O “JURIDIQUÊS” EM TEXTOS JURÍDICOS
Uma linguagem evasiva, com o uso recorrente e
desnecessário de adjetivos e advérbios, bem como de expressões
ambíguas, termos rebuscados, excesso de latinismo, frases
redundantes e parágrafos longos, conhecida como “juridiquês”,
quando adotada por operadores do Direito, pode comprometer o
entendimento, sobretudo do cidadão comum, e até mesmo tornarse uma barreira para o acesso à Justiça. Para ilustrar, vejamos a
seguir alguns exemplos encontrados em textos jurídicos.
Termos e expressões rebuscados e/ou arcaicos:
“abroquelar” (fundamentar); “apelo extremo” (recurso
extraordinário); “autarquia ancilar” (INSS); "cártula chéquica" (folha
de cheque); “caderno indiciário” (inquérito policial); “com espeque
/ fincas / supedâneo no artigo” (com base no artigo); “consorte
supérstite” (viúvo/a); “consorte virago” (esposa); “despiciendo”
(desprezível); "ergástulo público" (cadeia); “exordial increpatória”
(denúncia – peça inicial do processo criminal); “fulcro”
(fundamento); “indigitado” (réu); “vistor” (perito). [...]
Fragmento de petição encaminhada ao Superior Tribunal Militar:
"O alcândor Conselho Especial de Justiça, na sua apostura
irrepreensível, foi correto e acendrado no seu decisório. É certo
que o Ministério Público tem o seu lambel largo no exercício do
poder de denunciar. Mas nenhum lambel o levaria a pouso cinéreo
se houvesse acolitado o pronunciamento absolutório dos nobres
alvarizes"
Quantos termos raros! Sem dúvida, com o intuito de mostrar
erudição, o autor construiu um texto hermético, dificultando a
compreensão. Traduzindo de modo mais “palatável”, diríamos:
“O distinto Conselho Especial de Justiça, em sua atitude
irrepreensível, foi correto e objetivo em sua decisão. É certo que o
Ministério Público tem ampla competência (atribuição) no exercício
do poder de denunciar. Mas nenhuma competência poderia levar
a uma atitude incerta como a de aceitar o pronunciamento de
absolvição dos nobres magistrados.”
Por fim, transcrevemos abaixo um parágrafo em “juridiquês”,
na versão original, e o mesmo parágrafo, simplificado pela
professora Hélide Santos Campos, da UNIP, extraídos do site do
Conjur.
Texto em “juridiquês”
“V. Ex.a
, data maxima venia, não adentrou às entranhas
meritórias doutrinárias e jurisprudenciais acopladas na inicial, que
caracterizam, hialinamente, o dano sofrido.”
Texto simplificado
“V. Ex.a não observou devidamente a doutrina e a jurisprudência
citadas na inicial, que caracterizam, claramente, o dano sofrido.”
Sabemos que a maioria dos operadores do Direito tem uma
noção precisa sobre o quão importante é se expressar de maneira
clara, evitando o uso de jargões que podem suscitar dúvidas e
afastar, em vez de acolher, aquele que é a razão de seu próprio
trabalho: o jurisdicionado, ou, no caso dos advogados, o cliente.
Ainda assim, recorremos a exemplos extremos como esses
para propiciar uma reflexão sobre a real necessidade de estarmos
atentos ao uso de um vocabulário claro, mesmo quando se deve
fazer uso de termos mais técnicos.
O importante é sempre partirmos do pressuposto de que
nosso interlocutor não possui necessariamente o mesmo nível de
compreensão de um assunto nem a mesma intimidade com uma
modalidade de texto que nos parece tão cotidiana ou trivial.
Na próxima publicação, vamos tratar de outro “vício” comum
no “juridiquês”, o uso excessivo de expressões latinas.
Fonte: https://www.trf3.jus.br/emag/emagconecta/conexaoemag-lingua-portuguesa/
o-juridiques-em-textos-juridicos. Acesso em 11/11/2024. Excertos. Texto adaptado