementos sublinhados, na ordem dada, por:
Considere as sentenças abaixo.
I - O infrator prefere pagar a multa a perder o documento de habilitação .
II - Anotou os dados de quem presenciou o crime.
III- O relatório comunica as demandas aos gestores.
Se substituíssemos as palavras sublinhadas por pronomes oblíquos, qual das alternativas apresentaria todas as sentenças gramaticalmente corretas?
Já tive muitas capas e infinitos guarda-chuvas, mas acabei me cansando de tê-los e perdê-los; há anos vivo sem nenhum desses abrigos, e também, como toda gente, sem chapéu. Tenho apanhado muita chuva, dado muita corrida, me plantado debaixo de muita marquise, mas resistido.
Ontem, porém, choveu demais, e eu precisava ir a três pontos diferentes do bairro. Pedi ao moço de recados, quando veio apanhar a crônica para o jornal, que me comprasse um chapéu-de-chuva que não fosse vagabundo demais, mas também não muito caro. Ele me comprou um de pouco mais de trezentos cruzeiros.
Depois de cumprir meus afazeres voltei para casa, pendurei o guarda-chuva a um canto e me pus a contemplá-lo. Senti então uma certa simpatia por ele; meu velho rancor contra os guarda-chuvas cedeu a um estranho carinho, e eu mesmo fiquei curioso de saber qual a origem desse carinho.
Pensando bem, ele talvez derive do fato de ser o guarda-chuva o objeto do mundo moderno mais infenso a mudanças. Sou apenas um quarentão, e praticamente nenhum objeto de minha infância existe mais em sua forma primitiva.
O guarda-chuva tem resistido. Suas irmãs, as sombrinhas, já se entregaram aos piores desregramentos futuristas e tanto abusaram que até caíram de moda. Ele permaneceu austero, negro, com seu cabo e suas invariáveis varetas.
Reparem que é um dos engenhos mais curiosos que o homem já inventou; tem ao mesmo tempo algo de ridículo e algo de fúnebre, essa pequena barraca ambulante.
Já na minha infância era um objeto de ares antiquados, que parecia vindo de épocas remotas, e uma de suas características era ser muito usado em enterros. Por outro lado, esse grande acompanhador de defuntos sempre teve, apesar de seu feitio grave, o costume leviano de se perder, de sumir, de mudar de dono. Ele na verdade só é fiel a seus amigos cem por cento, que com ele saem todo dia, faça chuva ou sol, apesar dos motejos alheios; a estes, respeita. O freguês vulgar e ocasional, este o irrita, e ele se aproveita da primeira distração para sumir.
(Adaptado de: BRAGA, Rubem. Coisas antigas. In: 200 Crônicas escolhidas. 13. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998, p.217-9)
Muitos duvidam da existência do amor. Muitos afirmam ser ele uma invenção da literatura. Outros, que se trata de uma projeção neurótica imaginária. Uma patologia da família das manias. Há quem suspeite de que seja uma doença da alma. Estão errados.
Quem conhece o amor sabe que ele habita entre nós. E sua presença nos faz sentir vivos. Por isso, o ressentimento é cego ao amor.
A falta de amor na vida produz um certo ceticismo em relação ao mundo. Ou pior: o sentimento de inexistência.
Um dos pecados maiores da inteligência é chegar à conclusão de que o amor é uma ficção. Muitas vezes, pessoas supostamente inteligentes consideram o amor algo ingênuo e pueril.
A desconfiança se acha a mais completa das virtudes morais ou cognitivas. A armadilha de quem desconfia sempre é que ele mesmo se sente inexistente para o mundo porque este é sempre visto com desprezo.
Outra suposta arma contra o amor é a hipocrisia. A hipótese de a hipocrisia ser a substância da moral pública parece que inviabiliza o amor por conta de sua cegueira para com esta hipocrisia mesma. É verdade: o amor não vê a hipocrisia. Søren Kierkegaard (1813-1855) diz que há um "abismo escancarado" entre eles.
O amor é concreto como o dia a dia. Engana-se quem considera o amor abstrato e fantasioso. Kierkegaard nos lembra que o amor só se conhece pelos frutos. Isso implica que não há propriamente uma percepção do amor que não seja prática. O gosto do amor é a confiança nas coisas que ele dá a quem o experimenta.
(Adaptado de: PONDÉ, Luiz Felipe Disponível em: www.folha.uol.com.br)