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Q2464842 Direito Administrativo
A respeito da origem do Direito Administrativo, assinale a alternativa correta. 
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Trata-se de questão referente ao tema origem do direito administrativo.

De plano, todavia, é preciso pontuar que a presente questão pode ser bem respondida à luz de valioso artigo doutrinário, da lavra de Gustavo Binenbojm, sob o título "Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: Um novo paradigma para o direito administrativo", por meio do qual o articulista procura demonstrar o equívoco da propagada origem do direito administrativo, baseada em ideias liberais vinculadas aos princípios da legalidade, da separação de poderes, assim como da subordinação estatal às leis.

Acerca desta visão clássica da origem do direito administrativo, cite-se, por exemplo, o seguinte trecho da obra de Maria Sylvia Di Pietro:

"(...)a formação do Direito Administrativo, como ramo autônomo, teve início, juntamente com o direito constitucional e outros ramos do direito público, a partir do momento em que começou a desenvolver-se - já na fase do Estado Moderno - o conceito de Estado de Direito, estruturado sobre o princípio da legalidade (em decorrência do qual até mesmo os governantes se submetem à lei, em especial à lei fundamental que é a Constituição) e sobre o princípio da separação de poderes, que tem por objetivo assegurar a proteção dos direitos individuais, não apenas nas relações entre particulares, mas também entre estes e o Estado."

Ocorre que, como acima adiantado, essa visão tradicional não conta com absoluto consenso doutrinário. Com efeito, no trabalho acima indicado, de autoria de Gustavo Binenbojm, referidos ensinamentos clássicos sofrem severas críticas, o que pode ser bem visualizado pela leitura do primeiro parágrafo do aludido artigo, que abaixo transcrevo, a título introdutório:

"Narra a história oficial que o direito administrativo nasceu da subordinação do poder à lei e da correlativa definição de uma pauta de direitos individuais que passavam a vincular a Administração Pública. Essa noção garantística do direito administrativo, que se teria formado a partir do momento em que o poder aceita submeter-se ao direito e, por via reflexa, aos direitos dos cidadãos, alimentou
o mito de uma origem milagrosa
e de categorias jurídicas exorbitantes do direito comum, cuja justificativa teórica seria a de melhor atender à consecução do interesse público."

Vê-se, assim, como o citado autor inicia seu raciocínio com vistas a procurar desconstruir a ideia concebida pela doutrina tradicional, relativa à origem do direito administrativo.

Como dito acima, a presente questão, extremamente complexa e aprofundada, sobretudo para uma prova objetiva, diga-se de passagem, intencionou explorar conhecimentos acerca desta visão menos tradicional, por assim dizer.

Firmadas estas premissas, analisemos cada item, em busca da opção correta:

a) Certo:

Realmente, para parcela relevante da doutrina, o Direito Administrativo tem sua concepção vinculada à jurisprudência francesa, notadamente por meio da participação ativa do Conselho de Estado francês.

Como consabido, a França adota do modelo dualista de jurisdição, ao contrário do nosso sistema, baseada na ideia de unicidade de jurisdição. Nesse sistema, existem duas estruturas jurisdicionais em paralelo, uma destinada a analisar controvérsias que envolvam órgãos e entidades da Administração, cujo órgão de cúpula vem a ser justamente o Conselho de Estado. De outro lado, existem os tribunais competente para exame de casos envolvendo apenas os particulares.

Acerca da contribuição da jurisprudência francesa para a formação de tal disciplina, veja-se a seguinte passagem da obra de Di Pietro:

"Mas foi graças principalmente à elaboração jurisprudencial do Conselho de Estado francês que se construiu o Direito Administrativo.
O apego ao princípio da separação de poderes e a desconfiança em relação aos juízes do velho regime serviram de fundamento para a criação, na França, da jurisdição administrativa (o contencioso administrativo), ao lado da jurisdição comum, instituindo-se, dessa forma, o sistema da dualidade de jurisdição."

E, quanto à apontada contradição existente nessa visão clássica, cite-se o seguinte trecho extraído artigo doutrinário acima mencionado, da lavra de Gustavo Binenbojm:

“A conhecida origem pretoriana do direito administrativo, como construção jurisprudencial do Conselho de Estado derrogatória do direito comum, traz em si esta contradição: a criação de um direito especial da Administração Pública resultou não da vontade geral, expressa pelo Legislativo, mas de decisão autovinculativa do próprio Executivo."

Do exposto, ratifica-se o acerto deste primeiro item da questão.

b) Errado:

Não é verdadeiro aduzir que o direito administrativo não esteja sujeito às chamadas mutações constitucionais. Trata-se de fenômeno também denominado como poder constituinte difuso, em que as normas constitucionais não sofrem alterações, mas opera-se uma reinterpretação do sentido do texto, à luz de modificações percebidas nas relações sociais.

No ponto, a doutrina vem acentuando a importância dos direitos fundamentais, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana, como vetor interpretativo para a promoção de uma releitura de institutos próprios ao direito administrativo.

Nesse sentido, o Estado autoritário, que impõe sua vontade, sobretudo com apoio na supremacia do interesse público, vem sendo abandonado ou, quando menos, relativizado, em prol da prevalência de um perfil estatal que valoriza o princípio democrático, a busca do consenso, da participação de segmentos da sociedade na tomada de decisões. Estabelecem-se, assim, canais de diálogo com a sociedade civil, como se dá, por exemplo, através de consultas e audiências públicas, além de outros instrumentos, como o orçamento participativo.

c) Errado:

Conforme se demonstrou nos comentários introdutórios, linhas acima, inexiste a pretensa unanimidade doutrinária acerca da origem e formação do direito administrativo. A despeito da posição tradicional, defendida de forma majoritária pelos estudiosos do tema, fato é que também há corrente divergente, de que constitui exemplo o trabalho doutrinário indicado nos presentes comentários.

d) Errado:

O trecho a seguir transcrito, extraído do mesmo artigo doutrinário elaborado por Gustavo Binenbojm, revela o desacerto de mais esta alternativa:

É curioso anotar como a separação de poderes serviu, contraditoriamente, a esse processo de imunização decisória dos órgãos do Poder Executivo. O mesmo princípio que justificara a criação do contencioso administrativo, intestino ao Executivo, será invocado para impedir que os órgãos de controle exerçam sobre os outros órgãos da Administração poderes de injunção e substituição, em princípio legítimos e até naturais entre órgãos situados no interior da mesma estrutura de Poder."

e) Errado:

Por fim, está errada a presente opção. Equivoca-se ao sustentar que o direito administrativo surge de forma concomitante nos sistemas romano-germânico e nos de origem anglo-saxões. Isso não é verdadeiro, como ensina, no ponto, Di Pietro:

“Enquanto na França o Direito Administrativo surgiu após a revolução, que rompeu inteiramente com o sistema anterior, na Alemanha não houve a mesma ruptura, pois resultou, esse ramo do direito, de longa evolução, não processada pela mesma forma nos diferentes Estados."


Gabarito do professor: A

Referências Bibliográficas:

BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: Um novo paradigma para o direito administrativo. Revista de Direito Administrativo n.º 239. Rio de Janeiro: Jan/Mar – 2005, p. 1-31.


DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 1-2 e 8.

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Origens do Direito Administrativo Ao se pretender apresentar a evolução de determinada ciência, nasce a exigência de se apresentar as suas raízes, sua história, demonstrar de onde veio e para onde vai, analisar os principais acontecimentos entendendo o pensamento que prevalecia em cada momento. O nascimento do direito administrativo se deu na França com a lei do 28 pluvioso do ano VIII (1800). Foram importantes os manuais de ROMAGNOSI, na Itália, em 1814 e MACAREL, na França, em 1818. No ano de 1819 deve ser destacada a criação da cátedra de direito público e administrativo. I Na França é apontado o período a partir da Revolução de 1789 como sendo o período de surgimento e evolução do Direito Administrativo. Destaca-se a criação de jurisdição administrativa especializada e a aplicação à administração de regras distintas das do direito privado.2 

Destacou-se no surgimento do direito administrativo o Conselho de Estado, órgão criado com destinação de preparar decisões que envolvessem matéria administrativa, não se limitar a aplicar as regras do Código Civil. 3 As abundantes decisões do Conselho estabeleceram os princípios fundamentais da nova disciplina, do célebre caso Blanco - no qual foi estabelecido pelo Tribunal de Conflitos o princípio da responsabilidade do Estado, responsabilidade a qual somente a jurisdição administrativa era competente para aplicar - ao controle do juiz administrativo a ser exercido mesmo que a decisão atacada seja inspirada por razões políticas; a flexibilização das condições de admissibilidade de recursos por excesso de poder, crescimento dos meios de anulação dos últimos; a responsabilidade do Estado é reconhecida e afirmada como diferente da mesma de seus funcionários, a teoria dosa contratos administrativos ganha contornos próprios, como a das decisões executivas para os mesmos. Foi nesta época que comissários do governo como DA VID, ROMIEU, PICHAT ou LEO BLUM, dentre outros, proferiram magistrais conclusões. Surgem também os doutrinadores clássicos LAFERRIERE, HAURIOU, DUGUIT e JEZE.4

O Direito Administrativo surgiu como disciplina jurídica autônoma em época relativamente recente. Até a reforma política decorrente da Revolução Francesa não se podia caracterizar a independência científica dos preceitos reguladores da atividade administrativa do Estado.

IMPORTANTE DESTACAR O CONCEITO DO DIREITO ADMINISTRATIVO>>>> É o ramo do Direito Público que regula e estuda as normas jurídicas que regulam a Administração Pública, em seus aspectos orgânico e funcional, e, quanto a êste, do ponto de vista material, subjetivo e formal.

GABARITO:A

A alternativa correta é a letra A. 

A alternativa A está correta e seu acerto pode ser bem visualizado pelo seguinte trecho da doutrina de Gustavo Binenbojm: “A conhecida origem pretoriana do direito administrativo, como construção jurisprudencial do Conselho de Estado derrogatória do direito comum, traz em si esta contradição: a criação de um direito especial da Administração Pública resultou não da vontade geral, expressa pelo Legislativo, mas de decisão autovinculativa do próprio Executivo.” (BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: Um novo paradigma para o direito administrativo. Revista de Direito Administrativo n.º 239. Rio de Janeiro: Jan/Mar – 2005, p. 1-31)

A alternativa B está incorreta, uma vez que não se mostra acertado dizer que o direito administrativo esteja imune às mutações constitucionais. No ponto, a chamada constitucionalização do direito administrativo, a partir de uma releitura de seus dogmas à luz da Constituição, permite que seus institutos fundamentais sejam reinterpretados sob a influência direta de princípios constitucionais, em especial o da dignidade da pessoa humana. Neste sentido, a posição de Patrícia Ferreira Baptista: “Da condição de súdito, de mero sujeito subordinado à Administração, o administrado foi elevado à condição de cidadão. Essa nova posição do indivíduo, amparada no desenvolvimento do discurso dos direitos fundamentais, demandou a alteração do papel tradicional da Administração Pública. Direcionada para o respeito à dignidade da pessoa humana, a Administração, constitucionalizada, vê-se compelida a abandonar o modelo autoritário de gestão da coisa pública para se transformar em um centro de captação e ordenação dos múltiplos interesses existentes no substrato social.” (BAPTISTA. Patrícia Ferreira. Transformações do Direito Administrativo, Renovar: 2003, p.129-30).

A alternativa C está incorreta. Não há o alegado consenso doutrinário acerca do surgimento do direito administrativo. A discordar da posição mais tradicional, cite-se o seguinte trecho da doutrina de Gustavo Binenbojm: “A associação da gênese do direito administrativo ao advento do Estado de direito e do princípio da separação de poderes na França pós-revolucionária caracteriza erro histórico e reprodução acrítica de um discurso de embotamento da realidade repetido por sucessivas gerações, constituindo aquilo que Paulo Otero denominou ilusão garantística da gênese.” (BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: Um novo paradigma para o direito administrativo. Revista de Direito Administrativo n.º 239. Rio de Janeiro: Jan/Mar – 2005, p. 1-31)

(continua)

A alternativa D está incorreta. Como ensina, uma vez mais, Binenbojm, operou-se, sim, a imunização das decisões do Executivo, em contradição ao princípio da separação de poderes. Acerca deste aspecto, confira-se: “É curioso anotar como a separação de poderes serviu, contraditoriamente, a esse processo de imunização decisória dos órgãos do Poder Executivo. O mesmo princípio que justificara a criação do contencioso administrativo, intestino ao Executivo, será invocado para impedir que os órgãos de controle exerçam sobre os outros órgãos da Administração poderes de injunção e substituição, em princípio legítimos e até naturais entre órgãos situados no interior da mesma estrutura de Poder.” (BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: Um novo paradigma para o direito administrativo. Revista de Direito Administrativo n.º 239. Rio de Janeiro: Jan/Mar – 2005, p. 1-31)

A alternativa E está incorreta, pois traz uma inverdade, qual seja, a alegada simultaneidade de surgimento do direito administrativo nos sistemas romano-germânico e anglo-saxões. Sobre a origem diversa do modelo romano-germânico, confira-se a seguinte lição de Di Pietro: “Enquanto na França o Direito Administrativo surgiu após a revolução, que rompeu inteiramente com o sistema anterior, na Alemanha não houve a mesma ruptura, pois resultou, esse ramo do direito, de longa evolução, não processada pela mesma forma nos diferentes Estados.” (DI Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 8).

Fonte: Estratégia

Adendo: O impulso decisivo para a formação do Direito Administrativo foi dado pela teoria da separação dos Poderes desenvolvida por Montesquieu, L'Esprit des Lois, 1748, e acolhida universalmente pelos Estados de Direito. Na França, após a Revolução (1789), a tripartição das funções do Estado em executivas, legislativas e judiciais veio ensejar a especialização das atividades do governo e dar independência aos órgãos incumbidos de realizá-las. Daí surgiu a necessidade de julgamento dos atos da Administração ativa, o que inicialmente ficou a cargo dos Parlamentos, mas posteriormente reconheceu-se a conveniência de se desligar as atribuições

políticas das judiciais. Num estágio subsequente foram criados, a par dos tribunais judiciais, os tribunais administrativos. Surgiu, assim, a Justiça Administrativa, e, como corolário lógico, se foi estruturando um Direito específico da Administração e dos administrados para as suas relações recíprocas. Era o advento do Direito Administrativo.

Na Inglaterra o surto de Direito Administrativo foi bem menor que na França, dada a índole tradicional e peculiar do sistema governamental britânico, que inclinou os publicistas para o campo do Direito Constitucional e das normas parlamentares. A despeito dessa tendência, princípios do Direito Administrativo são encontrados frequentemente mesclando os trabalhos constitucionais e a história do Parlamento inglês. 

Fonte: Direito Administrativo Brasileiro. Hely Lopes Meirelles.

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