No auge da brabeza global pela compra do Twitter, por
Erlon Musk, li um curioso argumento, dito por um ativista de
redes sociais. Segundo ele, toda vez que Musk fica mais rico,
a humanidade ficaria mais pobre. Na sua cabeça, a riqueza
global deve ser como uma espécie de bolo gigante, de modo
que, se algum guloso pega um naco muito grande para si,
sobra menos para os demais. Uma deputada resolveu ser mais
direta: bilionários “nem deveriam existir”, disse ela. Me caiu os
butiá dos bolso*, como se diz lá no Sul. O que o sujeito faria,
exatamente, se abrisse uma empresa e ela começasse a crescer? Se, vendendo sua participação, outros ficassem bilionários? Por que ele continuaria investindo e fazendo negócios?
Por esporte? Desconfio que não ia funcionar.
Há uma enorme confusão aí sobre como se gera valor e
como alguém se torna um bilionário, em uma economia de
mercado. O bilionário que eu mais ajudo a ser um bilionário
é Jeff Bezos. Não compro ações, mas livros, em sua loja virtual. Eu poderia comprar ali na livraria do bairro, que segura
as pontas como pode, mas acabo não me dando ao trabalho.
Às vezes penso que estou sendo egoísta fazendo isso. Em
todo caso, ao menos no que me diz respeito, a teoria daquele
ativista não funciona. A cada vez que eu compro um livro lá,
Bezos fica mais rico e eu de bem com a vida.
Há quem ache que exista uma “aristocracia global”, transmitindo sua fortuna de geração em geração. De fato, há muita
gente que herda sua fortuna. Não vejo problema nisso. Há os
que investem ainda mais, geram ainda mais riqueza, e outros
torram tudo. Me lembro das histórias de pessoa gastando até
o último centavo e batendo as botas sem um vintém, num
hotel de luxo. Há os que ganham pelo casamento, como a
ex-mulher do Bezos, Mackenzie Scott, que se tornou uma das
mais ativas filantropas do planeta. Semanas atrás, doou 27
milhões de reais à ONG brasileira Gerando Falcões, focada
em criar oportunidades para jovens de menor renda.
A primeira coisa interessante a discutir sobre os bilionários é sobre como foi obtido o dinheiro. Se o sujeito cria uma
empresa inovadora, oferecendo algo que melhore a vida das
pessoas, temos mais é que contar a sua história em nossas
escolas e inspirar mais jovens nessa direção. Foi o que fez
Pedro Franceschi, guri carioca de 25 anos que criou uma fintech** inovadora, de cartões de crédito. E este ano consta lá
da lista dos mais ricos, da Forbes, com 1,5 bilhão. Vai fazer o
que com Pedro? Pedir a ele que devolva meio bilhão? Pedir
para ele se aposentar? De minha parte, acho o oposto. É
bom que ele exista, e que o seu sucesso sirva de exemplo.
Ideias inovadoras fazem o mundo andar para a frente.
O que realmente deveríamos combater é a riqueza obtida
da fraude, dos privilégios criados para alguns.
O que realmente deveríamos fazer é mudar o disco. Em vez
do ranço contra quem inova e gera valor, perder o sono com o
que se passa na base da pirâmide. Perguntar como é possível,
em pleno 2022, que um quarto da população viva em situação de pobreza ou extrema pobreza e que ensinemos menos de
5% do que nossos alunos deveriam saber de matemática, nas
redes públicas, no fim do ensino médio, depois imaginando que
eles terão boas chances no mercado de trabalho.
É preciso olhar para a frente, em vez de tomar, todo santo
dia, o veneno das velhas ideias.
(Revista Veja, 11 de maio de 2022. Adaptado)
* Me caiu os butiá dos bolso = expressão regionalista típica do Rio Grande
do Sul. Usa-se para dizer que a pessoa está impressionada, assustada.
** fintech = termo que surgiu da união das palavras “financial” e “technology”
= tecnologia e inovação aplicadas na solução de serviços financeiros.
O acento indicativo da crase está empregado de acordo
com a norma-padrão na seguinte frase reescrita: