Apenas 3 em cada 10 alunos com deficiência participam efetivamente das aulas
Pesquisa sobre Educação Inclusiva feita pela Nova Escola revela ainda outros
obstáculos enfrentados pelos professores das escolas brasileiras.
Estrutura física limitada, atendimentos educacionais especializados restritos, falta de formação docente e ainda episódios de
preconceito. A escola brasileira ainda enfrenta uma série de obstáculos para promover uma educação inclusiva. As conclusões constam
na pesquisa “Inclusão na Educação”, realizada pela Nova Escola, que entrevistou 4.745 educadores em todo o Brasil.
Entre os achados destaca-se que, para metade dos professores ouvidos, a estrutura física do ambiente escolar é inadequada às
necessidades de uma educação inclusiva. As respostas coletadas também indicam que mais da metade das unidades de ensino do
país não apresentam nenhuma estrutura física inclusiva. Por exemplo, as rampas de acesso estão presentes em apenas 44% das
instituições.
Já em relação ao apoio pedagógico, quatro em cada dez profissionais afirmam não ter recebido orientação especializada
para o desenvolvimento das atividades com alunos com deficiência. Os Atendimentos Educacionais Especializados (AEEs) no
contraturno das aulas regulares são realidade para apenas quatro em cada dez professores. A adaptação das atividades a serem
realizadas pelos alunos – após a definição dos objetivos e conteúdos pelo professor da sala regular – acontece apenas em quatro
de cada dez AEEs, segundo a percepção dos entrevistados.
Quando questionados sobre a participação dos estudantes, a percepção dos professores é a de que apenas três de cada
dez alunos com deficiência se envolvem efetivamente com as atividades em aula. E ainda: somente metade dos profissionais
acredita na plena integração dos alunos com deficiência com os demais estudantes no ambiente escolar.
A realidade da educação inclusiva na sala de aula.
Com 17 anos de magistério, a professora Cristina da Silva Brito trabalha em duas escolas municipais, uma na cidade de Cachoerinha (RS) e outra, em Gravataí (RS). Na primeira, leciona geografia para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e, na segunda, para o 1º
ano com foco na alfabetização. Em ambas as instituições há alunos com algum tipo de deficiência.
Ainda que a escola de Gravataí possua AEE estruturado, os obstáculos são grandes. A começar pelo tamanho da turma –
são 26 alunos em uma sala que idealmente deveria abrigar 20 estudantes.
“Os desafios são muitos. Todos eles precisam ser alfabetizados e do meu mesmo olhar. Então, preciso mesclar atividades
para todos os alunos, mas sem diferenciar. Mesmo crianças de seis anos querem fazer as mesmas atividades que todo o grupo
está fazendo. É buscar essa adaptação curricular, mas adequando de forma que o aluno com deficiência não fique fora do contexto
dos demais”, analisa.
Cristina sente falta de um apoio mais consistente das escolas e das secretarias municipais de ensino voltado para formações
continuadas com o objetivo de entender mais profundamente as deficiências e a atuação na prática da educação inclusiva. Esse apoio,
acredita, ajudaria na realização dos planejamentos e adaptações pedagógicas e também contribuiria para o entendimento de quais
intervenções podem ser aplicadas para contornar problemas com questões comportamentais em sala, por exemplo. “A gente vai
buscando uma coisa aqui e ali: uma colega que indica, outra que coloca alguma atividade no grupo, e assim a gente vai trocando
figurinhas sobre experimentos. Mas muitas vezes não sabemos como atuar especificamente em alguns casos”, avalia.
Para a professora Olinda Rosa Mariano da Silva, o desafio diário é conseguir dar a atenção, o suporte e o acolhimento
necessários a todos os seus alunos, incluídos aqueles com deficiência, nos 45 minutos de aula. “Nesse tempo, temos que fazer
toda a trajetória, todo o percurso da aula: fazer chamada, colocar o conteúdo na Secretaria Digital, porque somos cobrados por
isso em tempo real. Então é complicado. A gente tenta dar o melhor de si”, diz. Olinda leciona para uma média de 38 estudantes
por turma, considerando as seis salas com as quais trabalha em duas escolas da rede estadual paulista, em Atibaia (SP). Em
uma, leciona Biologia para o 1º ano do Ensino Médio; na outra, Ciências para 6º e 7º anos.
Para os alunos com deficiência, Olinda costuma preparar e imprimir atividades específicas e acompanhar sua execução. Quando
há um professor de apoio presente na sala, ela passa os comandos e esse profissional faz o acompanhamento do exercício. “Não dá
para simplesmente dar o comando de uma atividade. O aluno com deficiência não se sente estimulado”, avalia. A professora também
reforça que é preciso atuação em conjunto entre professor, escola e familiares. “Temos de agir em equipe, senão esse aluno não vai
ter desenvolvimento psicossocial, muito menos na aprendizagem.”
Essa dificuldade de envolver todos na rotina escolar é percebida por Elizângela Santos Mota, professora de AEE. Ela atende
toda a rede municipal de Cedro de São João (SE), que possui quatro escolas, e atua na única sala de recursos multifuncionais da
cidade, localizada na EM Antônio Carlos Valadares, que hoje atende 52 estudantes laudados.
“Pronto, lá vem ela dizer que a inclusão dá certo”, disse já ter ouvido de colegas educadores. Elizângela trabalha diariamente
nesse processo de convencimento sobre a necessidade da educação inclusiva, tanto de professores quanto de pais e responsáveis que não acreditam em uma escola que atenda todos os estudantes nas suas necessidades específicas. “Quero entrar na cabeça
dessas pessoas para que entendam que essas crianças aprendem, que conseguem”. Para ela, o professor regular precisa ser
mais observador, fazer avaliações diagnósticas de aprendizagem da turma sem se prender aos laudos médicos dos alunos, além
de se atentar melhor para o contexto familiar e social dos estudantes. “Tudo isso ajuda o educador a montar um planejamento
bem articulado para os estudantes”, defende.
Um entendimento ainda em evolução.
Para Maria Teresa Eglér Mantoan, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Leped/Unicamp), além das questões estruturais que prejudicam
a escola, apontadas pelos educadores ouvidos na pesquisa, outro desafio é a necessidade de amadurecer a compreensão sobre
o que é educação inclusiva no país.
“Até agora, no Brasil, a inclusão tem sido interpretada como a inserção de pessoas diferentes na escola comum. E é exatamente
o que ela não é”, explica a especialista, que é uma das autoras do livro A escola que queremos para todos(Editora CRV, 2022). Com a
Constituição de 1988, o acesso à Educação tornou-se um direito de todos e, portanto, genuinamente inclusivo, explica. “No entanto,
isso não é interpretado dessa forma por professores e autoridades educacionais de níveis federal, estadual e municipal.”
Além disso, desde os anos 1990, diversos marcos legais nacionais e internacionais têm garantido que todos os estudantes,
independentemente de sua condição física ou neurológica, tenham direto à Educação escolar e acesso a instituições de ensino
comum. Mas,mesmo com esse reconhecimento, os alunos com deficiência ainda são classificados – seja como especiais, excepcionais,
com necessidades especiais – de forma a excluí-los, avalia a educadora. “A inclusão não é a inserção dos diferentes na escola.
A inclusão é a escola de todos, porque todos são diferentes”, explica Maria Theresa. “O sujeito tem direito à escola não por
causa dessa diferença. Ele tem direito à escola porque ele é um ser único, singular, como qualquer outro.”
Maria Theresa questiona ainda a ideia da integração, comumente usada no contexto da educação inclusiva e tida como uma
“inclusão responsável” ou “inclusão possível”. “A inclusão não deveria condicionar de forma alguma o acesso, a permanência e a
participação de todos na escola”, explica. A educadora critica o modelo estabelecido pela educação brasileira de impor classificações
e parâmetros de aprendizagens, de aproveitamento, de currículo para cada aluno a cada etapa de ensino etc. “A escola parece só
aceitar aqueles que possuem as características admitidas pela escola”, pondera.
Também por isso é contra mudanças ou flexibilizações nos currículos para alunos com deficiência. “O maior crime da
educação dita inclusiva é adaptar currículo ou atividades. As adaptações precisam ser de natureza diferente. Por exemplo, uma
pessoa cega não vai conseguir fazer uma prova com lápis e papel, mas ela pode fazer com braile ou via computador. O que
menos interessa é o meio; o que importa é aquilo que ela vai dizer ou entender sobre o tema da atividade.”
O desconhecimento sobre o tema, inclusive, pode alimentar uma série de preconceitos. Segundo a pesquisa realizada pela
Nova Escola, oito em cada dez profissionais disseram ter percebido discriminação contra estudantes com deficiência. Ainda,
segundo o levantamento, os principais agentes do preconceito foram outros alunos (58%) e familiares de estudantes (32%).
Boas práticas inclusivas em sala de aula.
Com mais de 25 anos de estudos na área, Maria Theresa acredita que a Educação potente é aquela que aplica práticas
diversificadas em sala de aula para atender as necessidades de cada aluno – independentemente se ele tem deficiência ou não.
Ela exemplifica que vários formatos e propostas podem ser apresentados e colocados para escolha dos alunos com o intuito de
explorar um tema – por exemplo, produção de texto, desenho, música etc. A ideia é deixar o aluno livre para apostar no formato
por meio do qual se sente mais confortável para aprender.
Trabalhar em grupo também é uma aposta certeira para enturmar e possibilitar trocas em sala e ajuda mútua. “Eu acredito
muito no grupo como prática pedagógica, como uma ação que dá resultado”, conta a professora Olinda. Para ela, a metodologia ativa
da sala de aula invertida também funciona com grupos diversos, especialmente com suas turmas dos Anos Finais do Fundamental.
“Depende muito também do feeling de cada professor e das turmas com as quais está trabalhando na ocasião”, avalia.
Para a fase de alfabetização, a professora Cristina já reparou que consegue integrar bem as salas quando propõe atividades
envolvendo jogos. “Percebo que é algo que une bastante. Acende aquele desejo de participar e de ganhar”, conta.
Em relação às famílias, a professora Olinda costuma alertar os pais e responsáveis para um aspecto importante: “Nas
reuniões, lembro que não estou apenas fazendo o filho aprender [para a escola], mas também preparando-o para o mundo.
Argumento que esse filho vai crescer e passar para outras fases da escola e da vida. E os pais precisam acompanhá-lo nessa
trajetória”. Uma reflexão que também vale para a escola e educadores: como estamos nos preparando para melhor apoiá-los?
(Revista Nova Escola. Por: Rachael Bonino. Acesso em: 03/07/2023. Adaptado.)