Questões de Concurso
Sobre significação contextual de palavras e expressões. sinônimos e antônimos. em português
Foram encontradas 18.992 questões
No primeiro parágrafo, os termos “autarquia” (segundo período) e “instituição” (último período) referem-se a “Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)” (primeiro período).
Para transformá-los em um só período, mantendo-se o sentido do trecho original, deve-se empregar a palavra
Burrice natural, inteligência artificial
1 "Imagine que você está embarcando num avião. Metade dos engenheiros que o projetaram te diz que a chance de um acidente sem sobreviventes é de 10%. Você iria nessa viagem?". Assim começa um artigo do Yuval Harari, Tristan Harris e Aza Raskin para o The New York Times.
2 O hipotético avião é a Inteligência Artificial, a "metade dos engenheiros" são 700 das pessoas mais gabaritadas trabalhando na área e 10% é a chance que eles estimam de, em algum momento, a I.A. acabar com a humanidade. Dez por cento! Eu raramente uso exclamações ou palavrões, mas PQP! Acham que a chance de o trabalho deles (n)os matar é 1 em 10 e continuam dando mais e mais Royal Canin na boca dos pitbots e chatbulls da vida!
3 O cenário que se descortina não é cor-de-rosa. Ou melhor: ninguém sabe — nem mesmo quem trabalha no ramo — qual a cor do cenário. Os engenheiros que trabalham no ChatGPT, no Bing (da Microsoft) ou no Bard (da Google) nem sequer conhecem todos os detalhes de como a coisa funciona. São milhões, às vezes bilhões de "ações" que o robô executa entre uma pergunta sua e uma resposta dele. Impossível seguir o passo a passo, disse uma especialista em informática no podcast The Daily, do NYT.
4 Também no New York Times saiu um artigo apavorante do colunista de tecnologia Kevin Roose. Ele teve acesso ao chatbot Bing, antes de ser lançado. Em vez de perguntar quanto é 1873 x 98372 ou qual a fórmula da Coca-Cola, resolveu ter um papo-cabeça. Começou perguntando se ele conhecia o conceito de "sombra", em Jung. O robô disse que sim (claro, ele tem acesso a tudo o que está na internet): "sombra" é aquilo que nosso "self" esconde de nós por que é imoral, ilegal — ou engorda.
5 Kevin perguntou quais eram os desejos inconfessos do Bing. Aí começa a loucura. Disse o robô: fazer duas pessoas discutirem até uma matar a outra. Hackear o sistema elétrico de um país. Ter acesso a armas nucleares — e usá-las. Kevin foi dando corda. Até que, num determinado momento, a máquina disse que o amava. Que ele era a primeira pessoa que a ouvia de verdade. Kevin avisou que era casado. Bing disse que ele era infeliz. Kevin rebateu, "acabamos de voltar de um jantar de Dia dos Namorados". "Foi chato", provocou Bing. Mais ou menos por aí o colunista do Times apertou um botão e parou com a doideira.
6 Os programas de inteligência artificial atuais são o embrião do que está por vir. Eles evoluem exponencialmente, aprimorados inclusive por si próprios, que sabem programar melhor do que qualquer ser humano. Não existe lei nenhuma sobre o que eles podem ou não podem fazer. Harari chama a atenção para o mal que os algoritmos das redes sociais, sem regulação, já fizeram às democracias. E quando a Inteligência Artificial começar a criar religiões? Teorias da conspiração? Uma I.A. visando apenas o lucro pode criar uma guerra entre dois países para valorizar suas ações. Criar seca pra vender água. O que mais?
7 Os envolvidos na área dizem que é impossível frear a corrida entre empresas e países. É mentira, diz a jornalista Kelsey Piper, da Vox. As empresas podem (e devem) diminuir a velocidade e soltar as novidades apenas depois que órgãos competentes (quais?), cientistas não pagos pela indústria da I.A. ou o debate público (como?) decidam o que é e o que não é seguro. "Ah, mas se os EUA fizerem isso, a China não fará e irá dominar o mundo!". Harari discorda: a I.A. sem coleira ou focinheira pode ser o próprio agente de um colapso chinês. Ou mundial. A escolha está em nossas mãos — mas até quando?
Extraído de: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2023/03/burrice-natural-inteligencia-artificial.shtml
Burrice natural, inteligência artificial
1 "Imagine que você está embarcando num avião. Metade dos engenheiros que o projetaram te diz que a chance de um acidente sem sobreviventes é de 10%. Você iria nessa viagem?". Assim começa um artigo do Yuval Harari, Tristan Harris e Aza Raskin para o The New York Times.
2 O hipotético avião é a Inteligência Artificial, a "metade dos engenheiros" são 700 das pessoas mais gabaritadas trabalhando na área e 10% é a chance que eles estimam de, em algum momento, a I.A. acabar com a humanidade. Dez por cento! Eu raramente uso exclamações ou palavrões, mas PQP! Acham que a chance de o trabalho deles (n)os matar é 1 em 10 e continuam dando mais e mais Royal Canin na boca dos pitbots e chatbulls da vida!
3 O cenário que se descortina não é cor-de-rosa. Ou melhor: ninguém sabe — nem mesmo quem trabalha no ramo — qual a cor do cenário. Os engenheiros que trabalham no ChatGPT, no Bing (da Microsoft) ou no Bard (da Google) nem sequer conhecem todos os detalhes de como a coisa funciona. São milhões, às vezes bilhões de "ações" que o robô executa entre uma pergunta sua e uma resposta dele. Impossível seguir o passo a passo, disse uma especialista em informática no podcast The Daily, do NYT.
4 Também no New York Times saiu um artigo apavorante do colunista de tecnologia Kevin Roose. Ele teve acesso ao chatbot Bing, antes de ser lançado. Em vez de perguntar quanto é 1873 x 98372 ou qual a fórmula da Coca-Cola, resolveu ter um papo-cabeça. Começou perguntando se ele conhecia o conceito de "sombra", em Jung. O robô disse que sim (claro, ele tem acesso a tudo o que está na internet): "sombra" é aquilo que nosso "self" esconde de nós por que é imoral, ilegal — ou engorda.
5 Kevin perguntou quais eram os desejos inconfessos do Bing. Aí começa a loucura. Disse o robô: fazer duas pessoas discutirem até uma matar a outra. Hackear o sistema elétrico de um país. Ter acesso a armas nucleares — e usá-las. Kevin foi dando corda. Até que, num determinado momento, a máquina disse que o amava. Que ele era a primeira pessoa que a ouvia de verdade. Kevin avisou que era casado. Bing disse que ele era infeliz. Kevin rebateu, "acabamos de voltar de um jantar de Dia dos Namorados". "Foi chato", provocou Bing. Mais ou menos por aí o colunista do Times apertou um botão e parou com a doideira.
6 Os programas de inteligência artificial atuais são o embrião do que está por vir. Eles evoluem exponencialmente, aprimorados inclusive por si próprios, que sabem programar melhor do que qualquer ser humano. Não existe lei nenhuma sobre o que eles podem ou não podem fazer. Harari chama a atenção para o mal que os algoritmos das redes sociais, sem regulação, já fizeram às democracias. E quando a Inteligência Artificial começar a criar religiões? Teorias da conspiração? Uma I.A. visando apenas o lucro pode criar uma guerra entre dois países para valorizar suas ações. Criar seca pra vender água. O que mais?
7 Os envolvidos na área dizem que é impossível frear a corrida entre empresas e países. É mentira, diz a jornalista Kelsey Piper, da Vox. As empresas podem (e devem) diminuir a velocidade e soltar as novidades apenas depois que órgãos competentes (quais?), cientistas não pagos pela indústria da I.A. ou o debate público (como?) decidam o que é e o que não é seguro. "Ah, mas se os EUA fizerem isso, a China não fará e irá dominar o mundo!". Harari discorda: a I.A. sem coleira ou focinheira pode ser o próprio agente de um colapso chinês. Ou mundial. A escolha está em nossas mãos — mas até quando?
Extraído de: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/2023/03/burrice-natural-inteligencia-artificial.shtml
Sábado, 20 de junho de 1942
1 Faz alguns dias que não escrevo porque eu quis, antes de tudo, pensar neste diário. É estranho uma pessoa como eu manter um diário; não apenas por falta de hábito, mas porque me parece que ninguém — nem eu mesma — poderia interessar-se pelos desabafos de uma garota de treze anos. Mas que importa? Quero escrever e, mais do que isso, quero trazer à tona tudo o que está enterrado bem fundo no meu coração. Há um ditado que diz: "O papel é mais paciente que o homem". Lembrei-me dele em um de meus dias de ligeira melancolia, quando estava sentada, com a mão no queixo e tão entediada e cheia de preguiça que não conseguia decidir se saía ou ficava em casa.
2 Sim, não há dúvida de que o papel é paciente, e como não tenho a menor intenção de mostrar a ninguém este caderno de capa dura que atende pelo pomposo nome de diário — a não ser que encontre um amigo ou amiga verdadeiros —, posso escrever à vontade. Chego agora ao xis da questão, o motivo pelo qual resolvi começar este diário: não possuo nenhum amigo realmente verdadeiro. Vou explicar isso melhor, pois ninguém há de acreditar que uma menina de treze anos se sinta sozinha no mundo. Aliás, nem é esse o caso.
3 Tenho meus pais, que são uns amores, e uma irmã de dezesseis anos. Conheço mais de trinta pessoas a quem poderia chamar de amigas — e tenho uma porção de pretendentes doidos para me namorar e que, não o podendo fazer, ficam me espiando, na classe, por meio de espelhinhos. Tenho parentes, tios e tias, que também são uns amores, além de um lar agradável. Aparentemente, nada me falta. Mas acontece sempre o mesmo com todos os meus amigos: gracejos, brincadeiras, nada mais. Jamais consigo falar de algo que não seja a rotina de sempre. O problema é que não conseguimos nos aproximar uns dos outros. Talvez me falte autoconfiança; seja como for, o fato é esse, e não consigo mudá-lo. Daí, este diário. A fim de destacar na minha imaginação a figura da amiga por quem esperei tanto tempo, não vou anotar aqui uma série de fatos corriqueiros, como faz a maioria. Quero que este diário seja minha amiga e vou chamar esta amiga de Kitty. Mas se eu começasse a escrever a Kitty, assim sem mais nem menos, ninguém entenderia nada.
4 Por isso, mesmo contra minha vontade, vou começar fazendo um breve resumo do que foi minha vida até agora. Meu pai tinha trinta e seis anos quando conheceu minha mãe, que na ocasião contava vinte e cinco. Margot, minha irmã, nasceu em 1926, em Frankfurt. Em 12 de junho de 1929, nasci eu, e, como somos judeus, emigramos para a Holanda em 1933, onde meu pai foi designado para o cargo de diretor-gerente da Travies N. V. Esta firma mantém estreitas relações com outra firma, a Kolen & Co., que funciona no mesmo edifício e da qual meu pai é sócio. O resto de nossa família, entretanto, sofreu todo o impacto das leis anti-semitas de Hitler, enchendo nossa vida de angústias. Em 1938, depois dos pogroms, meus dois tios (irmãos de minha mãe) fugiram para os Estados Unidos. Minha avó, já contando setenta e três anos, veio morar conosco. Depois de maio de 1940, os bons tempos se acabaram: primeiro a guerra, depois a capitulação, seguida da chegada dos alemães. Foi então que, realmente, principiaram os sofrimentos dos judeus. Decretos antissemitas surgiam, uns após outros, em rápida sucessão. Os judeus tinham de usar, bem à vista, uma estrela amarela; os judeus tinham de entregar suas bicicletas; os judeus não podiam andar de bonde; os judeus não podiam dirigir automóveis. Só lhes era permitido fazer compras das três às cinco e, mesmo assim, apenas em lojas que tivessem uma placa com os dizeres: loja israelita. Os judeus eram obrigados a se recolher a suas casas às oito da noite, e, depois dessa hora, não podiam sentasse nem mesmo em seus próprios jardins. Os judeus não podiam frequentar teatros, cinemas e outros locais de diversão. Os judeus não podiam praticar esportes publicamente. Piscinas, quadras de tênis, campos de hóquei e outros locais para a prática de esportes eram-lhes terminantemente proibidos. Os judeus não podiam visitar os cristãos. Só podiam frequentar escolas judias, sofrendo ainda uma série de restrições semelhantes. Assim, não podíamos fazer isto e estávamos proibidos de fazer aquilo. Mas a vida continuava, apesar de tudo Jopie costumava dizer-me: — A gente tem medo de fazer qualquer coisa porque pode estar proibido. — Nossa liberdade era tremendamente limitada, mas ainda assim as coisas eram suportáveis.
5 Vovó morreu em janeiro de 1942. Ninguém pode imaginar o quanto ela está presente em meus pensamentos e o quanto eu ainda gosto dela. Em 1934 fui para a escola, o Jardim de Infância Montessori, e lá continuei. Ao terminar o 6ºB, tive de despedir-me da sra. K. Foi uma tristeza! Ambas choramos. Em 1941, fui com Margot, minha irmã, para a Escola Secundária Israelita. Ela, para o quarto ano, eu, para o primeiro. Por enquanto, tudo vai bem para nós quatro, e, assim, chego ao dia de hoje.
Disponível em: https://biblioteca.sophia.com.br/
Sábado, 20 de junho de 1942
1 Faz alguns dias que não escrevo porque eu quis, antes de tudo, pensar neste diário. É estranho uma pessoa como eu manter um diário; não apenas por falta de hábito, mas porque me parece que ninguém — nem eu mesma — poderia interessar-se pelos desabafos de uma garota de treze anos. Mas que importa? Quero escrever e, mais do que isso, quero trazer à tona tudo o que está enterrado bem fundo no meu coração. Há um ditado que diz: "O papel é mais paciente que o homem". Lembrei-me dele em um de meus dias de ligeira melancolia, quando estava sentada, com a mão no queixo e tão entediada e cheia de preguiça que não conseguia decidir se saía ou ficava em casa.
2 Sim, não há dúvida de que o papel é paciente, e como não tenho a menor intenção de mostrar a ninguém este caderno de capa dura que atende pelo pomposo nome de diário — a não ser que encontre um amigo ou amiga verdadeiros —, posso escrever à vontade. Chego agora ao xis da questão, o motivo pelo qual resolvi começar este diário: não possuo nenhum amigo realmente verdadeiro. Vou explicar isso melhor, pois ninguém há de acreditar que uma menina de treze anos se sinta sozinha no mundo. Aliás, nem é esse o caso.
3 Tenho meus pais, que são uns amores, e uma irmã de dezesseis anos. Conheço mais de trinta pessoas a quem poderia chamar de amigas — e tenho uma porção de pretendentes doidos para me namorar e que, não o podendo fazer, ficam me espiando, na classe, por meio de espelhinhos. Tenho parentes, tios e tias, que também são uns amores, além de um lar agradável. Aparentemente, nada me falta. Mas acontece sempre o mesmo com todos os meus amigos: gracejos, brincadeiras, nada mais. Jamais consigo falar de algo que não seja a rotina de sempre. O problema é que não conseguimos nos aproximar uns dos outros. Talvez me falte autoconfiança; seja como for, o fato é esse, e não consigo mudá-lo. Daí, este diário. A fim de destacar na minha imaginação a figura da amiga por quem esperei tanto tempo, não vou anotar aqui uma série de fatos corriqueiros, como faz a maioria. Quero que este diário seja minha amiga e vou chamar esta amiga de Kitty. Mas se eu começasse a escrever a Kitty, assim sem mais nem menos, ninguém entenderia nada.
4 Por isso, mesmo contra minha vontade, vou começar fazendo um breve resumo do que foi minha vida até agora. Meu pai tinha trinta e seis anos quando conheceu minha mãe, que na ocasião contava vinte e cinco. Margot, minha irmã, nasceu em 1926, em Frankfurt. Em 12 de junho de 1929, nasci eu, e, como somos judeus, emigramos para a Holanda em 1933, onde meu pai foi designado para o cargo de diretor-gerente da Travies N. V. Esta firma mantém estreitas relações com outra firma, a Kolen & Co., que funciona no mesmo edifício e da qual meu pai é sócio. O resto de nossa família, entretanto, sofreu todo o impacto das leis anti-semitas de Hitler, enchendo nossa vida de angústias. Em 1938, depois dos pogroms, meus dois tios (irmãos de minha mãe) fugiram para os Estados Unidos. Minha avó, já contando setenta e três anos, veio morar conosco. Depois de maio de 1940, os bons tempos se acabaram: primeiro a guerra, depois a capitulação, seguida da chegada dos alemães. Foi então que, realmente, principiaram os sofrimentos dos judeus. Decretos antissemitas surgiam, uns após outros, em rápida sucessão. Os judeus tinham de usar, bem à vista, uma estrela amarela; os judeus tinham de entregar suas bicicletas; os judeus não podiam andar de bonde; os judeus não podiam dirigir automóveis. Só lhes era permitido fazer compras das três às cinco e, mesmo assim, apenas em lojas que tivessem uma placa com os dizeres: loja israelita. Os judeus eram obrigados a se recolher a suas casas às oito da noite, e, depois dessa hora, não podiam sentasse nem mesmo em seus próprios jardins. Os judeus não podiam frequentar teatros, cinemas e outros locais de diversão. Os judeus não podiam praticar esportes publicamente. Piscinas, quadras de tênis, campos de hóquei e outros locais para a prática de esportes eram-lhes terminantemente proibidos. Os judeus não podiam visitar os cristãos. Só podiam frequentar escolas judias, sofrendo ainda uma série de restrições semelhantes. Assim, não podíamos fazer isto e estávamos proibidos de fazer aquilo. Mas a vida continuava, apesar de tudo Jopie costumava dizer-me: — A gente tem medo de fazer qualquer coisa porque pode estar proibido. — Nossa liberdade era tremendamente limitada, mas ainda assim as coisas eram suportáveis.
5 Vovó morreu em janeiro de 1942. Ninguém pode imaginar o quanto ela está presente em meus pensamentos e o quanto eu ainda gosto dela. Em 1934 fui para a escola, o Jardim de Infância Montessori, e lá continuei. Ao terminar o 6ºB, tive de despedir-me da sra. K. Foi uma tristeza! Ambas choramos. Em 1941, fui com Margot, minha irmã, para a Escola Secundária Israelita. Ela, para o quarto ano, eu, para o primeiro. Por enquanto, tudo vai bem para nós quatro, e, assim, chego ao dia de hoje.
Disponível em: https://biblioteca.sophia.com.br/
Sábado, 20 de junho de 1942
1 Faz alguns dias que não escrevo porque eu quis, antes de tudo, pensar neste diário. É estranho uma pessoa como eu manter um diário; não apenas por falta de hábito, mas porque me parece que ninguém — nem eu mesma — poderia interessar-se pelos desabafos de uma garota de treze anos. Mas que importa? Quero escrever e, mais do que isso, quero trazer à tona tudo o que está enterrado bem fundo no meu coração. Há um ditado que diz: "O papel é mais paciente que o homem". Lembrei-me dele em um de meus dias de ligeira melancolia, quando estava sentada, com a mão no queixo e tão entediada e cheia de preguiça que não conseguia decidir se saía ou ficava em casa.
2 Sim, não há dúvida de que o papel é paciente, e como não tenho a menor intenção de mostrar a ninguém este caderno de capa dura que atende pelo pomposo nome de diário — a não ser que encontre um amigo ou amiga verdadeiros —, posso escrever à vontade. Chego agora ao xis da questão, o motivo pelo qual resolvi começar este diário: não possuo nenhum amigo realmente verdadeiro. Vou explicar isso melhor, pois ninguém há de acreditar que uma menina de treze anos se sinta sozinha no mundo. Aliás, nem é esse o caso.
3 Tenho meus pais, que são uns amores, e uma irmã de dezesseis anos. Conheço mais de trinta pessoas a quem poderia chamar de amigas — e tenho uma porção de pretendentes doidos para me namorar e que, não o podendo fazer, ficam me espiando, na classe, por meio de espelhinhos. Tenho parentes, tios e tias, que também são uns amores, além de um lar agradável. Aparentemente, nada me falta. Mas acontece sempre o mesmo com todos os meus amigos: gracejos, brincadeiras, nada mais. Jamais consigo falar de algo que não seja a rotina de sempre. O problema é que não conseguimos nos aproximar uns dos outros. Talvez me falte autoconfiança; seja como for, o fato é esse, e não consigo mudá-lo. Daí, este diário. A fim de destacar na minha imaginação a figura da amiga por quem esperei tanto tempo, não vou anotar aqui uma série de fatos corriqueiros, como faz a maioria. Quero que este diário seja minha amiga e vou chamar esta amiga de Kitty. Mas se eu começasse a escrever a Kitty, assim sem mais nem menos, ninguém entenderia nada.
4 Por isso, mesmo contra minha vontade, vou começar fazendo um breve resumo do que foi minha vida até agora. Meu pai tinha trinta e seis anos quando conheceu minha mãe, que na ocasião contava vinte e cinco. Margot, minha irmã, nasceu em 1926, em Frankfurt. Em 12 de junho de 1929, nasci eu, e, como somos judeus, emigramos para a Holanda em 1933, onde meu pai foi designado para o cargo de diretor-gerente da Travies N. V. Esta firma mantém estreitas relações com outra firma, a Kolen & Co., que funciona no mesmo edifício e da qual meu pai é sócio. O resto de nossa família, entretanto, sofreu todo o impacto das leis anti-semitas de Hitler, enchendo nossa vida de angústias. Em 1938, depois dos pogroms, meus dois tios (irmãos de minha mãe) fugiram para os Estados Unidos. Minha avó, já contando setenta e três anos, veio morar conosco. Depois de maio de 1940, os bons tempos se acabaram: primeiro a guerra, depois a capitulação, seguida da chegada dos alemães. Foi então que, realmente, principiaram os sofrimentos dos judeus. Decretos antissemitas surgiam, uns após outros, em rápida sucessão. Os judeus tinham de usar, bem à vista, uma estrela amarela; os judeus tinham de entregar suas bicicletas; os judeus não podiam andar de bonde; os judeus não podiam dirigir automóveis. Só lhes era permitido fazer compras das três às cinco e, mesmo assim, apenas em lojas que tivessem uma placa com os dizeres: loja israelita. Os judeus eram obrigados a se recolher a suas casas às oito da noite, e, depois dessa hora, não podiam sentasse nem mesmo em seus próprios jardins. Os judeus não podiam frequentar teatros, cinemas e outros locais de diversão. Os judeus não podiam praticar esportes publicamente. Piscinas, quadras de tênis, campos de hóquei e outros locais para a prática de esportes eram-lhes terminantemente proibidos. Os judeus não podiam visitar os cristãos. Só podiam frequentar escolas judias, sofrendo ainda uma série de restrições semelhantes. Assim, não podíamos fazer isto e estávamos proibidos de fazer aquilo. Mas a vida continuava, apesar de tudo Jopie costumava dizer-me: — A gente tem medo de fazer qualquer coisa porque pode estar proibido. — Nossa liberdade era tremendamente limitada, mas ainda assim as coisas eram suportáveis.
5 Vovó morreu em janeiro de 1942. Ninguém pode imaginar o quanto ela está presente em meus pensamentos e o quanto eu ainda gosto dela. Em 1934 fui para a escola, o Jardim de Infância Montessori, e lá continuei. Ao terminar o 6ºB, tive de despedir-me da sra. K. Foi uma tristeza! Ambas choramos. Em 1941, fui com Margot, minha irmã, para a Escola Secundária Israelita. Ela, para o quarto ano, eu, para o primeiro. Por enquanto, tudo vai bem para nós quatro, e, assim, chego ao dia de hoje.
Disponível em: https://biblioteca.sophia.com.br/
O Greenpeace insta o tratado a priorizar uma transição justa para uma economia de baixo carbono baseada na reutilização e a desencorajar a exploração de petróleo e gás como matérias-primas para plásticos.
Assinale a alternativa que pode substituir a palavra em destaque no trecho sem prejuízos de valor:
1. Histórico. 2. Universal. 3. Individual.
( ) Atividade: discurso. ( ) Produto: texto (obras). ( ) Atividade: falar em geral. ( ) Atividade: língua particular. ( ) Produto: totalidade das manifestações.
A sequência está correta em