Bem‐vindo ao trans‐humanismoComo definir um ser humano? É o ...
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Bem‐vindo ao trans‐humanismo
Como definir um ser humano? É o corpo? O jeito de ser? A capacidade de autorreflexão, de compaixão? A mente? Talvez todas essas coisas e outras mais? O que parece óbvio para a maioria das pessoas vai ficar cada vez menos, com o avanço da nossa relação mais simbiótica com aparelhos e instrumentos.
Trans‐humanismo é definido como a possibilidade de a raça humana evoluir além de suas limitações mentais e físicas, especialmente por meio da intervenção da ciência e da tecnologia. Pode parecer coisa de ficção científica: pessoas com asas violetas ou capazes de levantar um carro com uma mão ou com uma memória prodigiosa. Se sua definição do que é ser humano é purista, ou seja, sem intervenção de fontes externas, é bom abrir os olhos: quase ninguém mais é.
Tomemos, por exemplo, os remédios. Se tomamos um remédio que muda nossa química, por exemplo, se temos depressão ou pressão alta, já não somos os mesmos. Somos produto de quem éramos mais o remédio. O trans‐humanismo não aparece apenas no cinema; serve também para aliviar o sofrimento humano. Para muitos, essa é sua maior motivação. A apropriação pelo corpo da química farmacêutica muda nossa natureza. Mesmo vitaminas fazem a mesma coisa, mudando nossos corpos para termos um sistema imunológico mais resistente ou mais energia.
E quando começamos a adicionar partes extras ou próteses? Um atleta paraolímpico, se tem pernas feitas de fibras de carbono, deve competir com atletas normais? Na última Olimpíada, o sul‐africano Oscar Pistorius fez parte do time de seu país. E se tivesse ganhado? Teria sido justo?
O ponto é que estamos já na era do trans‐humanismo. Quem não toma remédios ou vitaminas certamente tem um celular. Esse aparelho é uma extensão de quem somos, que se tornou indispensável no cotidiano. Difícil imaginar que, não tanto tempo atrás, ninguém tinha celular. Esquecer o seu em casa é trágico, certo? É ficar desconectado, sem memória, sem calendário, sem notícias, sem e‐mail, sem mapas, sem música, GPS etc. Todos esses aplicativos são extensões de nossas faculdades mentais, parte de quem somos, de como nos definimos. Não entrar no Facebook ou no Twitter é se desligar da realidade.
Isso porque nossa realidade também é trans‐humana. Vivemos na era da informação de rápido acesso, conectados por vídeo com pessoas do outro lado do planeta, algo que para nossos avós seria magia negra. Estendemos nossa teia por todo o planeta e temos acesso a quantidades inimagináveis de dados. Nosso cérebro não é mais apenas o que está dentro do crânio, ele espalha seus tentáculos pelo mundo inteiro.
E no futuro? A tendência será trans‐humanizar cada vez mais. E ficar menos humano. O que temos que mudar num indivíduo para que deixe de ser humano? Ou será que, com o avanço do trans‐humanismo, essas perguntas não farão mais sentido? Seremos algo de novo, nos reinventando enquanto espécie.
(Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de “Criação Imperfeita”. Folha de São Paulo, 08/06/2014.)
O segmento de texto cujo elemento tem seu valor semântico INCORRETAMENTE indicado é:
Como definir um ser humano? É o corpo? O jeito de ser? A capacidade de autorreflexão, de compaixão? A mente? Talvez todas essas coisas e outras mais? O que parece óbvio para a maioria das pessoas vai ficar cada vez menos, com o avanço da nossa relação mais simbiótica com aparelhos e instrumentos.
Trans‐humanismo é definido como a possibilidade de a raça humana evoluir além de suas limitações mentais e físicas, especialmente por meio da intervenção da ciência e da tecnologia. Pode parecer coisa de ficção científica: pessoas com asas violetas ou capazes de levantar um carro com uma mão ou com uma memória prodigiosa. Se sua definição do que é ser humano é purista, ou seja, sem intervenção de fontes externas, é bom abrir os olhos: quase ninguém mais é.
Tomemos, por exemplo, os remédios. Se tomamos um remédio que muda nossa química, por exemplo, se temos depressão ou pressão alta, já não somos os mesmos. Somos produto de quem éramos mais o remédio. O trans‐humanismo não aparece apenas no cinema; serve também para aliviar o sofrimento humano. Para muitos, essa é sua maior motivação. A apropriação pelo corpo da química farmacêutica muda nossa natureza. Mesmo vitaminas fazem a mesma coisa, mudando nossos corpos para termos um sistema imunológico mais resistente ou mais energia.
E quando começamos a adicionar partes extras ou próteses? Um atleta paraolímpico, se tem pernas feitas de fibras de carbono, deve competir com atletas normais? Na última Olimpíada, o sul‐africano Oscar Pistorius fez parte do time de seu país. E se tivesse ganhado? Teria sido justo?
O ponto é que estamos já na era do trans‐humanismo. Quem não toma remédios ou vitaminas certamente tem um celular. Esse aparelho é uma extensão de quem somos, que se tornou indispensável no cotidiano. Difícil imaginar que, não tanto tempo atrás, ninguém tinha celular. Esquecer o seu em casa é trágico, certo? É ficar desconectado, sem memória, sem calendário, sem notícias, sem e‐mail, sem mapas, sem música, GPS etc. Todos esses aplicativos são extensões de nossas faculdades mentais, parte de quem somos, de como nos definimos. Não entrar no Facebook ou no Twitter é se desligar da realidade.
Isso porque nossa realidade também é trans‐humana. Vivemos na era da informação de rápido acesso, conectados por vídeo com pessoas do outro lado do planeta, algo que para nossos avós seria magia negra. Estendemos nossa teia por todo o planeta e temos acesso a quantidades inimagináveis de dados. Nosso cérebro não é mais apenas o que está dentro do crânio, ele espalha seus tentáculos pelo mundo inteiro.
E no futuro? A tendência será trans‐humanizar cada vez mais. E ficar menos humano. O que temos que mudar num indivíduo para que deixe de ser humano? Ou será que, com o avanço do trans‐humanismo, essas perguntas não farão mais sentido? Seremos algo de novo, nos reinventando enquanto espécie.
(Marcelo Gleiser é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de “Criação Imperfeita”. Folha de São Paulo, 08/06/2014.)
O segmento de texto cujo elemento tem seu valor semântico INCORRETAMENTE indicado é: