Um condenado preso em determinado presídio estadual ...

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Q2068849 Direito Administrativo
        Um condenado preso em determinado presídio estadual morreu e, na semana seguinte, sem qualquer relação com o óbito ocorrido, outro preso fugiu e, na sequência, praticou um latrocínio.
Nessa situação hipotética, o Estado poderá ser responsabilizado civilmente  
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A presente questão explorou conhecimentos acerca do tema concernente à responsabilidade civil do Estado pela morte de pessoas que estejam sob a custódia estatal em unidades prisionais, assim como no caso de fuga de preso que, posteriormente, vem a causar danos a terceiros. 

Trata-se, portanto, de duas situações distintas, que devem ser analisadas individualmente, como, aliás, o próprio enunciado deixou claro. Façamos isso, portanto. Vamos à análise de cada uma das situações, tal como foram descritas pela banca. 

Morte de preso em unidade prisional: 

Acerca deste primeiro ponto, o STF possui entendimento consolidado, em sede de repercussão geral (Tema 592), no bojo do qual foi exarada a seguinte tese: 

“Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento." 
(RE 841526, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-159 DIVULG 29-07-2016 PUBLIC 01-08-2016) 

Em assim sendo, a morte de um preso, que esteja sob a custódia do Estado, não acarreta, de maneira automática, a responsabilização civil objetiva do respectivo ente público. 

O Supremo estabeleceu que tal responsabilização depende da verificação da inobservância do dever específico de proteção da integridade física e mora do preso, tal como previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal. 

Acaso se demonstre, portanto, que o resultado morte ocorreria de qualquer maneira, e que o Estado, em suma, nada poderia fazer para evitá-lo, afasta-se o dever de indenizar, em razão da ruptura do nexo de causalidade, sem o qual não há que se imputar responsabilidade civil ao Estado. Passemos, então, à segunda situação. 

Fuga de preso seguida de danos a terceiros: 

Com respeito a este segundo tema, a postura jurisprudencial é na linha de que, acaso transcorra lapso temporal expressivo entre a evasão do preso e o crime que este vier a cometer, também se opera um rompimento do nexo de causalidade, à luz da teoria da causalidade direta e imediata, abraçada em nosso ordenamento no art. 403 do Código Civil. 

Neste sentido, da jurisprudência do STF, confira-se: 

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOA CONDENADA CRIMINALMENTE, FORAGIDA DO SISTEMA PRISIONAL. DANO CAUSADO A TERCEIROS. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O ATO DA FUGA E A CONDUTA DANOSA. AUSÊNCIA DE DEVER DE INDENIZAR DO ESTADO. PROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público baseia-se no risco administrativo, sendo objetiva, exige os seguintes requisitos: ocorrência do dano; ação ou omissão administrativa; existência de nexo causal entre o dano e a ação ou omissão administrativa e ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. 2. A jurisprudência desta CORTE, inclusive, entende ser objetiva a responsabilidade civil decorrente de omissão, seja das pessoas jurídicas de direito público ou das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. 3. Entretanto, o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias como o caso fortuito e a força maior ou evidências de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima. 4. A fuga de presidiário e o cometimento de crime, sem qualquer relação lógica com sua evasão, extirpa o elemento normativo, segundo o qual a responsabilidade civil só se estabelece em relação aos efeitos diretos e imediatos causados pela conduta do agente. Nesse cenário, em que não há causalidade direta para fins de atribuição de responsabilidade civil extracontratual do Poder Público, não se apresentam os requisitos necessários para a imputação da responsabilidade objetiva prevista na Constituição Federal - em especial, como já citado, por ausência do nexo causal. 5. Recurso Extraordinário a que se dá provimento para julgar improcedentes os pedidos iniciais. Tema 362, fixada a seguinte tese de repercussão geral: “Nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, não se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, quando não demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada" . 
(RE 608880, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 08/09/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-240 DIVULG 30-09-2020 PUBLIC 01-10-2020) 

Com essas considerações, vejamos, agora sim, cada alternativa: 

A) pela morte do primeiro preso, de forma objetiva, não cabendo qualquer responsabilidade civil do Estado pela conduta praticada pelo segundo preso enquanto foragido do sistema prisional. 

Errado: a uma, não se pode afirmar, genericamente, que o Estado deva ser responsabilizado, de forma automática, pela morte do preso, no interior da unidade prisional, uma vez que é possível que se entenda pela ruptura do nexo de causalidade. 

A duas, também é equivocado sustentar que não cabe qualquer responsabilidade do Estado, em se tratando de fuga de preso, seguida de latrocínio, uma vez que o crime pode vir a ser cometido com proximidade temporal, logo depois da fuga, até mesmo para consolidá-la, hipótese em que não se desnatura o nexo de causalidade e, portanto, há dever de indenizar imputável ao ente estatal, na linha da jurisprudência do STF. 

B) pela morte do primeiro preso, independentemente de demonstração de não observância do dever específico de proteção do Estado, e pelo latrocínio cometido pelo segundo preso, desde que demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e o crime praticado.

Errado: trata-se de assertiva que agride frontalmente a tese fixada pelo STF, em repercussão geral, que exige, sim, a inobservância de seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, para que o Estado seja responsável pela morte do detento. 

C) pela morte do primeiro preso, caso seja demonstrada a inobservância do dever específico de proteção do Estado, e pelo latrocínio praticado pelo segundo preso, caso seja demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e o crime praticado. 

Certo: trata-se aqui de proposição em perfeita sintonia com todas as premissas teóricas acima estabelecidas, razão por que aqui se encontra a resposta correta da questão. 

D) pela morte do primeiro preso, independentemente de demonstração de não observância do dever específico de proteção do Estado, e pelo latrocínio praticado pelo segundo preso, independentemente do nexo causal direto entre o momento da fuga e o crime praticado. 

Errado: esta opção contraria ambas as teses firmadas pelo Supremo, uma vez que, em suma, considera desnecessária a presença do nexo de causalidade para fins de responsabilização civil do Estado. Ocorre que, na verdade, sem tal elemento, inexiste dever de indenizar, o que resulta, portanto, na incorreção desta alternativa.

E) pela morte do primeiro preso, caso seja demonstrada a inobservância do dever específico de proteção do Estado, e pelo latrocínio cometido pelo segundo preso, independentemente de nexo causal direto entre o momento da fuga e o crime praticado. 

Errado: por fim, esta opção se revela em desacordo à tese fixado pelo STF, no citado Tema 362, na linha da qual a responsabilidade civil do Estado, nos casos de fuga de preso, depende, sim, da demonstração do nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada. 

Gabarito do professor: C

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Outra questão pra ajudar a explicar:

TRF 2ª REGIÃO – Juiz Federal Substituto

Em 2014, conhecido assaltante e homicida foge do presídio federal. O inquérito administrativo que apurou o evento resulta em punição de dois servidores e mudança de padrões de segurança. Já o foragido mantém-se quieto até 2016, quando se une a outro meliante. Os dois invadem casa, roubam e matam pai de família, na frente da esposa. A dupla de meliantes foge. Por conta da falha de segurança no presídio, a viúva aciona a União Federal, pedindo ressarcimento consistente em pensão alimentícia, danos morais, despesas de funeral e luto, além de reparação do custo de psiquiatra. Assinale a resposta adequada à orientação dominante na doutrina e nos Tribunais Superiores: O pedido é improcedente. CERTO.

           O detento empreendeu fuga em 2014, e até 2016 se manteve inerte. Como somente durante o ano de 2016 ele se uniu a um comparsa para praticar delitos, neste caso, não há nexo causal com a situação de risco, logo não há motivo para se mencionar a responsabilidade objetiva. Interrompe-se o nexo de causalidade todas as vezes em que a atuação do agente público, não for suficiente, por si só, a ensejar o dano ora reivindicado. São situações que interrompe o nexo de causalidade - Caso Fortuito, Força Maior e Culpa Exclusiva da Vítima.

           O dano não decorreu diretamente da fuga, tendo em vista o grande lapso temporal, podemos dizer, concluindo, que o nexo causal foi excluído.

Tema 592 - Responsabilidade civil objetiva do Estado por morte de detento.

Há Repercussão?

Sim

Relator(a):

MIN. LUIZ FUX

Leading Case:

Descrição:

Recurso extraordinário com agravo em que se discute, à luz do § 6º do art. 37 da Constituição Federal, a responsabilidade civil objetiva do Estado por morte de detento.

Tese:

Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento.

GAB: C.

Morte do detento:

Em caso de inobservância de seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da CF/88, o Estado é responsável pela morte de detento – STF. Plenário RE 841526/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 30/3/2016 (repercussão geral) (Info 819).

Obs. nos casos em que não é possível o Estado agir para evitar a morte do detento, rompe-se o nexo de causalidade – STF. 

Fuga:

Nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, não se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, quando não demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada. STF. Plenário. RE 608880, Rel. Min. Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão Alexandre de Moraes, julgado em 08/09/2020 (Repercussão Geral – Tema 362) (Info 993). 

Tema 592 do STF - Responsabilidade civil objetiva do Estado por morte de detento:

“Em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte de detento.”

Re 608.880 STF: “nos termos do artigo 37 §6º da Constituição Federal, não se caracteriza a responsabilidade civil objetiva do Estado por danos decorrentes de crime praticado por pessoa foragida do sistema prisional, quando não demonstrado o nexo causal direto entre o momento da fuga e a conduta praticada". 

Difícil não vislumbrar nexo quando o preso foge e em seguida pratica o latrocínio.

O caso do julgado do STF é um distinguishing, porque fala em decurso de lapso temporal, logo a fuga não poderia ser presumida, o que é diferente da questão e do caso julgado pelo STF, em que houve fuga e imediata prática de crime.

Olha o enunciado:

outro preso fugiu e, na sequência, praticou um latrocínio.

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