Questões de Concurso Comentadas por alunos sobre funções morfossintáticas da palavra que em português
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Tem o Correio da Manhã um repórter que faz, todo domingo, uma página inteira de tristezas. Vive montado em um velho carro a que chama de "Gerico". A palavra, hoje, parece que se escreve com "J". De qualquer jeito (que sempre achei mais jeitoso quando se escrevia com "9") é um carro paciente e rústico, duro e invencível como um velho jumento. E tinha de sê-lo, pois sua missão é ir ver ruas esburacadas e outras misérias assim.
Pois esse colega foi convidado, outro dia, a ver uma coisa bela. Que estivesse pela manhã bem cedo junto ao edifício Brasília (o último da Avenida Rio Branco, perto do Obelisco) para assistir à coleta de lixo. Foi. Viu chegar o caminhão 8-100 da Limpeza Urbana, e saltarem os ajudantes, que se puseram a carregar e despejar as latas de lixo. Enquanto isso, que fazia o motorista? O mesmo de toda manhã. Pegava um espanador e um pedaço de flanela, e fazia o seu carro ficar rebrilhando de limpeza. Esse motorista é “um senhor já, estatura mediana, cheio de corpo, claudicando da perna direita; não ficamos sabendo seu nome".
Não poupa o bom repórter elogios a esse humilde servidor municipal. E sua nota feita com certa emoção e muita justeza mostra que ele não apenas sabe reportar as coisas da rua como também as coisas da alma.
Cada um de nós tem, na memória da vida que vai sobrando, seu caminhão de lixo que só um dia despejaremos na escuridão da morte. Grande parte do que vamos coletando pelas ruas tão desiguais da existência é apenas lixo; dentro dele é que levamos a jóia de uma palavra preciosa, o diamante de um gesto puro.
É boa a lição que nos dá o velho motorista manco, e há, nessa lição, um alto e silencioso protesto. Não conheço este homem, nem sei que infância teve, que sonhos lhe encheram a cabeça de rapaz. Talvez na adolescência ele sucumbisse a uma tristeza sem remédio se uma cigana cruel lhe mostrasse um retrato de sua velhice: gordo, manco, a parar de porta em porta um caminhão de lixo. Talvez ele estremecesse da mais alegre esperança se uma cigana generosa e imprecisa lhe contasse: "Vejo-o guiando um grande carro na Avenida Rio Branco; para diante de um edifício de luxo; o carro é novo, muito polido, reluzente...".
É costume dizer que a esperança é a última que morre. Nisto está uma das crueldades da vida: a esperança sobrevive à custa de mutilações. Vai minguando e secando devagar, se despedindo dos pedaços de si mesma, se apequenando e empobrecendo, e no fim é tão mesquinha e despojada que se reduz ao mais elementar instinto de sobrevivência. O homem se revolta jogando sua esperança para além da barreira escura da morte, no reino luminoso que uma crença lhe promete, ou enfrenta, calado e só, a ruína de si mesmo, até o minuto em que deixa de esperar mais um instante de vida e espera como o bem supremo o sossego da morte. Depois de certas agonias a feição do morto parece dizer: "enfim veio; enfim, desta vez não me enganaram".
Esse motorista, que limpa seu caminhão, não é um conformado, é o herói silencioso que lança um protesto superior. A vida o obrigou a catar lixo e imundície; ele aceita a sua missão, mas a supera com esse protesto de beleza e de dignidade. Muitos recebem com a mão suja os bens mais excitantes e tentadores da vida, e as flores que vão colhendo no jardim de uma existência fácil logo têm, presas em seus dedos frios, uma sutil tristeza e corrupção, que as desmerece e avilta. O motorista do caminhão 8-100 parece dizer aos homens da cidade: "O lixo é vosso: meus são estes metais que brilham, meus são estes vidros que esplendem, minha é esta consciência limpa".
(Rubem Braga. O homem rouco. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1963. p. 143-146.)
No período “É costume dizer QUE a esperança é a última QUE morre" (6o parágrafo), as palavras em caixa alta classificam-se, respectivamente, como:
O termo "que" NÃO é um pronome em:
Nestas últimas décadas, surgiu uma geração de pais sem filhos presentes, por força de uma cultura de independência e autonomia levada ao extremo, que impacta negativamente no modo de vida de toda a família. Muitos filhos adultos ficam irritados por precisarem acompanhar os pais idosos ao médico, aos laboratórios. Irritam-se pelo seu andar mais lento e suas dificuldades de se organizar no tempo, sua incapacidade crescente de serem ágeis nos gestos e decisões.
Separação e responsabilidade
Nos tempos de hoje, dentro de um espectro social muito amplo e profundo, os abandonos e as distâncias não ocupam mais do que algumas quadras ou quilômetros que podem ser vencidos em poucas horas. Nasceu uma geração de “pais órfãos de filhos”. Pais órfãos que não se negam a prestar ajuda financeira. Pais mais velhos que sustentam os netos nas escolas e pagam viagens de estudo fora do país. Pais que cedem seus créditos consignados para filhos contraírem dívidas em seus honrados nomes, que lhes antecipam herança, mas que não têm assento à vida familiar dos mais jovens, seus próprios filhos e netos, em razão – talvez, não diretamente de seu desinteresse, nem de sua falta de tempo – da crença de que seus pais se bastam. Este estilo de vida, nos dias comuns, que não inclui conversa amena e exclui a “presença a troco de nada, só para ficar junto”, dificulta ou, mesmo, impede o compartilhamento de valores e de interesses por parte dos membros de uma família na atualidade, resulta de uma cultura baseada na afirmação das individualidades e na política familiar focada nos mais jovens, nos que tomam decisões ego-centradas e na alta velocidade: tudo muito veloz, tudo fugaz, tudo incerto e instável. O desespero calado dos pais desvalidos, órfãos de quem lhes asseguraria conforto emocional e, quiçá material, não faz parte de uma genuína renúncia da parte destes pais, que ““não querem incomodar ninguém”, uma falsa racionalidade – e é para isso que se prestam as racionalizações – que abala a saúde, a segurança pessoal, o senso de pertença. É do medo de perder o pouco que seus filhos lhes concedem em termos de atenção e presença afetuosa. O primado da “falta de tempo” torna muito difícil viver um dia a dia em que a pessoa está sujeita ao pânico de não ter com quem contar.
A dificuldade de reconhecer a falta que o outro faz
Do prisma dos relacionamentos afetivos e dos compromissos existenciais, todas as gerações têm medo de confessar o quanto o outro faz falta em suas vidas, como se isso fraqueza fosse. Montou-se, coletivamente, uma enorme e terrível armadilha existencial, como se ninguém mais precisasse de ninguém. A família nuclear é muito ameaçadora. Para o conforto, segurança e bem-estar: um número grande de filhos não mais é bem-vindo, pais longevos não são bem tolerados e tudo isso custa muito caro, financeira, material e psicologicamente falando. Sobrevieram a solidão e o medo permanente que impregnam a cultura utilitarista, que transformou as relações humanas em transações comerciais. As pessoas se enxergam como recursos ou clientes. Pais em desespero tentam comprar o amor dos filhos e temem os ataques e abandono de clientes descontentes. Mas, carinho de filho não se compra, assim como ausência de pai e mãe não se compensa com presentes, dinheiro e silêncio sobre as dores profundas, as gerações em conflito se infringem. [...]. Diálogo? Só existe o verdadeiro diálogo entre aqueles que não comungam das mesmas crenças e valores, que são efetivamente diferentes. Conversar, trocar ideias não é dialogar. Dialogar é abrirse para o outro. É experiência delicada e profunda de autorrevelação. Dialogar requer tempo, ambiente e clima, para que se realizem escutas autênticas e para que sejam afastadas as mútuas projeções. O que sabem, pais e filhos, sobre as noites insones de uns e de outros? O que conversam eles sobre os receios, inseguranças e solidão? E sobre os novos amores? Cada geração se encerra dentro de si própria e age como se tudo estivesse certo e correto, quando isso não é verdade.
FRAIMAN, A. “Idosos órfãos de filhos vivos são os novos desvalidos do século XXI”. Disponível em <http://www.revistapazes.com/54402/>. Acesso em 30 out. 2017. (Adaptado)
A respeito dos usos dos vocábulos “que” e “se”, assinale a alternativa correta.
Na origem, nada tinha forma no universo. Tudo se confundia, e não era possível distinguir a terra do céu nem do mar. Esse abismo nebuloso se chamava Caos. Quanto tempo durou? Até hoje não se sabe.
Uma força misteriosa, talvez um deus, resolveu pôr ordem nisso. Começou reunindo o material para moldar o disco terrestre, depois o pendurou no vazio. Em cima, cavou a abóbada celeste, que encheu de ar e de luz. Planícies verdejantes se estenderam então na superfície da Terra, e montanhas rochosas se ergueram acima dos vales. A água dos mares veio rodear as terras. Obedecendo à ordem divina, as águas penetraram nas bacias para formar lagos, torrentes desceram das encostas, e rios serpearam entre os barrancos.
Assim, foram criadas as partes essenciais de nosso mundo. Elas só esperavam seus habitantes. Os astros e os deuses logo iriam ocupar o céu, depois, no fundo do mar, os peixes de escamas luzidias estabeleceriam domicílio, o ar seria reservado aos pássaros e a terra a todos os outros animais, ainda selvagens.
Era necessário um casal de divindades para gerar novos deuses. Foram Urano, o céu, e Gaia, a Terra, que puseram no mundo uma porção de seres estranhos.
POUZADOUX, Claude. Contos e lendas da mitologia grega. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 12.
Em:
“Foram Urano, o céu, e Gaia, a Terra, que puseram no mundo uma porção de seres estranhos”
Como se classifica, morfologicamente, a palavra que destacada na frase acima?