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Q1869769 Direito Penal

Texto 1

Cleiton exercia, há três meses, a função de vigilante junto à Caixa Econômica Federal, agência localizada na Rua Barão do Rio Branco, nº 1.119, Centro, Campo Grande/MS, sendo responsável também por realizar o fechamento da agência, não tendo qualquer tipo de acesso ao cofre. Em determinado dia, ao retornar para sua residência, por volta das 19h, foi abordado por Jack, na Gaudêncio Ajala, Tiradentes, Campo Grande/MS, que, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, rendeu o vigilante e ordenou que ficasse próximo de uma árvore e entregasse seu celular. Na sequência, um Fiat Uno, cor prata, parou ao lado da vítima, tendo Jack ordenado que Cleiton entrasse no veículo. Ao ingressar no veículo, constatou a presença de outros três agentes, permanecendo, a partir de então, com a cabeça para baixo e trafegando por cerca de vinte minutos, parando em local aparentando ser uma favela, com chão de terra e matagal, passando por uma viela. Durante esse período no veículo, os indivíduos continuaram a ameaçar o declarante, dizendo para o declarante cooperar, que o dinheiro não era dele, era da agência, e que no máximo ele seria transferido. A vítima foi conduzida até um barraco, local em que os agentes passaram a dizer que a vítima seria o gerente do banco e que sequestrariam sua genitora. Durante o período que permaneceu no cativeiro, diversas pessoas entravam no cômodo e diziam para cooperar, caso contrário, sua família seria morta. Esclarece que conseguiu distinguir cerca de seis a oito pessoas, inclusive uma voz feminina, que, de início, acreditou ser sua genitora, pois os indivíduos afirmavam que já estavam em poder da família da vítima. Como a vítima acreditou que sua família já estava refém dos criminosos, informou aos indivíduos onde estava sua carteira de trabalho, visando comprovar que não era gerente do estabelecimento bancário, mas sim vigilante. Por volta das 23h50, dois indivíduos entraram no cômodo e afirmaram que tinham confirmado a veracidade da profissão da vítima e que ela seria libertada, porém, exigiram ainda sua cooperação para não avisar a polícia, principalmente a Polícia Civil, pois seus integrantes estariam em conluio com os criminosos. O vigilante, então, foi levado, por esses dois indivíduos, pelo mesmo caminho que chegaram ao local e, ao chegarem numa via pública sem saída, exigiram que a vítima esperasse cerca de vinte minutos e fosse embora, pois teria pessoal deles defronte, na cobertura. 

Ainda sobre a hipótese delineada, no texto 1, é correto afirmar que: 
Alternativas

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Com vistas a responder à questão, impõe-se a análise das alternativas a fim de verificar qual delas está correta. 
Há dois crimes na situação hipotética descrita no enunciado da questão.
O primeiro deles consubstanciou-se no constrangimento da vítima, mediante arma de fogo, para que se deslocasse para próximo de uma árvore e entregasse o aparelho celular.
Saliente-se, no entanto, que quanto ao delito mencionado no parágrafo anterior há controvérsia na doutrina e na jurisprudência em casos como o da presente questão. Existe entendimento de que, se a obtenção do bem econômico é contemporânea aos fatos, não podendo-se verificar a existência da voluntariedade da vítima, pois a entrega e a subtração estão inseridas no mesmo contexto fático, estaria caracterizado o crime de roubo. Essa é a posição esposada por Damásio de Jesus, dentre outros. 
Ocorre, no entanto, que há doutrinadores, como Nelson Hungria, que entendem que, se a vítima entrega a coisa, o crime que se afigura é o de extorsão. Segundo a lição do jurista Reinhart Maurach, citado por Álvaro Mayrink da Costa: "A distinção objetiva entre o roubo e a extorsão, como ensina Maurach, é que 'quem rouba toma' e 'quem extorsiona recebe o que violentamente se lhe entrega'"
Nesse mesmo sentido defendido por Damásio de Jesus, há diversos precedentes de tribunais e do STJ que entendeu no REsp 1386/RJ que "o roubo caracteriza-se pela subtração da coisa alheia móvel, mediante grave ameaça ou violência à pessoa. A extorsão, pela obtenção de indevida vantagem econômica através de constrangimento, mediante violência ou grave ameaça. Na hipótese dos autos, a vítima, sob coação, entregou os objetos que portava. Não houve subtração, mas entrega (traditio), que caracteriza a extorsão na lição de Frank, no sentido de que, o 'ladrão subtrai, o extorsionário faz com que se lhe entregue'. (...)".
Não obstante essa controvérsia, veremos que será irrelevante para a análise das alternativas.
O segundo delito praticado, nos termos do enunciado da questão foi o de extorsão, que se configurou pelo constrangimento da vítima, mediante ameaças à sua família, qualificado, ainda, pela restrição da liberdade da vítima (artigo 158, § 3º, do Código Penal), como se verifica da leitura da situação descrita. 
Tecidas essas considerações, passemos à análise das alternativas.
Item (A) - Não há que se falar em crime impossível nas hipóteses contidas no enunciados. Tratando-se a primeira conduta de roubo ou de extorsão, a obtenção do celular pelo agente configura a consumação do delito.
No que tange à segunda conduta, faz-se necessário salientar que o delito de extorsão é um delito formal, que se consuma com o constrangimento com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Logo, verifica-se que o meio empregado para tanto (constrangimento da vítima, mediante ameaças à sua família e com restrição da liberdade da vítima) é eficaz para causar temor à vítima, não havendo crime impossível. 
Assim sendo a presente alternativa está incorreta.
Item (B) - Quanto à ocorrência de crime impossível na oportunidade do primeiro delito, veja-se a análise feita no primeiro parágrafo do item (A).
No que tange à impropriedade do objeto na segunda conduta de extorsão, impõe-se salientar que o objeto do delito é a pessoa que sofre o constrangimento, mediante a violência ou a grave ameaça. No caso, portanto, o constrangimento da vítima configura a propriedade do objeto do delito para obtenção da vantagem indevida, não sendo adequado afirmar que há impropriedade do objeto. Assim sendo, a presente alternativa está incorreta.
Item (C) - O crime e roubo é material, ou seja, consuma-se com a efetiva subtração da coisa alheia móvel. O crime de extorsão, no entanto, é de natureza formal, bastando para a sua consumação o constrangimento imposto à vítima com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa. Levando em conta que a primeira conduta poderia ser considerada crime de roubo como observado na análise do item (A) da questão, o candidato só terá a certeza que esta alternativa está incorreta após a análise da alternativa constante do item (D) da questão que se dará na sequência. 
Item (D) - O STJ já firmou entendimento de que não é possível continuidade delitiva entre roubo e extorsão, uma vez que, embora sejam  delitos do mesmo gênero, cujo bem jurídico tutelado é o patrimônio, são de espécies distintas. Essa posição foi consolidada pela Corte na Tese nº 5 da Edição nº 20 da Jurisprudência em Teses. Confira-se: “não é possível reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de roubo (art. 157 do CP) e de extorsão (art. 158 do CP), pois são infrações penais de espécies diferentes". A assertiva de que não há continuidade delitiva é, portanto, irrefutável, sendo a presente alternativa correta. 
Gabarito do professor: (D)

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Comentários

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GABARITO: D

Não há continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, ainda que praticados em conjunto. Isso porque, nos termos da pacífica jurisprudência do STJ, os referidos crimes, conquanto de mesma natureza, são de espécies diversas, o que impossibilita a aplicação da regra do crime continuado, ainda quando praticados em conjunto. STJ. 6ª Turma. HC 77.467-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 2/10/2014 (Info 549).

#PLUS: Meu resumo sobre crime continuado ou continuidade delitiva.

  • O que é: é benefício penal, modalidade de concurso de crimes, que, por ficção legal, consagra a unidade incindível entre os crimes parcelares que o formam, para fins específicos de aplicação da pena
  • Teoria adotada: Teoria objetivo-subjetiva, ou seja, além dos requisitos cumulativos do art. 71, caput, do CP, é necessário o requisito subjetivo em relação a unidade de designíos. (STJ REsp 421.246/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 15/12/2009)
  • Prescrição e crime continuado: Súmula 497 STF - no crime continuado a prescrição é regulada pela pena imposta na sentença, não sendo computado o acréscimo decorrente da continuação.
  • Crime continuado e sursis: Súmula 723 STF - não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave, com o aumento mínimo de 1/6 for superior a 1 (um) ano.
  • Qual critério se utiliza no crime continuado para fins de dosimetria?: Número de infrações praticadas!
  • O que são crimes da mesma espécie? Segundo o STJ e o STF, quando o CP fala em crimes da mesma espécie, ele exige que sejam crimes previstos no mesmo tipo penal, protegendo igual bem jurídico.

#PLUS nº 2: QUESTÕES!!!!!

FCC/TRF 4ª/2014/Analista Judiciário: No cômputo da pena da continuidade delitiva, estima-se o acréscimo decorrente do concurso formal heterogêneo à vista do número de infrações praticadas. (correto)

FCC/TJ-RR/2015/Juiz de Direito: No concurso formal é aplicável a suspensão condicional do processo, segundo entendimento sumulado, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, não ultrapassar o limite de 1 (um) ano. (correto)

FCC/TJ-GO/2009/Juiz de Direito: Em relação ao crime continuado, o aumento da pena, no caso do art. 71, caput, do Código Penal, deve levar em conta o número de infrações cometidas, segundo majoritário entendimento jurisprudencial. (correto)

FCC/MPE-CE/2011/Promotor de Justiça: A objetividade do art. 71 do Código Penal impede que a habitualidade criminosa descaracterize o crime continuado. (correto)

Fonte: Meus resumos + DoD + QC + Doutrina + Muita paciência

GABARITO: LETRA D.

A, B e C) erradas. Não há o que se falar na tese do crime impossível, pois o crime em questão (extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima) é FORMAL, consumado com o constrangimento da vítima, sendo que a obtenção da vantagem ilícita é mero exaurimento.

D) correta. A posição atual do STF e do STJ é pelo NÃO cabimento da continuidade delitiva quando os crimes forem de espécies diferentes, como no caso do roubo e da extorsão.

Assim, para incidir no instituto do "crime continuado", os crimes devem ser da mesma espécie: que possuem a mesma tipificação legal, não importando se simples, privilegiados ou qualificados, se tentados ou consumados, desde que estejam no mesmo tipo.

STJ. 5a Turma. HC 435.792/S - Não há continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, ainda que praticados em conjunto. Isso porque, os referidos crimes, apesar de serem da mesma natureza, são de espécies diversas.

STJ. 5a Turma. AgInt no AREsp 908.786/PB - Inexistência de continuidade delitiva entre roubo e extorsão - Não há continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, ainda que praticados em conjunto. Isso porque, os referidos crimes, apesar de serem da mesma natureza, são de espécies diversas. STJ. 5a Turma. HC 435.792/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/05/2018. STF. 1a Turma. HC 114667/SP, rel. org. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 24/4/2018 (Info 899). Não há como reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e o de latrocínio porquanto são delitos de espécies diversas, já que tutelam bens jurídicos diferentes.

GABARITO - D

A extorsão não é crime MATERIAL , todavia, FORMAL, leia-se: consuma-se no momento em que a violência ou a grave ameaça é exercida, independentemente da obtenção da vantagem indevida.

CUIDADO!

Realmente , os tribunais superiores denegam a possibilidade de CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE ROUBO X EXTORSÃO, MAS NÃO HÁ EMPECILHO PARA CONCURSO ENTRE OS DOIS DELITOS.

"Há concurso material entre os crime de roubo e extorsão quando o agente, após subtrair bens da vítima, mediante emprego de violência ou grave ameaça, a constrange a entregar o cartão bancário e a respectiva senha para sacar dinheiro de sua conta corrente."

Precedentes: AgRg no AREsp 745957/ES, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2015, DJe 10/12/2015; EDcl no REsp 1133029/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/09/2015, DJe 19/10/2015;

CUIDADO COM O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS EM RELAÇÃO A CONTINUIDADE DELITIVA E CONCURSO ENTRE OS CRIMES

CONCURSO DE CRIMES:

STJ: “Não é possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, pois embora sejam delitos do mesmo gênero, são de espécies distintas, o que inviabiliza a aplicação da regra contida no art. 71 do Código Penal. Precedentes” (HC 409602 / SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª T., j. 21/09/2017, v.u.).

E se o roubo e a extorsão forem cometidos contra a mesma vítima no mesmo contexto fático?

- Existe concurso material entre os dois crimes. É a posição do STJ.

- Existe concurso formal entre os dois crimes. Há precedente do STF nesse sentido.

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