Incontáveis nas ruas
Com 227 mil em cadastro, população sem teto deve ser mais bem apurada e atendida.
O aumento da população de rua nos últimos anos é fenômeno que tem sido observado e mensurado em metrópoles
brasileiras, mas suas dimensões precisas são difíceis de apurar – por motivos óbvios.
Trata-se, em grande parte dos casos, de pessoas sem rotina definida, que podem estar num bairro hoje e noutro amanhã;
muitas analfabetas, sem documentos e em estado precário de saúde física ou mental para responder sobre sua situação. Elas
estão fora, ademais, do censo oficial do IBGE, que procura por cidadãos domiciliados.
São importantes, nesse contexto, os dados reunidos pelo pesquisador Marco Antônio Carvalho Natalino, do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, ligado à administração federal). Com base em informações no cadastro governamental de
famílias de baixa renda, o trabalho encontrou 227,1 mil moradores de rua no país neste ano.
O número está possivelmente subestimado, já que nem todas as pessoas em tal situação estão nos registros. A quantidade
sobe ano a ano, o que em alguma medida pode ser explicado pela ampliação do cadastro, sobretudo quando se consideram
prazos mais longos. Mas há evidências do aumento e causas plausíveis a considerar.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, um censo encomendado pela prefeitura constatou que a população de rua teve um
salto de 31% durante a pandemia de Covid-19, crescendo de 24,3 mil em 2019 para 31,9 mil em 2021.
A crise sanitária gerou um dos momentos econômicos dramáticos dos últimos anos. Antes dela, a profunda recessão de
2014-16 elevou o desemprego e a pobreza. A recuperação posterior ainda se mostra incipiente e acidentada.
Falta de oportunidades no mercado de trabalho é, como se pode intuir, um dos principais motivos que levam indivíduos a
morar nas ruas – apontado por 40,5%, em declarações ao cadastro oficial.
A causa mais citada, no entanto, são problemas familiares, com 47,3%, enquanto o consumo de álcool e outras drogas é
mencionado por 30,4% (os cadastrados podem citar mais de um fator).
Está-se diante de um fenômeno multifatorial, que vai além da questão econômica e demanda ações de diferentes esferas
de governo.
A contagem e a identificação mais completa dos moradores ainda desafiam a política pública. É preciso viabilizar que tais
pessoas tenham acesso aos benefícios sociais do Estado, sobretudo o Bolsa Família. No âmbito local, há que buscar desde
alternativas habitacionais a segurança e cuidados com dependentes químicos.
Não existe, infelizmente, solução rápida, muito menos fácil. O melhor começo, de todo modo, é um diagnóstico mais
preciso.
(Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/. Acesso em: 20/01/2024.)