Carlota, comodatária, recebeu notificação de Joaquim, comoda...
Transcorrido o prazo, Carlota decide manter a posse do bem, porque ainda não encontrou um imóvel ideal para morar, considerando que os bens que visitou para locação não atendem aos seus interesses. Assim, informou ao comodante que só sairá após ter uma residência garantida, requerendo um prazo de graça até a desocupação voluntária. Carlota justifica sua ação com base no princípio da função social da posse e da propriedade.
Joaquim não concorda e aciona sua advogada para cuidar de seus interesses. Dois dias após o transcurso do prazo, o encanamento da residência, que não passou por manutenção durante os anos em que a comodatária residiu no imóvel, estourou, após o uso simultâneo de todos os chuveiros da casa.
Diante do caso apresentado, assinale a afirmativa correta.
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Gabarito comentado
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A questão pede o conhecimento acerca dos contratos em espécie, mais precisamente sobre o comodato. É o comodato o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto, de acordo com o art. 579 do CC. Analisemos as alternativas:
a) Errada. Não viola o princípio do equilíbrio contratual pelo fato de que se trata de um comodato, ou seja, é gratuito, de acordo com esse princípio deve haver uma reciprocidade entre as prestações. Como o comodato é um empréstimo gratuito, não há aqui uma contraprestação.
b) Errada. Apesar de violar o princípio da boa-fé objetiva, ela se caracteriza como posse injusta, a posse injusta pode ser violenta, clandestina e precária. No caso da questão, trata-se de uma posse precária, porque obtida por meio do abuso e confiança. Importante citar os artigos 1.200 e 1.208 do CC.
c) Errada. Primeiramente é importante entender o que é o princípio da função social da posse. Ela decorre da função social da propriedade e tem como finalidade atender ao direito à moradia e aos programas de erradicação de pobreza. Dessa forma, se o proprietário não se utiliza de sua propriedade para exercer a função social daquela, o possuidor poderá adquiri-la.
Carlota não teve seu direito a moradia prejudicado, como bem deixou clara a questão, foi a ela assegurado um prazo para a restituição do imóvel.
d) Errada. Carlota responde pela deterioração da coisa porque o comodatário é obrigado a conservar, como se sua própria fora, a coisa emprestada, não podendo usá-la senão de acordo com o contrato ou a natureza dela, sob pena de responder por perdas e danos. O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante, é a previsão do art. 582 do código civil.
e) Correta. Primeiramente, já vimos na alternativa C que Carlota não poderia invocar o princípio da função social da posse com alegação de moradia prejudicada. Segundo, de fato, a noção contemporânea de função social não subordina interesses individuais legítimos a interesses ou entidades supraindividuais. Inclusive, este é um trecho retirado do artigo de Gustavo Tepedino (2014).
O que se quer dizer com tal afirmação é que os interesses individuais também prevalecem a luz da função social, há deveres extracontratuais relevantes, mas o que se quer ao final é promover a dignidade da pessoa humana.
O que se almeja com essa função social é “instrumentalização das estruturas jurídicas aos valores do ordenamento, a permitir o controle dinâmico e concreto da atividade privada." (TEPEDINO, 2014, p.144)
De acordo com essa nova perspectiva, não há mais que falar em técnica de subsunção, mas confrontar, analisar o fato em consonância com todo o ordenamento jurídico.
Gabarito da professora: Letra E.
Referências:
TRILHANTE. Modalidades de posse. Disponível em: https://trilhante.com.br/curso/posse-1/aula/modali...
TEPEDINO, Gustavo. O princípio da função social no direito civil contemporâneo. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro: MPRJ, nº. 54, out./dez. 2014. Disponível em: https://www.mprj.mp.br/servicos/revista-do-mp/revista-54/artigo-das-pags-141-154
PEREIRA, Leonellea. O princípio da insignificância e a tutela dos bens jurídicos supraindividuais. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-principio-d...Clique para visualizar este gabarito
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Gabarito: letra E
Segundo Gustavo Tepedino, “A noção contemporânea de função social em nenhum momento subordina os interesses individuais legítimos a interesses ou entidades supraindividuais. A funcionalização imposta pelo constituinte, ao revés, postula a plena promoção da dignidade da pessoa humana e de seus interesses existenciais”.
Disponível em: <https://www.mprj.mp.br/documents/20184/2507838/Gustavo_Tepedino.pdf>.
Tratando-se de comodato por prazo indeterminado, o comodante, em regra, somente poderá invocar o direito de retomada após o transcurso de intervalo suficiente para o uso concedido (art. 581 do CC). O referido prazo, contudo, não pode ser entendido de modo a excluir a temporariedade típica desta espécie de contrato.
Na ausência de prazo ajustado entre as partes, cabe analisar se transcorreu prazo suficiente para a finalidade para a qual foi concedido o uso do bem ante as circunstâncias do caso concreto.
Caso concreto: o imóvel foi cedido, mediante comodato, para que uma empresa aumentasse seu parque industrial de exploração de jazida aquífera. O contrato foi por prazo indeterminado. Passados mais de 25 anos, entende-se que já decorreu prazo suficiente para o uso concedido, não sendo razoável impedir o retorno do bem ao comodante.
STJ. 4ª Turma.AgInt no REsp 1.641.241-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 7/2/2023 (Info 791).
Fonte: DoD
Qual o erro da B ?
Sobre a B:
Nos contratos de comodato firmados por prazo determinado, mostra-se desnecessária a promoção de notificação prévia - seja extrajudicial ou judicial - do comodatário, pois, logicamente, a mora constituir-se-á de pleno direito na data em que não devolvida a coisa emprestada, conforme estipulado contratualmente.
Por outro lado, no caso de comodato por prazo indeterminado, é indispensável a prévia notificação para rescindir o contrato, pois, somente após o término do prazo previsto na notificação premonitória, a posse exercida pelo comodatário, anteriormente tida como justa, tornar-se-á injusta, de modo a configurar o esbulho possessório.
No caso concreto, todavia, a despeito de o comodato ter-se dado por tempo indeterminado e de não ter havido a prévia notificação do comodatário, não se pode conceber que este detinha a posse legítima do bem. Isso porque foi ajuizada uma outra ação antes da propositura da própria ação possessória e nessa primeira ação já se demonstrou o intuito de retomar o bem, mostrando-se a notificação premonitória uma mera formalidade, inócua aos fins propriamente pretendidos.
Assim, verificada a ciência inequívoca do comodatário para que providenciasse a devolução do imóvel cuja posse detinha em função de comodato com a falecida proprietária, configurado está o esbulho possessório, hábil a justificar a procedência da lide.
STJ. 3ª Turma. REsp 1947697-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/09/2021 (Info 713).
A partir dos julgados colacionados vê-se que o comodatário de prazo indeterminado, ainda que sem notificação para desocupação, é considerado possuidor de má-fé quando ciente da vontade do comodante de reaver o bem. Assim, mais ainda, aquele que é notificado para desocupação, transcorrido o prazo, torna-se possuidor de má-fé.
(esse é o trecho do recurso que formulei, após a resposta da banca colo aqui)
Segundo o CC:
Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.
Dessa forma, não tem como a "b" ser a correta porque, quando se trata de posse, estamos falando de boa fé subjetiva e não objetiva. Vejam que não houve violação de dever anexo, pré ou pós contratual, simplesmente a questão é a verificação da existência de má-fé pelo possuidor ignorar o dever de devolução do imóvel, mas fundamentado na boa fé subjetiva.
A posse é sim precária, mas não é isso que torna a alternativa "b" incorreta, pois a modalidade de posse injusta não se confunde com verificação da existência de boa ou má fé.
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