Ao tratar de gaviões e pombas, o autor do texto os vê

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Q2384397 Português
O gavião


       Gente olhando para o céu: não é mais disco voador. Disco voador perdeu o cartaz com tanto satélite beirando o sol e a lua. Olhamos todos para o céu em busca de algo mais sensacional e comovente — o gavião malvado, que mata pombas.

       Retornamos assim à contemplação de um drama bem antigo, e há o partido das pombas e o partido do gavião. Os pombistas ou pombeiros (qualquer palavra é melhor que “columbófilo”) querem matar o gavião. Os amigos deste dizem que ele não é malvado; na verdade come a sua pombinha com a mesma inocência com que a pomba come seu grão de milho.

         Não tomarei partido: admiro a túrgida* inocência das pombas e também o lance magnífico em que o gavião se despenca sobre uma delas. Comer pombas é, como diria Saint-Exupéry", “a verdade do gavião”, mas matar um gavião no ar com um belo tiro pode também ser a verdade do caçador.

        Que o gavião mate a pomba e o homem mate alegremente o gavião; ao homem, se não houver outro bicho que o mate, pode lhe suceder que ele encontre seu gavião em outro homem. A vida é rapina. A verdade é que não posso mais falar de aves: dei os meus passarinhos. Perdi os cantos do meu canário e os assovios do meu sofré; meu coração está mais triste, mas está mais leve também.


* túrgida = intumescida, dilatada, cheia.

** Antoine de Saint-Exupéry, escritor francês. 


(Adaptado de: BRAGA, Rubem. Ai de ti, Copacabana. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960, p. 163-164)
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