Em 23 de julho de 2021, Manuel chegou a sua casa embriagado...

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Q1933394 Direito Penal
Em 23 de julho de 2021, Manuel chegou a sua casa embriagado e, sem qualquer motivo, disse à sua companheira, Maria, que iria socá-la. Ato contínuo, Manuel desferiu um soco na região orbital esquerda do rosto de Maria, que, imediatamente, chamou a polícia. Manuel foi preso e conduzido à delegacia de polícia.
Nessa situação hipotética, Manuel praticou
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A questão exige do candidato conhecimento sobre crimes contra a pessoa.

A- Correta. O crime de lesão corporal está previsto no art. 129 do Código Penal e, em sua forma simples (caput), tem pena de detenção, de 3 meses a 1 ano.

A respeito da ação cabível, é importante dizer que a lesão corporal leve e a lesão corporal culposa, por terem penas máximas não superiores a 2 anos, seguem o rito da Lei 9.099/95, que dispõe o seguinte em seu art. 88: "Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas".

No entanto, Manuel desferiu soco contra sua companheira, Maria. Nessa situação, ainda que a lesão fosse leve, não seria aplicável o caput, mas o § 9o  do art. 129, que traz a seguinte qualificadora: "Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

A respeito da ação penal aplicável ao caso, a súmula 542 do STJ informa que "A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada". 
Assim, a primeira parte está correta, pois Manuel deve responder pela prática do art. 129, § 9º, do Código Penal e a ação penal, nessa situação, será pública incondicionada.
Em relação ao delito de ameaça, há divergência doutrinária a respeito da aplicação do princípio da consunção nesse caso, vide alternativa D. A respeito da ação penal cabível, há menção expressa no art. 147/CP, a saber, ação penal pública condicionada à representação do ofendido ou de seus representantes. Não há, em relação a esse crime, qualquer ressalva dos Tribunais a respeito da ação.
Art. 147/CP: "Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante representação".

B- Incorreta. A Lei 14.188, de 28 de julho de 2021, acrescentou no art. 129 do Código Penal o §13, que dispõe que se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 do Código Penal, a pena será de reclusão, de 1 a 4 anos. Essa lei entrou em vigor na data de sua publicação. Considerando que o enunciado informa que o crime foi praticado em 23 de julho de 2021, a qualificadora não é aplicável ao réu, pois prejudicial a ele (traz penas são maiores). A respeito do crime de ameaça, é necessária a representação da vítima, vide alternativa A. 

C- Incorreta. Não incide a qualificadora do §13, vide alternativa B.

D- Incorreta, de acordo com a banca. No entanto, a banca não deveria ter tratado do tema em questão objetiva, pois há divergência doutrinária a respeito do assunto. 

Embora parcela da doutrina entenda não haver diferença entre mal atual e mal futuro, de modo que teriam ocorrido os crimes de lesão corporal e de ameaça na situação narrada no enunciado, há outra parcela que entende não haver crime de ameaça quando o mal prometido é imediato. 

Isso porque o crime de ameaça tem como objetivo abalar a tranquilidade, a paz de espírito, da vítima, que não sabe como ou quando se dará o cumprimento do mal prometido. Se o agente afirma que vai socar a vítima e, imediatamente, desfere soco contra ela, somente narrou o crime de lesão corporal que praticaria a seguir.

É como entende, por todos, Nucci (2022): "A preparação de um crime não necessariamente constitui-se em crime autônomo, ou seja, ameaça. Ex.: o sujeito diz que vai pegar a arma para matar o seu rival, o que, de fato, está fazendo. Deve ser considerado um ato preparatório ou até mesmo executório do delito de homicídio. Se o objeto do crime é justamente a tranquilidade de espírito da pessoa – que, de fato, não há durante uma contenda –, como se pode chamar de ameaça o anúncio de um mal imediato? Durante uma discussão, alguém toma às mãos uma faca e diz que vai furar o oponente... Seria ameaça ou tentativa de lesão corporal? Cremos ser um ato preparatório ou executório, conforme o caso, do delito de lesão corporal (não havendo, naturalmente, a intenção homicida, que configuraria outro crime). Autoriza-se, portanto, a legítima defesa por parte do ameaçado no presente".

Há, inclusive, julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que reforça que a ameaça só se configura com a promessa de um mal futuro: "(...) Para configuração do crime de ameaça é necessário que o agente se encontre imbuído de vontade de intimidar, anunciando um mal futuro, causando à vítima grande temor. (...)" (TJMG - Apelação Criminal 1.0456.17.003387-6/001, Relator (a): Des.(a) Jaubert Carneiro Jaques , 6ª Câmara Criminal, julgamento em 18/05/2021).

Sobre o tema, a 6ª Turma do STJ possui entendimento no sentido de que não deve haver aplicação do princípio da consunção se não houver subordinação entre os crimes. Esse parece ter sido o posicionamento adotado pela banca. 
No entanto, é bom ressaltar que, no caso em que decidiu assim, a análise ocorreu entre os crimes de estupro e ameaça e não foi aplicado o princípio da consunção porque, de acordo com o Min. Antônio Saldanha, relator do caso, “As ameaças não foram perpetradas apenas como meio para a consumação do crime contra a dignidade sexual, pois praticadas, também, em momentos completamente diversos, com objetivos diferentes, notadamente o de reatar com a ofendida o relacionamento amoroso". Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-02-21_08-24_Sexta-Turma-nega-aplicacao-do-principio-da-consuncao-a-reu-condenado-por-estupro-e-ameaca.aspx 

E- Incorreta. Apenas é exigida a representação da vítima no crime de ameaça, vide alternativa A.

Gabarito: A. 

Referência:
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal: Parte Especial. Arts. 121 a 212 do Código Penal. v.2. Rio de Janeiro: Grupo GEN, 2022.

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Comentários

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Errei por levar em consideração a lei maria da penha :(

Errei, mas aprendi.

O princípio da consunção não é aplicável aos crimes de descumprimento de medida protetiva e de ameaça contra a mulher, em contexto de violência doméstica e familiar, haja vista que os bens jurídicos tutelados por ambos não são coincidentes e a prática daquele não constitui meio para a execução finalística deste – numa relação de interdependência e subordinação delitiva – razão pela qual não há falar em absorção de uma infração por outra.

Gabarito: LETRA A

LETRA B) INCORRETA. Não haverá a incidência da qualificadora do §13, já que esta pressupõe que o delito tenha sido praticado por razões do sexo feminino. Pessoal, não há previsão legal afastando a aplicação do art. 147, do CP em relação ao delito de ameaça, exigindo-se nesse caso a representação.

LETRA C) INCORRETA. Exige-se que o delito tenha sido praticado por razões do sexo feminino, o que afasta a incidência do §13, nada obstante se aplique o §9 por ter sido praticado contra a companheira.

LETRA D) INCORRETA. Não há absorção, já que o delito de ameaça não é um meio ou fase normal para a preparação ou execução do crime de lesão corporal. Veja o que ensina Cleber Masson:

  • "De acordo com o princípio da consunção, ou da absorção, o fato mais amplo e grave consome, absorve os demais fatos menos amplos e graves, os quais atuam como meio normal de preparação ou execução daquele, ou ainda como seu mero exaurimento"

LETRA E) INCORRETA. Embora se trate de lesão corporal leve, não se exige representação. O crime de lesão corporal leve e lesão corporal culposa são de ação penal pública incondicionada.

GAB: A

Lesão corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

§ 9 Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

       Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

Independe da representação da vítima.

 Ameaça

       Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

       Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

       Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.

Não concordo com esse gabarito, na minha humilde opinião a ameaça ocorreu no mesmo contexto fático da lesão corporal, o que é corroborado pela expressão "ato contínuo" presente no comando da questão. Dessa forma, plenamente possível a aplicação do princípio da consunção.

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