Questões de Concurso
Sobre regência em português
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Texto 3
TEXTO 4
Leia atentamente o texto abaixo e responda a questão.
Maria Firmina dos Reis (1825-1917), escritora e educadora, autodidata, nasceu na ilha de São Luís do Maranhão. Viveu parte de sua vida na casa de uma tia materna, acolhimento esse crucial para a sua formação. Foi incentivada pelo escritor e gramático Sotero dos Reis, seu primo por parte de mãe, a dedicar-se na busca pelo conhecimento. Em 1847, concorreu à cadeira de Instrução primária no município de Viamão e foi aprovada. Nessa região, até 1881, exerceu a profissão de professora de primeiras letras. Em 1859, publicou o que é considerada sua principal obra e um dos primeiros romances abolicionistas da literatura brasileira – Úrsula. A obra foi classificada como um dos primeiros escritos de uma mulher negra brasileira, com forte imersão em elementos da tradição africana, que trata a tragédia da escravidão a partir da perspectiva dos negros escravizados.
Trecho adaptado de Antigo – A cor da Cultura
Natal mudou em 1942. A chegada das tropas norte-americanas à capital potiguar trouxe dinheiro e desenvolvimento. Em troca, a cidade cedeu sua posição geográfica, considerada estratégica para o poderio militar dos EUA. Afinal, na América do Sul, Natal é o ponto mais próximo dos continentes europeu e africano.
"Os EUA precisavam de um ponto de apoio que permitisse abastecer e seguir direto para a África", explicou o professor de história Luís Eduardo Suassuna. Foi por suprir esta necessidade que Natal se transformou no "trampolim da vitória" para os EUA. Os aviões vinham deste país, abasteciam em Natal e ficavam prontos para fazer a travessia do Atlântico.
(Adaptado de: HOLDER, Caroline. Disponível em: g1.globo.com)
“Os EUA precisavam de um ponto de apoio que permitisse abastecer e seguir direto para a África”...
Sem prejuízo da correção e do sentido, o segmento sublinhado acima pode ser substituído por:
No que se refere às ideias e aos aspectos linguísticos do texto 7A3AAA, julgue o item a seguir.
Seriam preservados os sentidos originais, bem como a correção gramatical do texto, caso a expressão “em tudo” (ℓ.15) fosse substituída por com tudo.
A respeito das ideias e dos aspectos linguísticos do texto 7A1BBB, julgue o seguinte item.
A correção e os sentidos do texto seriam preservados caso o trecho “contra os” (ℓ.3) fosse substituído por aos.
[Em torno da memória]
Na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado “tal como foi", e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se.
O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista.
(Adaptado de Ecléa Bosi. Lembranças de velhos. S. Paulo: T. A. Queiroz, 1979, p. 17)
Com relação aos aspectos linguísticos do texto CB2A1AAA, julgue o próximo item.
A correção gramatical e os sentidos do texto seriam mantidos caso a expressão “em face do” (ℓ.17) fosse substituída por devido o.
Atenção: Nesta prova, considera-se uso correto da Língua Portuguesa o que está de acordo com a norma padrão escrita.
Leia o texto a seguir para responder a questão sobre seu conteúdo.
DIÁLOGO DE SURDOS
Por: Sírio Possenti. Publicado em 09 mai 2016. Adaptado de: http://www.cienciahoje.org.br/noticia/v/ler/id/4821/n/dialogo_de_surdos Acesso em 30 out 2017.
A expressão corrente trata de situações em que dois lados (ou mais) falam e ninguém se entende. Na verdade, esta é uma visão um pouco simplificada das coisas. De fato, quando dois lados polemizam, dificilmente olham para as mesmas coisas (ou para as mesmas palavras). Cada lado interpreta o outro de uma forma que este acha estranha e vice-versa.
Dominique Maingueneau (em Gênese dos discursos, São Paulo, Parábola) deu tratamento teórico à questão (um tratamento empírico pode ser encontrado em muitos espaços, quase diariamente). [...]
Suponhamos dois discursos, A e B. Se polemizam, B nunca diz que A diz A, mas que diz “nãoB”. E vice-versa. O interessante é que nunca se encontra “nãoB” no discurso de A, sempre se encontra A; mas B não “pode” ver isso, porque trairia sua identidade doutrinária, ideológica.
Um bom exemplo é o que acontece frequentemente no debate sobre variedades do português. Se um linguista diz que não há “erro” em uma fala popular, como em “as elite” (que a elite escreve burramente “a zelite”, quando deveria escrever “as elite”), seus opositores não dirão que os linguistas descrevem o fato como uma variante, mostrando que segue uma regra, mas que “aceitam tudo”, que “aceitam o erro”. O simulacro consiste no fato de que as palavras dos oponentes não são as dos linguistas (não cabe discutir quem tem razão, mas verificar que os dois não se entendem).
Uma variante da incompreensão é que cada lado fala de coisas diferentes.
Atualmente, há uma polêmica sobre se há golpe ou não há golpe. Simplificando um pouco, os que dizem que há golpe se apegam ao fato de que os dois crimes atribuídos à presidenta não seriam crimes. Os que acham que não há golpe dizem que o processo está seguindo as regras definidas pelo Supremo.
Um bom sintoma é a pergunta recorrente feita aos ministros do Supremo pelos repórteres: a pergunta não é “a pedalada é um crime?” (uma questão mérito), mas “impeachment é golpe?”. Esta pergunta permite que o ministro responda que não, pois o impedimento está previsto na Constituição.
Juca Kfouri fez uma boa comparação com futebol: a expulsão de um jogador, ou o pênalti, está prevista(o), o que não significa que qualquer expulsão é justa ou que toda falta é pênalti...
A teoria de Maingueneau joga água na fervura dos que acreditam que a humanidade pode se entender (o que faltaria é adotar uma língua comum, quem sabe o esperanto). Ledo engano: as pessoas não se entendem é falando a mesma língua.
Até hoje, ninguém venceu uma disputa intelectual (ideológica) no debate. Quando venceu, foi com o exército, com a maioria dos eleitores ou dos... deputados.
Sírio Possenti
Departamento de Linguística
Universidade Estadual de Campinas
Atenção: Para responder à questão, considere a entrevista abaixo com o historiador e professor Leandro Karnal.
1. Até que ponto o fracasso é culpa do indivíduo?
Leandro Karnal – Hoje existe um discurso dominante de que tudo o que acontece nas nossas vidas depende das nossas escolhas. Teorias de diversas naturezas, da religião à psicanálise, contrariam essa tese. Não somos tão racionais, nossas escolhas não nascem de uma liberdade plena e o acidente tem um papel maior do que imaginamos. Tenho usado em minhas palestras duas noções desenvolvidas por Nicolau Maquiavel: a “virtù”, o conjunto de habilidades e competências que nascem comigo e que posso desenvolver, e a “fortuna”, que significa o acaso, o inesperado. Ninguém é tão divino (só “virtù”) e nem tão suscetível às circunstâncias (pura “fortuna”). Faz diferença a escolha do indivíduo. Mas nem sempre esse indivíduo lida com uma lógica absoluta, ele faz sua escolha dentro do possível.
2. De que forma o autoconhecimento pode ajudar uma pessoa que está vivendo uma fase ruim na carreira?
Leandro Karnal – Se você olhar para si mesmo com honestidade, se encarar o retrato terrível da Medusa, que é o seu lado difícil, tem a primeira chance de superá-lo. É o que diz a máxima “conhece a ti mesmo”, que funda a filosofia de Sócrates. É preciso investigar a si mesmo para perceber que você também tem falhas. Desse modo, fica mais fácil diminuir o efeito das fraquezas. Por outro lado, conhecer a si mesmo também é conhecer o que há de bom em mim mesmo e aquilo que me traz bem-estar. É comum ver pessoas que dizem que a carreira é tudo para elas, mas sofrem de gastrite no domingo à noite. Não sabem o que realmente querem. Há pessoas que adoram atividades repetitivas. Outras são viciadas em desafios. Eu preciso saber do meu perfil. Não posso contrariar permanentemente a minha natureza.
3. A morte do sociólogo Zygmunt Bauman reacendeu o debate sobre a deterioração das relações humanas na era da internet. Redes sociais geram uma falsa ideia sobre o sucesso alheio?
Leandro Karnal – Toda tecnologia é neutra, tudo depende do que fazemos com ela. Vivemos na sociedade do espetáculo, em que
toda a atenção é voltada para a imagem. Precisamos entender que tudo que se publica nas redes sociais é de autoria de um roteirista.
É alguém construindo uma imagem.
(Disponível em: exame.abril.com.br. Com adaptações)
A coletânea de aforismos que constituem os dois volumes de Humano, demasiado humano, considerado o marco inicial do segundo período da produção de Nietzsche, é um ajuste de contas definitivo com as ideias fundamentais do sistema filosófico de Schopenhauer.
Dedicando o livro à memória do filósofo francês Voltaire e escolhendo como epígrafe uma citação de René Descartes, Nietzsche já o insere simbolicamente na tradição da filosofia das Luzes, caracterizada pela confiança no poder emancipatório da ciência, em seu triunfo contra as trevas da ignorância e da superstição. Não por acaso, portanto, a obra tem como subtítulo Um livro para espíritos livres.
Se, para o jovem Nietzsche, era a arte – e não a ciência – o que constituía a atividade metafísica do homem, em Humano, demasiado humano ela é destituída desse privilégio. Fazendo uma referência velada a pressupostos fundamentais da filosofia de Schopenhauer, dos quais partilhara, Nietzsche toma agora o cuidado de se afastar criticamente deles. “Que lugar ainda resta à arte? Antes de tudo, ela ensinou, através de milênios, a olhar com interesse e prazer a vida, em todas as suas formas. Essa doutrina foi implantada em nós; ela vem à luz novamente agora como irresistível necessidade de conhecer. O homem científico é o desenvolvimento do homem artístico”.
Se, para o jovem Nietzsche, o aprofundamento do conhecimento científico conduzia à proliferação de um saber erudito e estéril, que sufocava a vida, para o Nietzsche do período intermediário o conhecimento científico torna livre o espírito.
Pouco mais tarde, Nietzsche aprofundaria seu novo entendimento relativo ao papel da ciência e à oposição entre esta e a arte. Contrapondo-se àqueles que valorizam apenas a imaginação e as obras-primas do disfarce estético, o filósofo afirma: “eles pensam que a realidade é horrível; contudo, não pensam que o conhecimento até da mais horrível realidade é belo, do mesmo modo que aquele que conhece bastante e amiúde está, por fim, muito longe de considerar horrível o grande todo da realidade, cuja descoberta lhe proporciona sempre felicidade. A felicidade do homem do conhecimento aumenta a beleza do mundo”.
(Adaptado de: GIACOIA JUNIOR, Oswaldo. Nietzsche. São Paulo, Publifolha, 2000, p. 42-46)
Versos Íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável! (…)
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Augusto dos Anjos.
Observe a frase:
“Ninguém assistiu ao formidável enterro de tua última quimera”.
Assinale a alternativa correta em relação à frase.
“Que fazer? O estudo recomenda a criação de planos familiares de uso de mídias, os quais devem reconhecer as especificidades e peculiaridades de cada criança, adolescente e família.” (§ 5)
No trecho acima, ocorreu um uso linguístico do pronome relativo em que a regência nominal está de acordo com a norma-padrão. Assinale a alternativa na qual essa regência foi realizada de forma INCORRETA:
Pode o amor romântico, que representa na história social moderna o último refúgio do aconchego e da espontaneidade, da entrega altruísta e da suspensão das relações instrumentais, subsistir ...... comercialização capitalista dos espaços sociais e de lazer ...... os rituais inerentes ...... experiências amorosas são vivenciados?
(Adaptado de Sérgio Costa. NOVOS ESTUDOS CEBRAP n. 73, novembro de 2005 , p. 111-124)
Preenchem corretamente as lacunas da frase acima, na ordem dada:
Papo sobre o óbvio
Uma coisa que faço com frequência é descobrir o óbvio. Isto é, óbvio para os outros, porque, de repente, percebo ali algo inexplicável e fascinante. Difícil é expressá-lo.
Um troço que me deixa surpreso é descobrir que uma menininha, de uns poucos anos, fala. Você pode retrucar - e daí? Gato mia antes de apreender a andar. É verdade, mas miar é uma coisa e falar é outra. Não me diga que o nosso falar equivale ao miado do gato, pois esse é um argumento que não aceito, uma que falar, diferente de miar, implica raciocinar, e foi isso que subitam ente me surpreendeu: a menina fala, pensa...
Vou ver se me explico. Aquela menininha, que agora fala e sabe o que quer, faz pouco tempo era um bebezinho que só esperneava, bracejava e grunhia. E foi assim que, inesperadamente, me perguntei: mas de onde vem isso? Sim, porque macaco é inteligente, mas não dispõe de uma linguagem logicamente construída, com sujeito, verbo, objeto...
É certo que não foi aquela menina que inventou essa linguagem, mas a verdade é que, tivesse ela nascido no Japão ou na Austrália, em Angola ou no Chile, falaria do mesmo modo -noutra língua, claro -, usaria uma linguagem que implica raciocinar, julgar, opinar, negar, afirmar, inventar.
Não sei se estou me fazendo entender, mas o certo é que me deixo ficar fascinado e perplexo por esse fato, ou seja, que diferente de todos os outros animais, eu e você somos capazes de construir um mundo de idéias, valores e opiniões. E mais: somos capazes de elaborar conceitos que buscam dar sentido à existência.
Está claro agora? Talvez sim e talvez não. Adificuldade é que estou tentando explicar uma coisa que nem eu mesmo entendo. O que acabo de dizer, quanto à capacidade das pessoas é certo e é sabido. E óbvio mesmo, o que não corresponde ao que me parece maravilhoso, que percebi quando ouvi a menina falar: nasceu com ela a capacidade de pensar?
A gente diz que ensinamos as crianças a falar. Sim, mas elas só aprendem porque são animais falantes. Duvido que alguém ensine um gato a falar. Conheci uma família que tinha um filho caçula, que já com dois anos não falava. Por mais que a mãe insistisse e o fizesse repetir “minha mãe gosta do Zezinho”. Ele ouvia, sorria e não falava nada. A mãe começou a se desesperar, temendo que o filho fosse mudo. E não é que, certo dia, ele disparou a falar? Sabia o nome de tudo, construía as frases perfeitamente, deixando a família inteira boquiaberta.
É que, na verdade, a criança aprende a língua do país em que ela nasceu. Mas o falar mesmo, que implica ser capaz de formular pensamentos e comunicar-se com os outros, isso nasce com a pessoa, é uma qualidade específica do bicho humano. Pensando melhor, digo que é mais que isso: a criança fala porque pensa e, por pensar, constrói uma compreensão da vida e do mundo. Isso já está latente nas primeiras palavras que a criança balbucia.
Claro, dirá você, isso é o óbvio - e é, mas é nele que reside a nossa espantosa capacidade de inventar a vida, de inventar o mundo, já nas paredes das cavernas, quando desenharam-se as primeiras imagens do bisão.
Mas o que me espanta não é exatamente isso e, sim, de onde vem isso, essa capacidade que já está latente no recém-nascido (ou no embrião?), que ainda nem mesmo enxerga. Entendo que alguns acham que foi Deus que nos criou assim e, portanto, não há por que se espantar. Mas há quem, ainda assim, se espante.
Já me vi espantado até mesmo com as aranhas, conforme já falei aqui nesta coluna. Como explicar que ela produza uma teia que é transparente para que sua possível presa - uma mosca, que seja - não a veja; e que essa teia seja pegajosa para impedir que o inseto que cair ali consiga se safar? Tudo como tem que ser. E ela, a aranha, depois de estender a teia como uma armadilha num ponto estratégico da parede, coloca-se no centro dela e ali fica, dias e dias, semanas, meses, esperando que a presa caia na armadilha e ela possa comê-la.
E quem contou à aranha que ali há moscas, que as moscas voam e que cedo ou tarde cairão na teia? A verdade é que com uma invejável capacidade artesanal e plena consciência do que faz, está ela ali, confiando no acaso que, para alguns, é Deus.
GULLAR. Ferreira. Papo sobre o óbvio. Folha de S.Paulo, 18 maio 2014. Extraído do site:<www1folha.uol.com.br/colunas/ferreiragullar/2Q14/G5/1455377- papo-sobre-o-obvio.shtml>
O apagão poderá nos trazer alguma luz
Não tivemos guerra, não tivemos revolução, mas teremos o apagão. O apagão será uma porrada na nossa autoestima, mas terá suas vantagens.
Com o apagão, ficaremos mais humildes, como os humildes. A onda narcisista da democracia liberal ficará mais “cabreira", as gargalhadas das colunas sociais serão menos luminosas, nossos flashes, menos gloriosos. Baixará o astral das estrelas globais, dos comedores. As bundas ficarão mais tímidas, os peitos de silicone, menos arrebitados. Ficaremos menos arrogantes na escuridão de nossas vidas de classe média. [..,] Haverá algo de becos escuros, sem saída. A euforia de Primeiro Mundo falsificado cairá por terra e dará lugar a uma belíssima e genuína infelicidade.
O Brasil se lembrará do passado agropastoril que teve e ainda tem; teremos saudades do matão, do luar do sertão, da Rádio Nacional, do acendedor de lampiões da rua, dos candeeiros. Lembraremos das tristes noites dos anos 40, como dos “blackouts” da Segunda Guerra, mesmo sem submarinos, apenas sinistros assaltantes nas esquinas apagadas.
O apagão nos lembrará de velhos carnavais: “Tomara que chova três dias sem parar". Ou: “Rio, cidade que nos seduz, de dia falta água, de noite falta luz!". Lembraremo-nos dos discos de 78 rpm, das TVs em preto-e-branco, de um Brasil mais micha, mais pobre, cambaio, mas bem mais brasileiro em seu caminho da roça, que o golpe de 64 interrompeu, que esta mania prostituída de Primeiro Mundo matou a tapa.
[...]
O apagão nos mostrará que somos subdesenvolvidos, que essa superestrutura modernizante está sobre pés de barro. O apagão é um “upgrade" nas periferias e nos “bondes do Tigrão”, nos lembrando da escuridão física e mental em que vivem, fora de nossas avenidas iluminadas. O apagão nos fará mais pensativos e conscientes de nossa pequenez. Seremos mais poéticos. Em noites estreladas, pensaremos: “A solidão dos espaços infinitos nos apavora”, como disse Pascal. Ou ainda, se mais líricos, recitaremos Victor Hugo: "A hidra-universo torce seu corpo cravejado de estrelas...".
[...] O apagão nos dará medo, o que poderá nos fazer migrar das grandes cidades, deixando para trás as avenidas secas e mortas. O apagão nos fará entender os flagelados do Nordeste, que sempre olharam o céu como uma grande ameaça. O apagão nos fará contemplar o azul sem nuvens, pois aprendemos que a natureza é quando não respeitada.
O apagão nos fará mais parcimoniosos, respeitosos e públicos. Acreditaremos menos nos arroubos de autossuficiência.
O apagão vai dividiras vidas, de novo, em dias e noites, que serão nítidos sem as luzes que a modernidade celebra para nos fascinar e nos fazer esquecer que as cidades, de perto, são feias e injustas. Vai diminuir a “feerie" do capitalismo enganador.
Vamos dormir melhor. Talvez amemos mais a verdade dos dias. Acabará a ilusão de clubbers e playboys, que terão medo dos “manos” em cruzamentos negros, e talvez o amor fique mais recolhido, sussurrado e trêmulo. Talvez o sexo se revalorize como prazer calmo e doce e fique menos rebolante e voraz. Talvez aumente a população com a diminuição das diversões eletrônicas noturnas. O apagão nos fará inseguros na rua, mas, talvez, mais amigos nos lares e bares.
Finalmente, nos fará mais perplexos, pois descobriremos que o Brasil é ainda mais absurdo, pois nunca entenderemos como, com três agências cuidando da energia, o governo foi pego de surpresa por essas trevas anunciadas. Só nos resta o consolo de saber que, no fim, o apagão nos trará alguma luz sobre quem somos.
JABOR, Arnaldo. O apagão poderá nos trazer alguma luz. Folha de S. Paulo,São Paulo, 15 de maio 2001. Extraído do site. <www.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1505200129.htm. Acesso em 14out. 2016. (Fragmento)
“O apagão nos dará medo, o que poderá nos fazer migrar das grandes cidades, deixando para trás as avenidas secas e mortas."
A respeito do trecho acima, quanto aos aspectos gramatical, sintático e semântico, analise as afirmativas a seguir.
I. A palavra O, nas duas ocorrências, possuem classes gramaticais diferentes.
II. O verbo da primeira oração é transitivo direto.
III. SECAS e MORTAS, nas respectivas ocorrências, assumem valor adjetivo.
Está correto apenas o que se afirma em:
O apagão poderá nos trazer alguma luz
Não tivemos guerra, não tivemos revolução, mas teremos o apagão. O apagão será uma porrada na nossa autoestima, mas terá suas vantagens.
Com o apagão, ficaremos mais humildes, como os humildes. A onda narcisista da democracia liberal ficará mais “cabreira", as gargalhadas das colunas sociais serão menos luminosas, nossos flashes, menos gloriosos. Baixará o astral das estrelas globais, dos comedores. As bundas ficarão mais tímidas, os peitos de silicone, menos arrebitados. Ficaremos menos arrogantes na escuridão de nossas vidas de classe média. [..,] Haverá algo de becos escuros, sem saída. A euforia de Primeiro Mundo falsificado cairá por terra e dará lugar a uma belíssima e genuína infelicidade.
O Brasil se lembrará do passado agropastoril que teve e ainda tem; teremos saudades do matão, do luar do sertão, da Rádio Nacional, do acendedor de lampiões da rua, dos candeeiros. Lembraremos das tristes noites dos anos 40, como dos “blackouts” da Segunda Guerra, mesmo sem submarinos, apenas sinistros assaltantes nas esquinas apagadas.
O apagão nos lembrará de velhos carnavais: “Tomara que chova três dias sem parar". Ou: “Rio, cidade que nos seduz, de dia falta água, de noite falta luz!". Lembraremo-nos dos discos de 78 rpm, das TVs em preto-e-branco, de um Brasil mais micha, mais pobre, cambaio, mas bem mais brasileiro em seu caminho da roça, que o golpe de 64 interrompeu, que esta mania prostituída de Primeiro Mundo matou a tapa.
[...]
O apagão nos mostrará que somos subdesenvolvidos, que essa superestrutura modernizante está sobre pés de barro. O apagão é um “upgrade" nas periferias e nos “bondes do Tigrão”, nos lembrando da escuridão física e mental em que vivem, fora de nossas avenidas iluminadas. O apagão nos fará mais pensativos e conscientes de nossa pequenez. Seremos mais poéticos. Em noites estreladas, pensaremos: “A solidão dos espaços infinitos nos apavora”, como disse Pascal. Ou ainda, se mais líricos, recitaremos Victor Hugo: "A hidra-universo torce seu corpo cravejado de estrelas...".
[...] O apagão nos dará medo, o que poderá nos fazer migrar das grandes cidades, deixando para trás as avenidas secas e mortas. O apagão nos fará entender os flagelados do Nordeste, que sempre olharam o céu como uma grande ameaça. O apagão nos fará contemplar o azul sem nuvens, pois aprendemos que a natureza é quando não respeitada.
O apagão nos fará mais parcimoniosos, respeitosos e públicos. Acreditaremos menos nos arroubos de autossuficiência.
O apagão vai dividiras vidas, de novo, em dias e noites, que serão nítidos sem as luzes que a modernidade celebra para nos fascinar e nos fazer esquecer que as cidades, de perto, são feias e injustas. Vai diminuir a “feerie" do capitalismo enganador.
Vamos dormir melhor. Talvez amemos mais a verdade dos dias. Acabará a ilusão de clubbers e playboys, que terão medo dos “manos” em cruzamentos negros, e talvez o amor fique mais recolhido, sussurrado e trêmulo. Talvez o sexo se revalorize como prazer calmo e doce e fique menos rebolante e voraz. Talvez aumente a população com a diminuição das diversões eletrônicas noturnas. O apagão nos fará inseguros na rua, mas, talvez, mais amigos nos lares e bares.
Finalmente, nos fará mais perplexos, pois descobriremos que o Brasil é ainda mais absurdo, pois nunca entenderemos como, com três agências cuidando da energia, o governo foi pego de surpresa por essas trevas anunciadas. Só nos resta o consolo de saber que, no fim, o apagão nos trará alguma luz sobre quem somos.
JABOR, Arnaldo. O apagão poderá nos trazer alguma luz. Folha de S. Paulo,São Paulo, 15 de maio 2001. Extraído do site. <www.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1505200129.htm. Acesso em 14out. 2016. (Fragmento)