Sinais da velhice
Quando a moça dá lugar no ônibus
Juremir Machado da Silva
Ando de ônibus. É o meu meio de transporte
favorito. Aprendo nas viagens. Leio. Não preciso
de tecnologia para encontrar um ônibus que me
leve ao destino. Tenho falado muito do tempo que
passa e me torna idoso. Escrevi, no passado,
sobre a crise dos 40. Hoje, trato da chegada
dos 60. Os sinais da velhice são claros. Outrora,
quando jovem, eu não usava palavras como
outrora. Depois, alunas passaram a me chamar
de “senhor” e de “seu Juremir”. No ônibus,
começaram a levantar para me dar o lugar”.
Meninos também. Agora, ficou pior.
Conto a história. Eu estava em pé no
ônibus. Sem aperto. Confortável. A menina viu
e levantou-se. Cavalheirescamente eu fiz sinal
com a mão de que ela podia continuar sentada.
Não deu certo. Ela insistiu. Nada podia detêla. Estava determinada a me ceder o lugar. Um
furacão. Tentei demovê-la com elegância. Não
queria falar para não demonstrar ressentimento
ou humilhação. [...]
Eu já gritava interiormente: “Não quero
esse lugar de maneira alguma”. A menina não
se intimidava. Ela estava certa de cumprir o
seu dever moral. Ceder o lugar para o velhinho.
Rebatia: “Aceite a sua condição, reconheça a
sua idade, cumpra o seu dever: sente-se”. Temi
que começássemos a falar em voz alta. Era um
confronto de gerações. Por um momento, refleti:
por que essa situação me incomoda tanto? Não
respondi. A menina já estava no corredor. O
lugar vago se oferecia. A moça, sentada ao lado,
continuava com as pernas no corredor abrindo
passagem para a minha instalação no banco
da janela. Eu me recusava a capitular. A plateia
aguardava ansiosamente o desfecho. Qual seria?
Por alguns minutos, ficamos os dois em pé,
a menina e eu, sem nos olharmos. Foi um longo
breve momento de tensão. [...]
O acaso entrou em campo para resolver o
impasse. Alguém se levantou noutro lugar para
descer. Corri para o novo banco disponível. Era
uma questão de honra. Fui salvo pela sorte.
A menina ficou em pé. Não voltou para o seu
lugar. O banco permaneceu vazio até que uma
jovem senhora o ocupou. O tempo passou. Meus
cabelos brancos me denunciam. O menino que
eu sinto dentro de mim já não convence. Visto
de fora, sou um velho. Preciso urgentemente me
acostumar com essa ideia. O tempo de viajar em
pé no ônibus passou para mim. Salvo em casos
de falta de educação. O meu problema, porém, é
o contrário.
Adaptado de: : <https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/
cr%C3%B4nica-sinais-da-velhice-1.343355>.. Acesso em: 24 jun.
2019.