Sobre a relação entre pesquisas linguísticas que se tornam (ou não) de amplo conhecimento dos docentes e aplicáveis ao ensino, Oliveira afirma:
"A linguagem é um objeto de estudo que se presta a múltiplas abordagens [...] Há
uma constante produção de saber nessas áreas, tanto no Brasil quanto no exterior,
e os conhecimentos produzidos ou não são levados em conta no ensino escolar
ou são para ele transplantados sem a devida aclimatação, sem que sejam, portanto, verdadeiramente aplicados ao ensino.
Há pouco tempo, por exemplo, uma linguista teórica declarou, em matéria publicada num jornal de grande circulação, que não há mal em se colocar vírgula entre
o sujeito e o predicado, com o argumento de que, na fala, é possível a ocorrência
de pausa entre esses dois constituintes, como parte de um processo de topicalização. De fato, a pausa após o sujeito é possível na fala e pode estar a serviço da
topicalização, ou seja, pode-se pronunciar uma frase como “O Paulo vai casar com
a Renata” com uma pausa depois de Paulo, destinada a fazer do sujeito o tópico
da frase, ou, em linguagem mais “leiga”, destinada a dar um destaque ao sujeito.
[...]
Há, contudo, um equívoco no raciocínio da linguista. As regras de pontuação da
gramática escolar, praticadas na variedade formal culta da língua, só permitem a
vírgula quando a topicalização resulta na ordem inversa, deslocando para o início
da frase constituintes que normalmente ficariam depois do verbo, como o objeto
direto e o indireto. O que acontece é que o mais forte “candidato” a sofrer topicalização é precisamente o sujeito, que é frequentemente o tema da oração.
Legitimar o uso da vírgula entre o sujeito e o predicado em nome da topicalização
é o mesmo que legitimar formas como “mantesse”, “suposse”, “opita” etc. em nome
da analogia. O raciocínio do tipo “resulta da analogia (ou da topicalização), logo é
aceitável” parte de uma premissa falsa: a de que todo fato linguístico que resulta
de um conjunto de operações mentais é válido, no sentido de pedagogicamente
válido, isto é, de hábito linguístico que o professor deve estimular o aluno a cultivar.
Como todos os fenômenos de uso do idioma resultam de tais operações, todos
seriam didaticamente válidos. Portanto, da possibilidade de se topicalizar o sujeito
não se conclua que se deva estimular o aluno a, na língua escrita, empregar vírgula
nessa posição, como não se pode concluir do fato de “mantesse”, “suposse” e
“opita” resultarem da analogia (como de fato resultam) que não se devam corrigir
essas formas na redação do aluno."
OLIVEIRA, Helênio Gonçalves. Como tornar as teorias sobre a linguagem aplicáveis ao
ensino do português. RJ: UERJ, s/d. Disponível em http://www.filologia.org.br/ixcnlf/17/10.htm. Acesso em 06 ago. 2017.