Questões de Português - Variação Linguística para Concurso
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É assim que o personagem desta história começaria a conversar com você. Também não poderia ser diferente. Criado no mundo dos tatus, ele só podia mesmo falar tatuês. Assim, Lino logo aprendeu a falar como tatu, comer como tatu, e viver como tatu. Porque, apesar do mundo dos tatus ser bem diferente do nosso, tem uma coisa que é igualzinha: bicho criado fica igual ao bicho pai. Nisso não há dúvida, é só olhar para o Lino que a gente esquece que ele nasceu passarinho.
E foi assim que tudo começou: com um PLACT!
Quando ouviram aquele barulhinho, tatu Raul e dona Malu correram para ver o que era. Que surpresa! Bem ali, no meio da cama deles, tinha caído um ovo, que logo se rachou. De dentro, ainda com cara de passarinho, saiu Lino, que cantava sem parar. Tatu Raul olhou para o teto e disse:
— Puxa, esqueci de consertatatar essa goteteteira. Deve teteter uma árvore bem aí em cima da gentetete. O coitatatadinho caiu do ninho.
Márcia Cristina Silva. Olhos de violino. São Paulo: FTD, p. 5-8 (com adaptações).
Em relação aos sentidos e a aspectos linguísticos e estilísticos do texto acima, julgue o item subsequente.
A realização da vogal média e da consoante linguodental surda das palavras “consertar", “goteira" e “gente" é invariável no português do Brasil.
Os dados do Ranking Universitário publicados em setembro de 2013 trazem elementos para que tentemos desfazer o mito, que consta da Constituição, de que pesquisa e ensino são indissociáveis. É claro que universidades que fazem pesquisa tendem a reunir a nata dos especialistas, produzir mais inovação e atrair os alunos mais qualificados, tornando-se assim instituições que se destacam também no ensino.
O Ranking Universitário mostra essa correlação de forma cristalina: das 20 universidades mais bem avaliadas em termos de ensino, 15 lideram no quesito pesquisa (e as demais estão relativamente bem posicionadas). Das 20 que saem à frente em inovação, 15 encabeçam também a pesquisa. Daí não decorre que só quem pesquisa, atividade estupidamente cara, seja capaz de ensinar.
O gasto médio anual por aluno numa das três universidades estaduais paulistas, aí embutidas todas as despesas que contribuem direta e indiretamente para a boa pesquisa, incluindo inativos e aportes de Fapesp, CNPq e Capes, é de R$ 46 mil (dados de 2008). Ora, um aluno do ProUni custa ao governo algo em torno de R$ 1.000 por ano em renúncias fiscais.
Não é preciso ser um gênio da aritmética para perceber que o país não dispõe de recursos para colocar os quase sete milhões de universitários em instituições com o padrão de investimento das estaduais paulistas. E o Brasil precisa aumentar rapidamente sua população universitária. Nossa taxa bruta de escolarização no nível superior beira os 30%, contra 59% do Chile e 63% do Uruguai.
Isso para não mencionar países desenvolvidos como EUA (89%) e Finlândia (92%). Em vez de insistir na ficção constitucional de que todas as universidades do país precisam dedicar-se à pesquisa, faria mais sentido aceitar o mundo como ele é e distinguir entre instituições de elite voltadas para a produção de conhecimento e as que se destinam a difundi-lo. O Brasil tem necessidade de ambas.
(Hélio Schwartsman. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br, 10.09.2013. Adaptado)
A morte do narrador
Recentemente recebi um
e-mail de uma leitora perguntando a razão de eu ter, segundo ela, uma visão tão dura para com os idosos. O motivo da sua pergunta era eu ter dito, em uma de minhas colunas, que hoje em dia não existiam mais vovôs e vovós, porque estavam todos na academia querendo parecer com seus netos.
Claro, minha leitora me entendeu mal. Mas o fato de ela ter me entendido mal, o que acontece com frequência quando se discute o tema da velhice, é comum, principalmente porque o próprio termo “velhice" já pede sinônimos politicamente corretos, como “terceira idade", “melhor idade", “maturidade", entre outros.
Uma característica do politicamente correto é que, quando ele se manifesta num uso linguístico específico, é porque esse uso se refere a um conceito já considerado como algo ruim. A marca essencial do politicamente correto é a hipocrisia articulada como gesto falso, ideias bem comportadas.
Voltando à velhice. Minha leitora entendeu que eu dizia que idosos devem se afundar na doença, na solidão e no abandono, e não procurar ser felizes. Mas, quando eu dizia que eles estão fugindo da condição de avós, usava isso como metáfora da mentira (politicamente correta) quanto ao medo que temos de afundar na doença, antes de tudo psicológica, devido ao abandono e à solidão, típicos do mundo contemporâneo. Minha crítica era à nossa cultura, e não às vítimas dela. Ela cultua a juventude como padrão de vida e está intimamente associada ao medo do envelhecimento, da dor e da morte. Sua opção é pela “negação", traço de um dos sintomas neuróticos descritos por Freud.
Walter Benjamim, filósofo alemão do século XX, dizia que na modernidade o narrador da vida desapareceu. Isso quer dizer que as pessoas encarregadas, antigamente, de narrar a vida e propor sentido para ela perderam esse lugar. Hoje os mais velhos querem “aprender" com os mais jovens (aprender a amar, se relacionar, comprar, vestir, viajar, estar nas redes sociais). Esse fenômeno, além de cruel com o envelhecimento, é também desorganizador da própria juventude. Ouço cotidianamente, na sala de aula, os alunos demonstrarem seu desprezo por pais e mães que querem aprender a viver com eles.
Alguns elementos do mundo moderno não ajudam a combater essa desvalorização dos mais velhos. As ferramentas de informação, normalmente mais acessíveis aos jovens, aumentam a percepção negativa dos mais velhos diante do acúmulo de conhecimento posto a serviço dos consumidores, que questionam as “verdades constituídas do passado". A própria estrutura sobre a qual se funda a experiência moderna – ciência, técnica, superação de tradição – agrava a invisibilidade dos mais velhos. Em termos humanos, o passado (que “nada" serve ao mundo do progresso) tem um nome: idoso. Enfim, resta aos vovôs e vovós ir para a academia ou para as redes sociais.
(Luiz Felipe Pondé,
Somma, agosto 2014, p. 31. Adaptado)
Sou um tipo meio fatalista. Acho que a vida dá voltas. Um amigo meu, Luís, casou-se com Cláudia, uma mulher egoísta. Ele era filho único, de mãe separada e sem pensão. Durante algum tempo, a mãe de Luís foi sustentada pelo próprio tio, um solteirão. Quando este faleceu, começaram as brigas domésticas: Cláudia não admitia que Luís desse dinheiro à mãe. Ele era um rapaz de classe média. Por algum tempo, arrumou trabalhos extras para ajudar a idosa.
Convencido pela esposa, ele mudou-se para longe. Visitava a mãe uma vez por ano. Para se livrar da questão financeira, Luís convenceu a mãe a vender o apartamento. Durante alguns anos, ela viveu desse dinheiro. Muitas vezes, lamentava a falta do filho, mas o que fazer? Luís, sempre tão ocupado, viajando pelo mundo todo, não tinha tempo disponível. Na casa da mãe, faltou até o essencial. E ela faleceu sozinha.
O tempo passou. Hoje, Luís, antes um profissional disputado, está desempregado. Foi obrigado a se instalar com a família na casa dos sogros, onde é atormentado diariamente. A filha de Luís e Cláudia cresceu e saiu de casa. Quer seguir seu próprio rumo!
Luís não tem renda, nem bens. Está quase se divorciando. Ficou fora do mercado de trabalho. O que vai acontecer? A filha cuidará dele? Tenho dúvidas,porque ele não a ensinou com seu próprio exemplo.
A vida é um eterno ciclo afetivo. Em uma época todos nós somos filhos. Em outra, tornamo-nos pais: é a nossa vez de cuidar de quem cuidou de nós.
(Walcyr Carrasco. http://vejasp.abril.com.br. Acesso em 30.12.2013. Adaptado)