A proposta de intervenção didática apresentada no texto tra...
O pequeno sonho da reescrita
Sírio Possenti
Meu pequeno sonho é que não haja mais aulas de português que não sejam de fato aulas de português. Basta de aulas para dividir palavras em sílabas, ditar com pronúncias artificiais, copiar do quadro, sublinhar substantivos, "tirar" verbos da 2ª conjugação, responder a perguntas bobas (Quem subiu a montanha?) para supostamente verificar a compreensão de frases banais como "O burrinho subiu a montanha para pastar".
Muitas aulas de gramática também são bem bobas. Alguém sabe por que as aulas de todos os anos começam com sujeito e predicado? Já imaginaram aulas de matemática recomeçando sempre com soma e multiplicação? As adjetivas explicativas estão entre vírgulas? E quem colocou as vírgulas?
Meu sonho geral inclui que se leia muito e durante as aulas. E que os textos lidos sejam comentados e sejam do tipo que mexe com a cabeça dos alunos, que os colocam "pra cima", exigem que seus cérebros trabalhem (poemas, textos de divulgação científica, trechos exemplares de livros que possam mostrar diferenças de estilo de época e mudanças da língua, entre outros). E que as letras de música que eles eventualmente analisem não sejam da marca Michel Teló ‒ para isso não precisam sair de casa. Que sejam, por exemplo, como “Construção” (Chico Buarque), de um lado (até para falar com relevância das proparoxítonas, se se quiser), ou “Cuitelinho”, de outro.
Mas meu principal pequeno sonho tem a ver com escrita. Escreve-se mais hoje – com os aparelhos eletrônicos – do que nunca antes, o que gera um pouco de otimismo. Mas me refiro à escrita "trabalhada", discutida, analisada.
As aulas são para escrever e revisar textos. O professor no papel de revisor ou editor, exatamente como nas editoras, é bem mais interessante do que como simples corretor ou vigia da língua. É que as atividades em torno dos textos devem fazer sentido histórico. E a revisão tem esse sentido. Nossos alunos merecem aulas de verdade!