Questões de Português - Pronomes relativos para Concurso
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Acaba de chegar a Massachussets um grupo de
adolescentes sudaneses que viajaram diretamente da Idade da
Pedra, ou quase, para a América do século XXI. São cinco mil
refugiados, que estão sendo distribuídos pelos EUA. Para
muitos, a viagem de avião é a primeira experiência em um
transporte motorizado.
Qual será o maior estranhamento para esses
jovens? A neve e a calefação? Os celulares? A Internet? (...)
O susto virá da quantidade de leis formais
detalhadas e explícitas que regram a vida americana, enquanto
a vida da tribo era regrada por poucas normas quase sempre
implícitas - ou seja, pela confiança de todos numa moral
comum tácita.
Nossas leis tornam-se cada vez mais detalhadas,
pois há a idéia de que um código exaustivo garantiria o
funcionamento de uma comunidade justa. De fato, essa
proliferação revela a angústia de uma cultura insegura de suas
opções morais. Por sermos indigentes morais, compilamos uma
casuística da qual esperamos que diga exatamente o que fazer
em cada circunstância. O dito legalismo da sociedade
americana, tão freqüentemente denunciado, é apenas o sinal
dessa indigência.
A tentativa de animar uma comunidade por uma
lengalenga de leis testemunha a fraqueza do vínculo social. Não
podemos confiar numa inspiração moral compartilhada, por isso
inventamos regras para ter, ao menos, muitas obrigações
comuns.
(Contardo Calligaris, Terra de ninguém. S. Paulo: Publifolha,
2004, pp. 66/68)
Evitam-se as desagradáveis repetições do período acima substituindo-se os segmentos sublinhados, respectivamente, por
Os representantes de 55 governos, reunidos na segunda
Assembléia Geral das Nações Unidas, terão sem dúvida
consciência do fato de que, durante os dois últimos anos -
desde a vitória sobre as potências do Eixo - não se fez nenhum
progresso sensível rumo à prevenção da guerra, nem rumo ao
entendimento em campos específicos, como o controle da
energia atômica e a cooperação econômica na reconstrução de
áreas devastadas pela guerra.
A ONU não pode ser responsabilizada por esses
malogros. Nenhuma organização internacional pode ser mais
forte do que os poderes constitucionais que lhe são conferidos,
ou do que os membros que a compõem desejam que seja. Na
verdade, as Nações Unidas são uma instituição extremamente
importante e útil, contanto que os povos e governos do mundo
se dêem conta de que a ONU nada mais é que um sistema de
transição para a meta final, que é o estabelecimento de um
poder supranacional, investido de poderes legislativos e
executivos suficientes para manter a paz. O impasse atual
reside na inexistência de uma autoridade supranacional
suficiente e confiável. Assim, os líderes responsáveis de todos
os governos são obrigados a agir na presunção de uma guerra
eventual. Cada passo motivado por essa presunção contribui
para aumentar o medo e a desconfiança gerais, apressando a
catástrofe final. Por maiores que sejam os armamentos
nacionais, eles não geram a segurança militar para nenhum
país, nem garantem a manutenção da paz.
* Trecho de carta escrita em 1947
(Albert Einstein, Escritos da maturidade.)
A nova tribo dos micreiros* cresceu tanto que talvez já não
seja apenas mais uma tribo, mas uma nação, embora a
linguagem fechada e o fanatismo com que se dedicam ao seu
objeto de culto sejam quase de uma seita. São adoradores que
têm com o computador uma relação semelhante à do homem
primitivo com o totem e o fogo. Passam horas sentados, com o
olhar fixo num espaço luminoso de algumas polegadas,
trocando não só o dia pela noite, como o mundo pela realidade
virtual.
Sua linguagem lembra a dos funkeiros** em quantidade de
importações vocabulares adulteradas, porém é mais ágil e rica,
talvez a mais rápida das tribos urbanas modernas. Dança quem
não souber o que é BBS, modem, interface, configuração,
acessar e assim por diante. Alguns termos são neologismos e,
outros, recriações semânticas de velhos significados, como
janela, sistema, ícone, maximizar.
No começo da informatização das redações de jornal,
houve um divertido mal-entendido quando uma jovem repórter
disse pela primeira vez: "Eu abortei!". Ela acabava de rejeitar
não um filho, mas uma matéria. Hoje, ninguém mais associa
essa palavra ao ato pecaminoso. Aborta-se tão impune e
freqüentemente quanto se acessa.
Nada mais tem forma e sim "formatação". Foi-se o tempo
em que "fazer um programa" era uma aventura amorosa. O
"vírus" que apavora os micreiros não é o HIV, mas uma
intromissão indevida no "sistema", outra palavra cujo sentido
atual nada tem a ver com os significados anteriores. A geração
de 68 lutou para derrubar o sistema; hoje o sistema cai a toda
hora.
Alguns velhos homens de letras olham com preconceito
essa tribo, como se ela fosse composta apenas de jovens, e
ainda por cima iletrados. É um engano, porque há entre os
micreiros respeitáveis senhoras e brilhantes intelectuais. Falar
mal do computador é tão inútil e reacionário quanto foi quebrar
máquinas no começo da primeira Revolução Industrial. Ele veio
para ficar, como se diz, e seu sucesso é avassalador. Basta ver
o entusiasmo das adesões.
(Zuenir Ventura, Crônicas de um fim de século)
* micreiros = usuários de microcomputador.
** funkeiros = criadores ou entusiastas da música funk.
Quem folheia um daqueles velhos álbuns de fotografias
logo nota que as pessoas fotografadas prepararam-se longamente
para o registro solene. As roupas são formais, os corpos
alinham-se em simetria, os rostos adotam uma expressão sisuda.
Cada foto corporifica um evento especial, grava um momento
que aspira à eternidade. Parece querer garantir a imortalidade
dos fotografados. Dificilmente alguém ri nessas fotos:
sobra gravidade, cerimônia, ou mesmo uma vaga melancolia.
Nada mais opostos a esse pretendido congelamento do
tempo do que a velocidade, o improviso e a multiplicação das
fotos de hoje, tiradas por meio de celulares. Todo mundo fotografa
tudo, vê o resultado, apaga fotos, tira outras, apaga, torna
a tirar. Intermináveis álbuns virtuais desaparecem a um toque
de dedo, e as pouquíssimas fotografias eventualmente salvas
testemunham não a severa imortalidade dos antigos, mas a
brincadeira instantânea dos modernos. As imagens não são feitas
para durar, mas para brilhar por segundos na minúscula tela
e desaparecer para sempre.
Cada época tem sua própria concepção de tempo e sua
própria forma de interpretá-lo em imagens. É curioso como em
nossa época, caracterizada pela profusão e velocidade das
imagens, estas se apresentem num torvelinho temporal que as
trata sem qualquer respeito. É como se a facilidade contemporânea
de produção e difusão de imagens também levasse a
crer que nenhuma delas merece durar mais que uma rápida
aparição.
(Bernardo Coutinho, inédito)