Lúcia e Inalda cursaram a faculdade de Direito, estudaram ju...
Lúcia ingressou como advogada em uma sociedade de economia mista de capital majoritariamente público, que presta exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado, em regime não concorrencial, e não tem intuito primário de lucro.
Inalda ingressou como advogada em empresa pública que atua em regime de concorrência, que distribui lucro entre os sócios e que não recebe qualquer aporte financeiro do Poder Público para o pagamento de pessoal ou para o custeio de atividades em geral.
Sobre as semelhanças e diferenças dos regimes jurídicos atinentes a cada uma das aludidas entidades administrativas, à luz da orientação dos Tribunais Superiores, assinale a afirmativa correta.
Gabarito comentado
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i) sociedade de economia mista de capital majoritariamente público, que presta exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado, em regime não concorrencial, e não tem intuito primário de lucro; e
ii) empresa pública que atua em regime de concorrência, que distribui lucro entre os sócios e que não recebe qualquer aporte financeiro do Poder Público para o pagamento de pessoal ou para o custeio de atividades em geral.
Vejamos, então, cada uma das proposições lançadas pela Banca:
a) Certo:
De fato, tratando-se de empresa pública que não percebe qualquer aporte financeiro do Poder Público para o pagamento de pessoal ou para o custeio de atividades em geral, os empregados de tal entidade não se submetem ao denominado "teto" remuneratório do serviço público, previsto no art. 37, XI, da CRFB, o que resulta de interpretação a contrário sensu da norma do §9º desse mesmo dispositivo constitucional. No ponto, confira-se:
"Art. 37 (...)
§ 9º O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral."
Portanto, de imediato, identifica-se aqui a alternativa correta.
b) Errado:
Não é verdade que uma sociedade de economia mista tenha tratamento equiparado a pessoas jurídicas de direito público, ainda que seja formada por capital majoritariamente público, preste exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado, em regime não concorrencial, e não tem intuito primário de lucro. O que existe são pontos de contato entre os diferentes regimes jurídicos, mas não há que se falar em genuína equiparação. Inclusive, tampouco é verdadeiro dizer que os empregados dessa entidade adquiram estabilidade no serviço público. Na realidade, apenas servidores públicos ocupantes de cargos efetivos podem vir a adquirir tal garantia de permanência no serviço público, a teor do art. 41, caput, da CRFB:
" Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público."
c) Errado:
A imunidade tributária recíproca está prevista no art. 150, VI, "a", da CRFB, nos seguintes termos:
"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;"
Essa mesma garantia é estendida às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo poder público e à empresa pública prestadora de serviço postal, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes, consoante preconiza o §2º do mesmo dispositivo constitucional. Todavia, o §3º deixa claro que não se aplica no caso de exploração de atividades econômicas, tal como seria justamente o caso da entidade em que a servidora Inalda teria ingressado.
A propósito, eis os citados dispositivos constitucionais:
"§ 2º A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo poder público e à empresa pública prestadora de serviço postal, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
§ 3º As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel."
Do exposto, incorreta a presente opção.
d) Errado:
Em relação à primeira das entidades descritas pela Banca, vale dizer, a sociedade de economia mista de capital majoritariamente público, que presta exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado, em regime não concorrencial, e não tem intuito primário de lucro, aplica-se o entendimento firmado pelo STF, em repercussão geral, no sentido da possibilidade de delegação do poder de polícia. Quanto ao ponto, confira-se a tese ali firmada (Tema 532):
"É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial."
(RE 633782, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 26-10-2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-279 DIVULG 24-11-2020 PUBLIC 25-11-2020)
Refira-se que, de acordo com o Supremo, apenas os atos de ordens de polícia (de caráter normativo) não podem ser objeto de delegação, de sorte que as sanções de polícia podem, sim, vir a ser delegadas, desde que observadas as condicionantes ali exibidas.
Logo, incorreta mais esta opção.
e) Errado:
Outra vez, no tocante à primeira das entidades descritas, não é verdadeiro dizer que seja inaplicável o regime de precatórios. Neste particular, o STF firmou entendimento no sentido de que não se mostra extensível tal regime às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas (Tema 253):
"FINANCEIRO. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PAGAMENTO DE VALORES POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. INAPLICABILIDADE DO REGIME DE PRECATÓRIO. ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MATÉRIA CONSTITUCIONAL CUJA REPERCUSSÃO GERAL FOI RECONHECIDA. Os privilégios da Fazenda Pública são inextensíveis às sociedades de economia mista que executam atividades em regime de concorrência ou que tenham como objetivo distribuir lucros aos seus acionistas. Portanto, a empresa Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. - Eletronorte não pode se beneficiar do sistema de pagamento por precatório de dívidas decorrentes de decisões judiciais (art. 100 da Constituição). Recurso extraordinário ao qual se nega provimento.
(RE 599628, Relator(a): AYRES BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 25-05-2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-199 DIVULG 14-10-2011 PUBLIC 17-10-2011 EMENT VOL-02608-01 PP-00156 RTJ VOL-00223-01 PP-00602)
Ora, novamente por meio de raciocínio a contrário sensu, é de se concluir que, tratando-se de entidade administrativa de direito privado, que presta exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado, em regime não concorrencial, e não tem intuito primário de lucro pode ser estendido, sim, o regime de precatórios.
Em reforço desse entendimento, confira-se, ainda, o seguinte trecho de julgado do Supremo:
"É aplicável o regime dos precatórios às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público próprio de Estado de natureza não concorrencial. Precedentes."
(ADPF 1082 MC-Ref, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19-12-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 24-01-2024 PUBLIC 25-01-2024)
Logo, equivocada esta última assertiva.
Gabarito do professor: A
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Comentários
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Gabarito: letra A
O teto constitucional remuneratório NÃO incide sobre os salários pagos por empresas públicas e sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que não recebam recursos da Fazenda Pública.
Veja o que diz o §9º do art. 37 da CF/88: “O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral.”
STF. Plenário. ADI 6584/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/5/2021 (Info 1018).
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. É inconstitucional norma que preveja que o teto remuneratório se aplica para todas as empresas públicas e sociedades de economia mista, ou seja, mesmo aquelas que não recebam recursos da Administração Pública. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/532923f11ac97d3e7cb0130315b067dc>. Acesso em: 10/02/2024
GABARITO: A
A – CORRETA – INALDA trabalha em empresa pública que não recebe qualquer dinheiro público. Logo, não está sujeita ao teto remuneratório:
O teto constitucional remuneratório não incide sobre os salários pagos por empresas públicas e sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que não recebam recursos da Fazenda Pública.
Veja o que diz o § 9º do art. 37 da CF/88: “O disposto no inciso XI aplica-se às empresas públicas e às sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que receberem recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral.”
STF. Plenário. ADI 6584/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/5/2021 (Info 1018).
B - ERRADA - LÚCIA trabalha em sociedade de economia mista, sendo, portanto, empregada pública (celetista). Logo, não goza da estabilidade conferida aos servidores estatutários:
CF/88:
Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
(...)
§ 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.
C – ERRADA – A empresa pública em que INALDA trabalha atua em regime de concorrência e distribui lucro entre os sócios, não preenchendo, assim, os requisitos para a extensão da imunidade tributária recíproca da Fazenda Pública a sociedades de economia mista e empresas públicas:
Para a extensão da imunidade tributária recíproca da Fazenda Pública a sociedades de economia mista e empresas públicas, é necessário preencher 3 (três) requisitos:
a) a prestação de um serviço público;
b) a ausência do intuito de lucro e
c) a atuação em regime de exclusividade, ou seja, sem concorrência.
STF. Plenário. ACO 3410/SE, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 20/4/2022 (Info 1051).
D – ERRADA – É possível sim a delegação do poder de polícia – inclusive da possibilidade de aplicação de multas - para pessoas jurídicas de direito privado:
É constitucional a delegação do poder de polícia, por meio de lei, a pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Pública indireta de capital social majoritariamente público que prestem exclusivamente serviço público de atuação própria do Estado e em regime não concorrencial
STF. Plenário. RE 633782/MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 23/10/2020 (Repercussão Geral – Tema 532) (Info 996).
E – ERRADA – É possível reconhecer o regime dos precatórios para a sociedade de economia mista onde LÚCIA trabalha, conforme vem decidindo, de forma reiterada, o STF:
É aplicável o regime dos precatórios às sociedades de economia mista prestadoras de serviço público próprio do Estado e de natureza não concorrencial.
STF. Plenário ADPF 387/PI, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 23/3/2017 (Info 858).
A entidade na qual Lúcia atua retrata o fenômeno da "Autarquização das Estatais", segundo o qual a doutrina entende que há uma tendência jurisprudencial de conferir tratamento idêntico ao de autarquia às empresas estatais prestadoras de serviços públicos.
Fonte: https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/44863/a-autarquizacao-das-estatais-frente-ao-direito-ao-desenvolvimento-e-ao-pactofederativo#:~:text=do%20subs%C3%ADdio%20cruzado.-,1.4.,estatais%20prestadoras%20de%20servi%C3%A7os%20p%C3%BAblicos
Questão sobre o teto constitucional remuneratório de empresa pública e sociedade de economia mista previsto no art. 37, §9°, CF.
O teto constitucional remuneratório NÃO incide sobre os salários pagos por empresas públicas e sociedades de economia mista, e suas subsidiárias, que não recebam recursos da Fazenda Pública.
Gabarito: Letra A
Sociedades de economia mista, como o Metrô-DF, desde que prestem serviço público essencial em regime de exclusividade (monopólio natural) e sem intuito lucrativo, submetem-se ao regime constitucional de precatórios para o adimplemento de seus débitos
O transporte público coletivo de passageiros sobre trilhos é um serviço público essencial que não concorre com os demais modais de transporte coletivo, ao contrário, atua de forma complementar, no contexto de uma política pública de mobilidade urbana.
Não caracteriza o intuito lucrativo a mera menção, em plano de negócios editado por empresa estatal, da busca por um resultado operacional positivo.
Afastado o intuito lucrativo, o Metrô-DF, que é sociedade de economia mista prestadora de serviço público essencial e desenvolve atividade em regime de exclusividade (não concorrencial), deve submeter-se ao regime de precatórios (art. 100 da CF) para o adimplemento de seus débitos.
Decisões judiciais que determinam o bloqueio, penhora ou liberação de receitas públicas, sob a disponibilidade financeira de entes da Administração Pública sujeitos ao regime de precatório violam a Constituição.
STF. Plenário. ADPF 524/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 22/8/2023 (Info 1104).
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