Assinale a passagem do texto que apresenta a figura de ling...
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Ano: 2017
Banca:
EDUCA
Órgão:
CRQ - 19ª Região (PB)
Prova:
EDUCA - 2017 - CRQ - 19ª Região (PB) - Contador |
Q2800628
Português
Texto associado
A METAMORFOSE
A barata acordou um dia e viu
que tinha se
transformado
num ser humano. Começou a mexer suas patas e
descobriu que só tinha quatro, que eram
grandes e pesadas e de articulação difícil.
Acionou
suas antenas e
não tinha mais antenas. Quis emitir um
pequeno som de
surpresa e, sem querer, deu um grunhido. As
outras
baratas fugiram aterrorizadas para trás do
móvel. Ela
quis segui-las, mas não coube atrás do
móvel. O seu primeiro pensamento humano foi:
que horror!
Preciso
me livrar dessas baratas!
Pensar, para a ex-barata, era uma
novidade.
Antigamente
ela seguia o seu instinto. Agora precisava
racionar. Fez
uma espécie de manto da cortina da sala para
cobrir sua
nudez. Saiu pela casa, caminhando junto à
parede,
porque os hábitos morrem devagar. Encontrou
um
quarto, um armário, roupas de baixo, um
vestido. Olhou
se no espelho e achou-se bonita. Para um ex-
barata. Maquilou-se. Todas as baratas são
iguais,
mas uma
mulher precisa realçar a sua personalidade.
Adotou um
nome: Vandirene. Mais tarde descobriu que só
um nome
não bastava. A que classe pertencia? Tinha
educação?
Referência? Conseguiu, a muito custo um
emprego
como faxineira.
Sua experiência de barata lhe dava
acesso à
sujeiras mal
suspeitadas, era uma boa faxineira.
Difícil era ser gente. As baratas comem o
que encontram
pela frente. Vandirene precisava comprar sua
comida e o
dinheiro não chegava. As baratas se acasalam
num roçar
de antenas, mas os seres humanos não. Se
conhecem,
namoram, brigam, fazem as pazes, resolvem se
casar,
hesitam. Será que o dinheiro vai dar?
Conseguir casa,
móveis, eletrodomésticos, roupa de cama,
mesa e banho.
A primeira noite. Vandirene e seu torneiro
mecânico.
Difícil. Você não sabe nada, bem? Como dizer
que a
virgindade é desconhecida entre as baratas?
As
preliminares, o nervosismo. Foi bom? Eu sei
que não
foi. Você não me ama. Se eu fosse alguém
você me
amaria. Vocês falam demais, disse Vandirene.
Queria
dizer vocês, os humanos, mas o marido não
entendeu;
pensou que era vocês os homens. Vandirene
apanhou. O
marido a ameaçou de morte. Vandirene não
entendeu. O
conceito de morte não existe entre as
baratas. Vandirene
não acreditou. Como é que alguém pode viver
sabendo
que ia morrer?
Vandirene teve filhos. Lutou muito.
Filas do
INPS.
Creches. Pouco leite. O marido desempregado.
Finalmente, acertou na esportiva. Quase
quatro milhões. Entre as baratas, ter ou não
ter quatro
milhões não faria
diferença. A barata continuaria a ter o
mesmo aspecto e
a andar com o mesmo grupo. Mas Vandirene
mudou.
Empregou o dinheiro. Trocou de bairro.
Comprou casa.
Passou a se vestir bem, a comer e dar de
comer de tudo, a cuidar onde colocava o
pronome. Subiu de classe. (Entre as baratas,
não existe o conceito de classe). Contratou
babás e entrou na PUC. Começou a ler tudo o
que podia. Sua maior preocupação era a
morte. Ela ia morrer. Os filhos iam morrer.
O marido ia morrer - não que ele fizesse
falta. O mundo inteiro, um dia, ia
desaparecer. O sol. O Universo. Tudo. Se
espaço é o que existe entre a matéria, o que
é que fica quando não há mais matéria? Como
se chama a ausência do vazio? E o que será
de mim quando não houver mais nem o nada? A
angústia é desconhecida entre as baratas.
Vandirene acordou um dia e viu que tinha se
transformado de novo numa barata. Seu
penúltimo pensamento humano foi, meu Deus, a
casa foi dedetizada há dois dias! Seu último
pensamento humano foi para o seu dinheiro
rendendo na financeira e o que o safado do
marido, seu herdeiro legal, faria com tudo.
Depois desceu pelo pé da cama e correu para
trás de um móvel. Não pensava mais em nada.
Era puro instinto. Morreu em cinco minutos,
mas foram os cinco minutos mais felizes da
sua vida. Kafka não significa nada para as
baratas.
VERISSIMO, Luis Fernando. A
Metamorfose. In: Mais Comédias para ler na
escola. Objetiva, 2008.
Assinale a passagem do texto que apresenta a figura de linguagem denominada de prosopopeia.