Analise a situação hipotética a seguir: Um coletivo de mulh...
Um coletivo de mulheres busca atendimento junto ao Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres (NUDEM), da Defensoria Pública do Paraná, pois tramita em um município do estado um Projeto de Lei (PL) que busca vedar na rede de saúde a realização de aborto em qualquer hipótese e em qualquer momento da gestação.
Considerando as regras e princípios regentes do controle de constitucionalidade e as normas constitucionais (Constituição Federal e Estadual) sobre as temáticas envolvidas na situação, bem como considerando o papel da Defensoria Pública, assinale a alternativa que apresenta as adequadas e corretas orientações que o NUDEM poderá fornecer ao coletivo de mulheres que buscou a Defensoria Pública no referido caso.
GABARITO: C) Caberá à coordenação do NUDEM informar que, durante a tramitação do PL, não há legitimidade da Defensoria Pública para realizar o controle prévio de constitucionalidade, mas é possível realizar uma nota técnica sobre o PL, no exercício legal da difusão e conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico, qualificando o debate público e institucional a respeito do tema.
Alternativa verdadeira.
De plano, devemos observar que o Projeto de Lei em questão está em tramitação, ou seja, não foi aprovado.
Trata-se então de controle de constitucionalidade preventivo.
Bernardo Gonçalves Fernandes ensina que:
“O controle preventivo realiza-se antes do aperfeiçoamento do ato normativo, ou seja, no processo de produção normativa (processo legislativo) [...] No Brasil, conforme iremos analisar, embora não seja regra, temos exemplos de controle preventivo na atividade do Poder Legislativo (por meio das Comissões de Constituição e Justiça), do Poder Executivo (por meio do veto presidencial) e do Poder Judiciário [...]”.
Sobre o tema, o excelso Supremo Tribunal Federal fixou as seguintes premissas:
É possível que o STF, ao julgar MS impetrado por parlamentar, exerça controle de constitucionalidade de projeto que tramita no Congresso Nacional e o declare inconstitucional, determinando seu arquivamento?
Em regra, não.
Existem, contudo, duas exceções nas quais o STF pode determinar o arquivamento da propositura:
I) proposta de emenda constitucional que viole cláusula pétrea;
II) proposta de emenda constitucional ou projeto de lei cuja tramitação esteja ocorrendo com violação às regras constitucionais sobre o processo legislativo.
STF. Plenário. MS 32033/DF, rel. orig. Min. Gilmar Mendes, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki, 20/6/2013 (Info 711).
Saliento ainda que a legitimidade é apenas do parlamentar, enquanto conservar essa condição. A perda do mandato implica na perda superveniente de legitimidade para a causa, acarretando a extinção do MS, nos moldes do atual entendimento do STF.
Ou seja, a Defensoria Pública não é legitimada para provocar o controle judicial preventivo de Leis.
Referente à nota técnica é possível a Defensoria Pública realizar tal ato, inclusive, a DPE-PR é bem atuante no ponto, com emissão de diversas notas técnicas sobre inconstitucionalidades (NOTA TÉCNICA NUDIJ/DPE-PR N. 01/2024, por exemplo). E, como o tema trata de Direitos das Mulheres caberá ao NUDEM a elaboração de nota técnica, nos moldes do artigo 2º, inciso XII, da RESOLUÇÃO DPG Nº 054, DE 20 DE MARÇO DE 2018. Ademais, o tema “26. A atuação da Defensoria Pública na formação de políticas públicas e nos espaços políticos e legislativos” consta no Edital do concurso.
Parte 1/3.
A título de completo e conhecimento, destaco que a Defensoria Pública, não possui legitimidade para ajuizar ações de controle concentrado perante o STF (artigo 103 da CF/88). Aliás, segundo o Supremo Tribunal Federal, tal rol é taxativo (ADI 1.875 AgR). Existe a PEC 31/2017, prevendo a legitimidade ao defensor público-geral federal para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), contudo, ainda está em tramitação.
O tema “controle de constitucionalidade” é longo e complexo e de reiterada cobrança para diversos concursos públicos. Assim, diante da profundidade do tema, abordei somente o que item solicita, contudo, fica a recomendação para a devida aprofundação da matéria.
LETRA A: Caberá à coordenação do núcleo especializado da Defensoria Pública informar que se deverá aguardar a sanção da lei municipal, para, em seguida, ser instada a Defensoria Pública Geral para ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) junto ao Tribunal de Justiça, conforme previsto na Constituição Estadual.
Alternativa falsa.
O artigo 111 da Constituição Estadual do Paraná não prevê a Defensoria Pública do Paraná como legitimada para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
LETRA B: O NUDEM deverá informar que tanto a Constituição Federal quanto a Constituição Estadual vedam a prática de aborto, motivo pelo qual a temática em questão passa pelo crivo de constitucionalidade, sendo possível o município legislar sobre a matéria, além de competir à Defensoria a defesa do nascituro, nada podendo ser feito.
Alternativa falsa.
A CF/88 e CE/PR não vedam expressamente a prática do abordo em toda e qualquer situação. Ademais, “É inconstitucional a interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada nos arts. 124, 126 e 128, I e II, do CP. Assim, a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é atípica”. STF. Plenário. ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11 e 12/4/2012.
E a competência para legislar sobre o tema não é municipal e sim (privativa) da União, nos exatos termos do artigo 22, I, da CF/88.
Parte 2/3.
LETRA D: A coordenação do NUDEM poderá oficiar à presidência da Câmara Municipal, no exercício do seu poder de requisição, que foi ratificado pelo STF, e requerer informações para instruir ação civil pública, em que, incidentalmente, questionar-se-á a inconstitucionalidade do projeto de lei em tramitação.
Alternativa falsa.
A primeira parte da alternativa é verdadeira, isso porque, “É constitucional lei complementar estadual que, desde que observados os parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, confere à Defensoria Pública a prerrogativa de requisitar, de quaisquer autoridades públicas e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias ao exercício de suas atribuições.” STF. Plenário. ADI 6860/MT, ADI 6861/PI e ADI 6863/PE, Rel. Min. Nunes Marques, julgados em 13/9/2022.
Contudo, a segunda parte é falsa, uma vez que, em síntese, não é cabível que uma Ação Civil Pública tenha como pedido principal a declaração de inconstitucionalidade de uma lei. O único controle permitido em uma ação civil pública é o incidental (difuso), sob pena de usurpação da competência do STF. (Min.Celso de Mello, Rcl 1.733-SP, DJ de 1.º.12.2000 — Inf. 212/STF).
Ademais, o projeto de Lei não foi aprovado, o que impede o controle judicial "incidental" na hipótese. Aliás, pelo teor da afirmativa o objetivo da DPE-PR seria a declaração de inconstitucionalidade da norma (pedido principal), de modo que não poderia ser feito de modo incidental em uma ACP como afirma o enunciado.
LETRA E: Caberá ao NUDEM impetrar, preventivamente, mandado de segurança coletivo para impedir a tramitação do PL em razão do direito líquido e certo das mulheres ao aborto.
Alternativa falsa.
Conforme destacado na letra C (gabarito), a DPE-PR não tem legitimidade para provocar o controle preventivo de constitucionalidade.
Parte 3/3.
GABARITO: C.
A) incorreta. A Defensoria Pública do Estado do Paraná não possui legitimidade para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), segundo a Constituição Estadual do Paraná. O artigo 111 da Constituição Estadual do Paraná não inclui a Defensoria Pública entre os legitimados para propor ADI.
B) incorreta. Entendeu o STF que a Constituição Federal e o Código Penal permitiriam a prática do aborto em algumas situações, como em casos de estupro, risco de vida para a gestante e anencefalia do feto (ADPF 54). Além disso, a competência para legislar sobre aborto é da União, não dos municípios, conforme a competência legislativa privativa prevista no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal.
C) correta. A Defensoria Pública não tem legitimidade para realizar o controle prévio de constitucionalidade de um Projeto de Lei. No entanto, pode atuar de forma proativa, emitindo notas técnicas, promovendo a conscientização sobre os direitos humanos e contribuindo para o debate público sobre a matéria. O que a jurisprudência do STF tem admitido, como exceção, é “a legitimidade do parlamentar - e somente do parlamentar - para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de lei ou emenda constitucional incompatíveis com disposições constitucionais que disciplinam o processo legislativo” (MS 24.667, Pleno, Min. Carlos Velloso, DJ de 23.04.04). Nessas excepcionais situações, em que o vício de inconstitucionalidade está diretamente relacionado a aspectos formais e procedimentais da atuação legislativa, a impetração de segurança é admissível, segundo a jurisprudência do STF, porque visa a corrigir vício já efetivamente concretizado no próprio curso do processo de formação da norma, antes mesmo e independentemente de sua final aprovação ou não (...)
D) incorreta. A Defensoria Pública não pode usar Ação Civil Pública para realizar controle judicial incidental de constitucionalidade de um Projeto de Lei. A inconstitucionalidade de um Projeto de Lei só pode ser questionada após sua transformação em lei e sua efetiva aplicação.
E) incorreta. Somente parlamentares têm legitimidade para impetrar mandado de segurança preventivo visando impedir a tramitação de um Projeto de Lei, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
FONTE: ESTRATÉGIA CONCURSOS.