Questões de Português - Pronomes pessoais oblíquos para Concurso
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2 Um quarteirão adiante, a sede mundial de um dos ícones da moda, instalada em um palácio renascentista, garante a autenticidade de sua marca, símbolo de elegância e nobreza. O palácio é frequentado por poucos. A ponte é um formigueiro humano. Verdadeira ou falsa, todos usam a mesma marca.
3 A publicidade associa uma bolsa a um estilo de vida como se dentro dela viessem a felicidade e o refinamento. Quem não tem acesso ao produto verdadeiro compra na calçada, ao preço do camelô, a ilusão de uma vida que não tem e não terá, mas encena como real. Assim é se lhe parece.
4 Uma celebridade vende a peso de ouro sua imagem para associar seu nome a uma determinada marca. Marcas famosas não precisam produzir beleza ou qualidade. O que elas produzem passa a ser o padrão de beleza e qualidade. Seu valor é simbólico, muito mais do que real. Símbolos cobiçados mesmo sabendo tratar-se de uma contrafação. Mas um dia o feitiço se volta contra o feiticeiro.
5 Anders Breivik, assassino de jovens na Noruega, sinistra celebridade pela carnificina que provocou, ostenta orgulhoso as camisas de renomada marca. No manifesto psicótico que lançou na rede sugere que gente refinada como ele deveria vestir-se assim. Sem arrependimentos, apresenta-se como padrão de elegância. A tentativa da empresa dona da marca de impedi-lo de vestir sua camisa fracassou. Na Noruega, o tratamento dado aos presos, por mais repugnante que tenha sido o crime, é respeitoso. Desastrosa reversão de expectativas, uma anti-propaganda de alcance mundial.
6 Os promotores de marcas famosas sabem − e é a chave do seu sucesso − que as necessidades têm limites, mas os desejos, não. Não previram que assassinos, corruptos, mafiosos, cada vez mais numerosos e milionários, se enfeitariam com suas grifes na tentativa de ascender a uma suposta elite. Agora a publicidade terá que rever suas estratégias e proteger as marcas desvinculando-as de rostos − que ninguém sabe o que farão −, renunciando à sua vocação de vendedora de sonhos e aproximando-se do mundo real, terreno mais seguro e convincente.
(OLIVEIRA, Rosiska Darcy de. O Globo: 17/09/2011.)
Complexo de vira-lata 2.0
Nelson Rodrigues chamou de complexo de vira-lata a inferioridade que o brasileiro voluntariamente se impõe perante o resto do mundo. Para o cronista, esse complexo teria sido superado com o título mundial de 1958. Isso ao menos entre as quatro linhas, onde construímos um futebol único e nos tornamos os maiores e os melhores.
Tínhamos o patrimônio do futebol-arte, remédio para qualquer problema de autoestima. Mas sofremos um duro golpe narcísico com uma nova derrota em casa na última Copa. O “futebol-totem”, a verdade em torno da qual nos aglutinávamos reforçando uma identidade nacional, ruiu. Ainda somos os melhores?
É como se andássemos carregando uma coroa oxidada. No íntimo ferido, a necessidade da autoafirmação, “somos os melhores”. Ao mesmo tempo, na superfície, a mágoa e o rancor ao nos afirmarmos profundamente inferiores.
Aprisionados nessa conflituosa ambiguidade, inferiorizar o futebol brasileiro parece ser o mote das críticas e cobranças de boa parte da mídia. Carecendo de novas verdades, “profetas” anunciam caminhos, vendem verdades que pouco servem à evolução de nosso futebol. Aplaudem mais as medidas e o futebol de outros países, como se o autoelogio ou o reconhecimento do Brasil fosse uma espécie de tabu.
É verdade que a globalização misturou estilos e fez o futebol crescer pelo mundo. Devemos ver o que de bom é produzido lá fora e descobrir como podemos aproveitar. Mas o aplauso ao outro, por vezes, não soa simplesmente como a admiração ao belo e ao sublime produzido no futebol. No fundo, para o narciso ferido, aponta para uma falta, como se a afirmação do outro fosse a sua própria negação. Retomamos, então, o “Narciso às avessas” de Nelson, que cospe na própria imagem, afirmando que aqui nada presta e que o que é produzido lá fora é o ideal.
Falamos da ativação de um complexo que acaba por desvalorizar elementos tradicionalmente brasileiros, favorecendo uma paulatina descaracterização de nosso futebol. É de se perguntar: se Garrincha fizesse seu drible hoje, quão execrado pela mídia ele poderia ser pela falta de objetividade e menosprezo ao adversário? Críticas como essas possuem suas raízes em um modo europeu de se analisar o futebol. Estranhamos essas críticas — desrespeitosas, por sinal — a uma geração de jogadores brasileiros que fazem parte da maioria estrangeira no campeonato de clubes mais valorizados.
(Walter Feldman; Rogério Caboclo. www.folha.uol.com.br/ opiniao/2015/09/1683161-
complexo-de-vira-lata-20.shtml. Adaptado)
História de bem-te-vi
Cecília Meireles
Os velhos cronistas desta terra encantaram-se com canindés e araras, tuins e sabiás, maracanãs e "querejuás todos azuis de cor finíssima...". Nós esquecemos tudo: quando um poeta fala num pássaro, o leitor pensa que é leitura...
Mas há um passarinho chamado bem-te-vi. Creio que ele está para acabar.
E é pena, pois com esse nome que tem — e que é a sua própria voz — devia estar em todas as repartições e outros lugares, numa elegante gaiola, para no momento oportuno anunciar a sua presença. Seria um sobressalto providencial e sob forma tão inocente e agradável que ninguém se aborreceria.
O que me leva a crer no desaparecimento do bem-te-vi são as mudanças que começo a observar na sua voz. O ano passado, aqui nas mangueiras dos meus simpáticos vizinhos, apareceu um bem-te-vi caprichoso, muito moderno, que se recusava a articular as três sílabas tradicionais do seu nome, limitando-se a gritar: "...te-vi! ...te-vi", com a maior irreverência gramatical. Como dizem que as últimas gerações andam muito rebeldes e novidadeiras achei natural que também os passarinhos estivessem contagiados pelo novo estilo humano.
Logo a seguir, o mesmo passarinho, ou seu filho ou seu irmão — como posso saber, com a folhagem cerrada da mangueira? — animou-se a uma audácia maior Não quis saber das duas sílabas, e começou a gritar apenas daqui, dali, invisível e brincalhão: "...vi! ...vi! ...vi! ..." o que me pareceu divertido, nesta era do twist.
O tempo passou, o bem-te-vi deve ter viajado, talvez seja cosmonauta, talvez tenha voado com o seu team de futebol — que se não há de pensar de bem-te-vis assim progressistas, que rompem com o canto da família e mudam os lemas dos seus brasões? Talvez tenha sido atacado por esses crioulos fortes que agora saem do mato de repente e disparam sem razão nenhuma no primeiro indivíduo que encontram.
Mas hoje ouvi um bem-te-vi cantar E cantava assim: "Bem-bem-bem...te-vi!" Pensei: "É uma nova escola poética que se eleva da mangueira!..." Depois, o passarinho mudou. E fez: "Bem-te-te-te... vi!" Tornei a refletir: "Deve estar estudando a sua cartilha... Estará soletrando..." E o passarinho: "Bem-bem-bem...te-te-te...vi-vi-vi!"
Os ornitólogos devem saber se isso é caso comum ou raro. Eu jamais tinha ouvido uma coisa assim! Mas as crianças, que sabem mais do que eu, e vão diretas aos assuntos, ouviram, pensaram e disseram: "Que engraçado! Um bem-te-vi gago!"
(É: talvez não seja mesmo exotismo, mas apenas gagueira...)
Texto extraído do livro “Escolha o seu sonho", Editora Record – Rio de Janeiro, 2002, pág. 53
I. Que o novo cantar do bem-te-vi adota uma marca de oralidade da linguagem humana.
II. A irreverência revela que o bem-te-vi desconsidera o rigor gramatical.
III. Que o pássaro usa um pronome oblíquo iniciando uma frase, desobedecendo a uma regra gramatical, intencionalmente.
Assinale a alternativa correta: