Texto I
Déficit de atenção
Será que eu me tornei um sintoma da minha época ou essa é uma indisposição que só diz respeito a mim?
Seja como for, tenho achado cada vez mais difícil ler. Neste ano li menos livros do que no ano passado; no ano passado, li menos que no anterior; no ano anterior, menos que no ano que vinha antes. Todo mundo conhece o fenômeno do bloqueio criativo, a angústia do escritor diante da página em branco -– eu, porém, fui acometido por um bloqueio de leitor. Trata-se de um problema que se manifesta de forma gradativa, de diferentes maneiras, nas mais variadas circunstâncias. Numa viagem recente às Bahamas, por exemplo, eu decidi que devia fazer um esforço para deixar de lado a leitura porque, afinal, pode-se ler um livro em qualquer lugar, mas aquele talvez fosse um dos poucos momentos em que eu teria a oportunidade de ver um mar tão turquesa, uma areia tão rosada. De maneira um pouco grandiloquente e pomposa, batizei essa minha condição de síndrome de Mir, a estação espacial russa: um cosmonauta que passou por lá declarou não ter lido uma única página do livro que levara na bagagem porque se deu conta de que aproveitaria melhor o seu tempo livre se simplesmente olhasse pela janela.
Muitas vezes acontece de eu estar com preguiça de ler, preferindo ver tevê. Ocorre também, com mais frequência, que eu me sinta autoconsciente diante da página. Ler nunca me pareceu algo trabalhoso – ao contrário de escrever –, de modo que, quando sinto que deveria estar trabalhando, associo essa obrigação à escrita. Pelo menos em teoria, quando não estou escrevendo estou livre para ler, mas nessas horas sinto uma culpa vaga, e no fim das contas, em vez de escrever (trabalhar) ou ler (relaxar), acabo não fazendo nem uma coisa nem outra: fico zanzando à toa, reorganizando os livros. Ou seja, não faço nada. (...)
Retirado de: DYER, Geoff. Déficit de atenção. Revista Piauí, n. 128. Editora Abril, 2017. p. 60.