Questões de Concurso Comentadas por alunos sobre denotação e conotação em português

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Q2155105 Português
Crônica da vida que passa

       Às vezes, quando penso nos homens célebres, sinto por eles toda a tristeza da celebridade.
       A celebridade é um plebeísmo. Por isso deve ferir uma alma delicada. É um plebeísmo porque estar em evidência, ser olhado por todos inflige a uma criatura delicada uma sensação de parentesco exterior com as criaturas que armam escândalo nas ruas, que gesticulam e falam alto nas praças. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima: tornam‐se de vidro as paredes de sua vida doméstica; é sempre como se fosse excessivo o seu traje; e aquelas suas mínimas ações – ridiculamente humanas às vezes – que ele quereria invisíveis, côa‐as a lente da celebridade para espetaculosas pequenezes, com cuja evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muitogrosseiro para se poder ser célebre à vontade.
    Depois, além dum plebeísmo, a celebridade é uma contradição. Parecendo que dá valor e força às criaturas, apenas as desvaloriza e as enfraquece. Um homem de gênio desconhecido pode gozar a volúpia suave do contraste entre a sua obscuridade e o seu gênio; e pode, pensando que seria célebre se quisesse, medir o seu valor com a sua melhor medida, que é ele próprio. Mas, uma vez conhecido, não está mais na sua mão reverter à obscuridade. A celebridade é irreparável. Dela como do tempo, ninguém torna atrás ou se desdiz.
       E é por isto que a celebridade é uma fraqueza também. Todo o homem que merece ser célebre sabe que não vale a pena sê‐lo. Deixar‐se ser célebre é uma fraqueza, uma concessão ao baixo‐instinto, feminino ou selvagem, de querer dar nas vistas e nos ouvidos.
      Penso às vezes nisto coloridamente. E aquela frase de que “homem de gênio desconhecido” é o mais belo de todos os destinos, torna‐se‐me inegável; parece‐me que esse é não só o mais belo, mas o maior dos destinos.

(PESSOA, Fernando. Páginas íntimas e de autointerpretação. Lisboa: Edições Ática, [s.d.]. p. 66‐67.) 
A linguagem conotativa é o uso de palavras ou expressões em sentido figurado, não literal. Assinale a alternativa que contém um exemplo de linguagem conotativa. 
Alternativas
Q2145153 Português
Coisas antigas

    Já tive muitas capas e infinitos guarda‐chuvas, mas acabei me cansando de tê‐los e perdê‐los; há anos vivo sem nenhum desses abrigos, e também, como toda gente, sem chapéu. Tenho apanhado muita chuva, dado muita corrida, me plantado debaixo de muita marquise, mas resistido. Como geralmente chove à tarde, mais de uma vez me coloquei sob a proteção espiritual dos irmãos Marinho, e fiz de O Globo meu paraguas de emergência.
    Ontem, porém, choveu demais, e eu precisava ir a três pontos diferentes de meu bairro. Quando o moço de recados veio apanhar a crônica para o jornal, pedi‐lhe que me comprasse um chapéu‐de‐chuva que não fosse vagabundo demais, mas também não muito caro. Ele me comprou um de pouco mais de trezentos cruzeiros, objeto que me parece bem digno da pequena classe média, a que pertenço (uma vez tive um delírio de grandeza em Roma e adquiri a mais fina e soberba umbrella da Via Condotti; abandonou‐me no primeiro bar em que entramos; não era coisa para mim).
    Depois de cumprir meus afazeres voltei para casa, pendurei o guarda‐chuva a um canto e me pus a contemplá‐lo. Senti então uma certa simpatia por ele; meu velho rancor contra guarda‐chuvas cedeu lugar a um estranho carinho, e eu mesmo fiquei curioso de saber qual era a origem desse carinho.
    Pensando bem, ele talvez derive do fato, creio que já notado por outras pessoas, de ser o guarda‐chuva o objeto do mundo moderno mais infenso a mudanças. Sou apenas um quarentão, e praticamente nenhum objeto de minha infância existe mais em sua forma primitiva. De máquinas como telefone, automóvel etc., nem é bom falar. Mil pequenos objetos de uso mudaram de forma, de cor, de material; em alguns casos, é verdade, para melhor; mas mudaram.
    O guarda‐chuva tem resistido. Suas irmãs, as sombrinhas, já se entregaram aos piores desregramentos futuristas e tanto abusaram que até caíram de moda. Ele permaneceu austero, negro, com seu cabo e suas invariáveis varetas. De junco fino ou pinho vulgar, de algodão ou de seda animal, pobre ou rico, ele se tem mantido digno.
    Reparem que é um dos engenhos mais curiosos que o homem já inventou; tem ao mesmo tempo algo de ridículo e algo de fúnebre, essa pequena barraca ambulante.
    Já na minha infância era um objeto de ares antiquados, que parecia vindo de épocas remotas, e uma de suas características era ser muito usado em enterros. Por outro lado, esse grande acompanhador de defuntos sempre teve, apesar de seu feitio grave, o costume leviano de se perder, de sumir, de mudar de dono. Ele na verdade só é fiel a seus amigos cem por cento, que com ele saem todo dia, faça chuva ou faça sol, apesar dos motejos alheios; a estes, respeita. O freguês vulgar e ocasional, este o irrita, e ele se aproveita da primeira distração para fugir.  
    Nada disso, entretanto, lhe tira o ar honrado. Ali está ele, meio aberto, ainda molhado, choroso; descansa com uma espécie de humildade ou paciência humana; se tivesse liberdade de movimentos não duvido que iria para cima do telhado quentar sol, como fazem os urubus.
    Entrou calmamente pela era atômica, e olha com ironia a arquitetura e os móveis chamados funcionais: ele já era funcional muito antes de se usar esse adjetivo; e tanto que a fantasia, a inquietação e a ânsia de variedade do homem não conseguiram modificá‐lo em coisa alguma. Não sei há quantos anos existe a Casa Loubet, na Rua Sete de Setembro. Também não sei se seus guarda‐chuvas são melhores ou piores que os outros; são bons; meu pai os comprava lá, sempre que vinha ao Rio, herdei esse hábito.
    Há um certo conforto íntimo em seguir um hábito paterno; uma certa segurança e uma certa doçura. Estou pensando agora se quando ficar um pouco mais velho não comprarei uma cadeira de balanço austríaca. É outra coisa antiga que tem resistido, embora muito discretamente. Os mobiliadores e decoradores modernos a ignoram; já se inventaram dela mil versões modificadas, mas ela ainda existe na sua graça e leveza original. É respeitável como um guarda‐chuva me convém para resguardo da cabeça encanecida, e talvez o embalo de uma cadeira de balanço dê uma cadência mais sossegada aos meus pensamentos, e uma velha doçura familiar aos sonhos de senhor só.

(BRAGA, Rubem. 1913‐1990. 200 crônicas escolhidas – 31ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.)
Sentido conotativo ou sentido figurado é a linguagem que utiliza as palavras, expandindo o significado literal, pois emprega um novo sentido, incomum, circunstancial, o qual depende do contexto em que estão inseridas. Trata-se de um exemplo de linguagem conotativa: 
Alternativas
Q2143688 Português
A alma dos diferentes

      Diferente não é quem o pretenda ser. Esse é um imitador do que ainda não foi imitado, mas nunca um ser diferente.
     Diferente é quem foi dotado de alguns “mais” e alguns “menos” em hora, no momento e lugar errados para os outros. Que riem de inveja de não serem assim, e de medo de não aguentar, caso um dia venham a ser.
     O diferente é um ser sempre mais próximo da perfeição. O diferente nunca é um chato. Mas sempre é confundido por pessoas menos sensíveis e avisadas. Supondo encontrar um chato onde está um diferente, talentos são rechaçados; vitórias são adiadas; esperanças são mortas.
    Um diferente medroso, este sim acaba transformando- -se num chato. Chato é um diferente que não vingou.
    Os diferentes muito inteligentes percebem porque os outros não os entendem. Os diferentes raivosos acabam tendo razão sozinhos, contra o mundo inteiro. Diferente que se preza entende o porquê de quem o agride. Se o diferente se mediocrizar, mergulhará no complexo de inferioridade.
     O diferente paga sempre o preço de estar – mesmo sem querer – alterando algo, ameaçando rebanhos, carneiros e pastores. O diferente suporta e digere a ira do irremediavelmente igual, a inveja do comum, o ódio do mediano. O verdadeiro diferente sabe que nunca tem razão, mas que sempre está certo.
    O diferente começa a sofrer cedo, já no primário, onde todos os demais de mãos dadas, e até mesmo alguns adultos, por omissão, se unem para transformar o que é peculiaridade e potencial em aleijão e caricatura. O que é percepção aguçada em “– Puxa, fulano, como você é complicado”. O que é embrião de um estilo próprio em “– Você está vendo como é que todo mundo faz?”.
    O diferente carrega desde cedo apelidos e marcações, os quais acaba incorporando. Só os diferentes mais fortes do que o mundo se transformaram (e se transformam) nos seus grandes modificadores.
     Diferente é o que vê mais longe do que o consenso. O que sente antes mesmo dos demais começarem a perceber. Diferente é o que se emociona enquanto todos em torno agridem e gargalham. Diferente é o que: engorda mais um pouco; chora, onde outros xingam; estuda, onde outros burram. Quer, onde outros cansam; espera de onde já não vem; sonha entre realistas; concretiza entre sonhadores. Fala de leite em reunião de bêbados; cria, onde o hábito rotiniza; sofre, onde outros ganham.
     Diferente é o que: fica doente onde a alegria impera. Aceita empregos que ninguém supõe. Perde horas em coisas que só ele sabe importantes. Engorda onde não deve. Diz sempre na hora de calar. Cala nas horas erradas. Não desiste de lutar pela harmonia. Fala de amor no meio da guerra. Deixa o adversário fazer gol, porque gosta mais de jogar do que ganhar. Ele aprendeu a suportar o riso, o deboche, o escárnio e a consciência dolorosa de que a média é má porque é igual. Os diferentes aí estão: doendo e doendo, mas procurando ser, conseguindo ser, sendo muito mais. 
     A alma dos diferentes é feita de uma luz além. Sua estrela tem moradas deslumbrantes que eles guardam para os poucos capazes de os sentir e entender. Nessas moradas estão os maiores tesouros da ternura humana dos quais só os diferentes são capazes. Não mexa com o amor de um diferente. A menos que você seja suficientemente forte para suportá-lo depois.

(Artur da Távola. Disponível em: http://www.bengalalegal.com/ diferentes#a4. Acesso em: janeiro de 2023.)
Considerando o trecho “Diferente é o que vê mais longe do que o consenso.” (9º§), é correto afirmar que o autor emprega como recurso uma linguagem 
Alternativas
Q2135397 Português
Soterrado pelas senhas

Ruy Castro*


Em 1878, Sherlock Holmes e o Dr. Watson se conheceram em Londres. Os dois se deram bem, decidiram dividir o aluguel de um apartamento na Baker Street, 221-B, e, com algumas semanas de convivência, Watson pôs no papel sua impressão sobre os conhecimentos do colega. Exemplos: "Literatura: zero. Filosofia: zero. Astronomia: zero. Política: escassos. Botânica: variáveis ‒ conhece a fundo a beladona, o ópio e os venenos em geral. Química: profundos. Literatura sensacionalista: imensos ‒ pode descrever em pormenores todos os horrores perpetrados neste século." Mas o choque de Watson foi descobrir que Holmes nunca ouvira falar em Copérnico e não sabia que a Terra girava em torno do Sol.

"E daí? Se girássemos em torno da Lua isso não faria a menor diferença para o meu trabalho", respondeu Holmes. "O cérebro de um homem é um sótão que ele deve mobiliar com o que precisa. Um tolo atulha -o com qualquer traste que encontre e, com isso, os conhecimentos úteis ficam soterrados. É fundamental não ter dados inúteis ocupando espaço e dificultando o acesso aos úteis." Confira em "Um Estudo em Vermelho", primeiro livro de Conan Doyle sobre Sherlock.

Digamos que Holmes estivesse certo. Caramba! O que fazer com a miríade de dados que hoje somos obrigados a reter sob pena de nos tornarmos inviáveis? Refiro-me às senhas que agora se exigem para tudo e sem as quais não se pode fazer mais nada. Outro dia, inclusive, uma amiga me listou as senhas que ela teve de decorar. 

As senhas, por exemplo, do Gmail, Wi-Fi, Facebook, Twitter, iCloud, Team Viewer e Apple Store. A senha para administrar seu site e a senha do seu canal no YouTube. As senhas dos cartões de crédito. As senhas de suas contas em bancos e dos respectivos aplicativos. As senhas do supermercado, do pet shop e da Brastemp. E (como ela não é de ferro) as senhas do Globoplay, Netflix, Mercado Livre, Magalu e L’Occitane. Haja sótão!

* Jornalista e escritor.
Folha de São Paulo, 18 dez. 2022. (Adaptado).
Avalie o que se afirma sobre o título, a ilustração e os dois primeiros parágrafos do texto.

I – O título contém um termo empregado no sentido denotativo e a palavra “senhas” é polissêmica, se usada em outros contextos.
II – O comportamento do ilustrador do texto em relação ao leitor apela para a intimidação, pois distorce o que o autor afirma acerca das senhas.
III – Uma estratégia discursiva é a presença textual de elementos semânticos e formais que se referem a outros textos produzidos anteriormente.
IV – Um recurso argumentativo consiste no argumento de autoridade, ou seja, traz para o enunciado a credibilidade baseada em alguém de notório saber.
V – A presença da metáfora em "O cérebro de um homem é um sótão que ele deve mobiliar com o que precisa.” contempla a função poética da linguagem.

Está correto apenas o que se afirma em
Alternativas
Q2135293 Português
Os idiotas da objetividade

    Sou da imprensa anterior ao copy desk. Tinha treze anos quando me iniciei no jornal, como repórter de polícia. Na redação não havia nada da aridez atual e pelo contrário: — era uma cova de delícias. O sujeito ganhava mal ou simplesmente não ganhava. Para comer, dependia de um vale utópico de cinco ou dez mil-réis. Mas tinha a compensação da glória. Quem redigia um atropelamento julgava-se um estilista. E a própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavão enfático. Escrevia na véspera e no dia seguinte via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula. Havia uma volúpia autoral inenarrável. E nenhum estilo era profanado por uma emenda, jamais.
    Durante várias gerações foi assim e sempre assim. De repente, explodiu o copy desk. Houve um impacto medonho. Qualquer um na redação, seja repórter de setor ou editorialista, tem uma sagrada vaidade estilística. E o copy desk não respeitava ninguém. Se lá aparecesse um Proust, seria reescrito do mesmo jeito. Sim, o copy desk instalou-se como a figura demoníaca da redação.
    Falei no demônio e pode parecer que foi o Príncipe das Trevas que criou a nova moda. Não, o abominável Pai da Mentira não é o autor do copy desk. Quem o lançou e promoveu foi Pompeu de Sousa. Era ainda o Diário Carioca, do Senador, do Danton. Não quero ser injusto, mesmo porque o Pompeu é meu amigo. Ele teve um pretexto, digamos assim, histórico, para tentar a inovação.
    Havia na imprensa uma massa de analfabetos. Saíam as coisas mais incríveis. Lembro-me de que alguém, num crime passional, terminou assim a matéria: — “E nem um goivinho ornava a cova dela”. Dirão vocês que esse fecho de ouro é puramente folclórico. Não sei e talvez. Mas saía coisa parecida. E o Pompeu trouxe para cá o que se fazia nos Estados Unidos — o copy desk.
    Começava a nova imprensa. Primeiro, foi só o Diário Carioca; pouco depois, os outros, por imitação, o acompanharam.
    Rapidamente, os nossos jornais foram atacados de uma doença grave: — a objetividade. Daí para o “idiota da objetividade” seria um passo. Certa vez, encontrei-me com o Moacir Werneck de Castro. Gosto muito dele e o saudei com a mais larga e cálida efusão. E o Moacir, com seu perfil de lord Byron, disse para mim, risonhamente: — “Eu sou um idiota da objetividade”.
    Também Roberto Campos, mais tarde, em discurso, diria:
— “Eu sou um idiota da objetividade”. Na verdade, tanto Roberto como Moacir são dois líricos. Eis o que eu queria dizer:
— o idiota da objetividade inunda as mesas de redação e seu autor foi, mais uma vez, Pompeu de Sousa. Aliás, devo dizer que o copy desk e o idiota da objetividade são gêmeos e um explica o outro.
    E toda a imprensa passou a usar a palavra “objetividade” como um simples brinquedo auditivo. A crônica esportiva via times e jogadores “objetivos”. Equipes e jogadores eram condenados por falta de objetividade. Um exemplo da nova linguagem foi o atentado de Toneleros. Toda a nação tremeu. Era óbvio que o crime trazia, em seu ventre, uma tragédia nacional. Podia ser até a guerra civil. Em menos de 24 horas o Brasil se preparou para matar ou para morrer. E como noticiou o Diário Carioca o acontecimento? Era uma catástrofe. O jornal deu-lhe esse tom de catástrofe? Não e nunca. O Diário Carioca nada concedeu à emoção nem ao espanto. Podia ter posto na manchete, e ao menos na manchete, um ponto de exclamação. Foi de uma casta, exemplar objetividade. Tom estrita e secamente informativo. Tratou o drama histórico como se fosse o atropelamento do Zezinho, ali da esquina.
    Era, repito, a implacável objetividade. E, depois, Getúlio deu um tiro no peito. Ali estava o Brasil, novamente, cara a cara com a guerra civil. E que fez o Diário Carioca? A aragem da tragédia soprou nas suas páginas? Jamais. No princípio do século, mataram o rei e o príncipe herdeiro de Portugal (segundo me diz o luso Álvaro Nascimento, o rei tinha o olho perdidamente azul). Aqui, o nosso Correio da Manhã abria cinco manchetes. Os tipos enormes eram um soco visual. E rezava a quinta manchete: “HORRÍVEL EMOÇÃO!”. Vejam vocês: — “HORRÍVEL EMOÇÃO!”.
    O Diário Carioca não pingou uma lágrima sobre o corpo de Getúlio. Era a monstruosa e alienada objetividade. As duas coisas pareciam não ter nenhuma conexão: — o fato e a sua cobertura.
    Estava um povo inteiro a se desgrenhar, a chorar lágrimas de pedra. E a reportagem, sem entranhas, ignorava a pavorosa emoção popular. Outro exemplo seria ainda o assassinato de Kennedy.
    Na velha imprensa as manchetes choravam com o leitor. A partir do copy desk, sumiu a emoção dos títulos e subtítulos. E que pobre cadáver foi Kennedy na primeira página, por exemplo, do Jornal do Brasil. A manchete humilhava a catástrofe. O mesmo e impessoal tom informativo. Estava lá o cadáver ainda quente. Uma bala arrancara o seu queixo forte, plástico, vital. Nenhum espanto da manchete. Havia um abismo entre o Jornal do Brasil e a tragédia, entre o Jornal do Brasil e a cara mutilada. Pode-se falar na desumanização da manchete.
    O Jornal do Brasil, sob o reinado do copy desk, lembra- -me aquela página célebre de ficção. Era uma lavadeira que se viu, de repente, no meio de uma baderna horrorosa. Tiro e bordoada em quantidade. A lavadeira veio espiar a briga. Lá adiante, numa colina, viu um baixinho olhando por um binóculo. Ali estava Napoleão e ali estava Waterloo. Mas a santa mulher ignorou um e outro; e veio para dentro ensaboar a sua roupa suja. Eis o que eu queria dizer: — a primeira página do Jornal do Brasil tem a mesma alienação da lavadeira diante dos napoleões e das batalhas.
    E o pior é que, pouco a pouco, o copy desk vem fazendo do leitor um outro idiota da objetividade. A aridez de um se transmite ao outro. Eu me pergunto se, um dia, não seremos nós 80 milhões de copy desks? Oitenta milhões de impotentes do sentimento. Ontem, falava eu do pânico de um médico famoso. Segundo o clínico, a juventude está desinteressada do amor ou por outra: — esquece antes de amar, sente tédio antes do desejo. Juventude copy desk, talvez. 
    Dirá alguém que o jovem é capaz de um sentimento forte. Tem vida ideológica, ódio político. Não sei se contei que vi, um dia, um rapaz dizer que dava um tiro no Roberto Campos. Mas o ódio político não é um sentimento, uma paixão, nem mesmo ódio. É uma pura, vil, obtusa palavra de ordem.

(RODRIGUES, Nelson. Os idiotas da objetividade. In: __________. A cabra vadia: novas confissões. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2017. p. 30-33.)
“Quem redigia um atropelamento julgava-se um estilista. E a própria vaidade o remunerava. Cada qual era um pavão enfático. Escrevia na véspera e no dia seguinte via-se impresso, sem o retoque de uma vírgula. Havia uma volúpia autoral inenarrável. E nenhum estilo era profanado por uma emenda, jamais.” (1º§). Em relação às palavras destacadas, analise as afirmativas a seguir.
I. “Enfático” designa aquilo que dá seriedade, importância a algo e está empregada, no contexto, em sentido conotativo. II. “Volúpia” designa luxúria ou grande prazer dos sentidos e sensações e está empregada, no contexto, em sentido denotativo.
III. “Profanado” designa aquilo que é sagrado e foi tratado com desprezo, ofendido, maculado e está empregada, no contexto, em sentido conotativo.
Está correto o que se afirma em 
Alternativas
Respostas
231: D
232: D
233: D
234: E
235: C