É entre os moralistas e os educadores do século XVII que vemos formar-se esse outro sentimento
da infância que estudamos no capítulo anterior e que inspirou toda a educação até o século XX, tanto na
cidade como no campo, na burguesia como no povo. O apego à infância e à sua particularidade não se
exprimia mais através da distração e da brincadeira, mas através do interesse psicológico e da
preocupação moral. A criança não era nem divertida nem agradável: “Todo homem sente dentro de si essa
insipidez da infância que repugna à razão sadia; essa aspereza da juventude, que só se sacia com objetos
sensíveis e não é mais do que o esboço grosseiro do homem racional”. Assim falava El Discreto de
Balthazar Gratien, um tratado sobre a educação de 1646, traduzido para o francês em 1723 por um padre
jesuíta. “Só o tempo pode curar o homem da infância e da juventude, idades da imperfeição sob todos os
aspectos.” Como vemos, essas opiniões devem ser recolocadas em seu contexto da época e comparadas
aos outros textos para serem compreendidas. Elas já foram interpretadas por alguns historiadores como
uma ignorância da infância. No entanto, devemos ver nelas o início de um sentimento sério e autêntico da
infância. Pois não convinha ao adulto se acomodar à leviandade da infância: este fora o erro antigo. Era
preciso antes conhecê-la melhor para corrigi-la, e os textos do fim do século XVI e do século XVII estão
cheios de observações sobre a psicologia infantil. Tentava-se penetrar na mentalidade das crianças para
melhor adaptar a seu nível os métodos de educação. Pois as pessoas se preocupavam muito com as
crianças, consideradas, testemunhos da inocência batismal, semelhantes aos anjos e próximas a Cristo,
que as havia amado. Mas esse interesse impunha que se desenvolvesse nas crianças uma razão ainda
frágil e que se fizesse delas homens racionais e cristãos. O tom às vezes era austero e a ênfase recaía
sobre a severidade, por oposição ao relaxamento e às facilidades dos costumes; mas nem sempre era
assim. Havia também o humor, até mesmo em Jacqueline Pascal, e havia uma ternura declarada. No final
do século, procurou-se conciliar doçura e a razão. Para o abade Goussault, conselheiro do Parlamento,
em Le Portrait d’une honnête femme, “familiarizar-se com os próprios filhos, fazê-los falar sobre todas as
coisas, tratá-los como pessoas racionais e conquistá-los pela doçura é um segredo infalível para se fazer
deles o que se quiser. As crianças são plantas jovens que é preciso cultivar e regar com frequência:
alguns conselhos dados na hora certa, algumas demonstrações de ternura e amizade feitas de tempos em
tempos as comovem e as conquistam. Algumas carícias, alguns presentinhos, algumas palavras de
confiança e cordialidade impressionam seu espírito, e poucas são as que resistem a esses meios doces e
fáceis de transformá-las em pessoas honradas e probas”. A preocupação era sempre a de fazer dessas
crianças pessoas honradas e probas e homens racionais.
(Fragmento) (ARIÈS, Phillipe. História social da criança e da família. Tradução de Dora Flaksman. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1978, p. 162-163)