Leia este texto, de João Ubaldo Ribeiro, para responder à
questão.
O verbo “for”
Vestibular de verdade era no meu tempo. Já estou
chegando, ou já cheguei, à altura da vida em que tudo de
bom era no meu tempo; meu e dos outros coroas. [...]
O vestibular de Direito a que me submeti, na velha
Faculdade de Direito da Bahia, tinha só quatro matérias:
português, latim, francês ou inglês e sociologia, sendo que
esta não constava dos currículos do curso secundário e a
gente tinha que se virar por fora. Nada de cruzinhas,
múltipla escolha ou matérias que não interessassem
diretamente à carreira. Tudo escrito tão
ruybarbosianamente quanto possível, com citações
decoradas, preferivelmente. [...]
Quis o irônico destino, uns anos mais tarde, que eu fosse
professor da Escola de Administração da Universidade
Federal da Bahia e me designassem para a banca de
português, com prova oral e tudo. Eu tinha fama de
professor carrasco, que até hoje considero injustíssima, e
ficava muito incomodado com aqueles rapazes e moças
pálidos e trêmulos diante de mim. Uma bela vez, chegou
um sem o menor sinal de nervosismo, muito elegante,
paletó, gravata e abotoaduras vistosas. A prova oral era
bestíssima. Mandava-se o candidato ler umas dez linhas
em voz alta (sim, porque alguns não sabiam ler) e depois
se perguntava o que queria dizer uma palavra trivial ou
outra, qual era o plural de outra e assim por diante. Esse
mal sabia ler, mas não perdia a pose. Não acertou a
responder nada. Então, eu, carrasco fictício, peguei no
texto uma frase em que a palavra "for" tanto podia ser do
verbo "ser" quanto do verbo "ir". Pronto, pensei. Se ele
distinguir qual é o verbo, considero-o um gênio, dou
quatro, ele passa e seja o que Deus quiser.
— Esse "for" aí, que verbo é esse?
Ele considerou a frase longamente, como se eu estivesse
pedindo que resolvesse a quadratura do círculo, depois
ajeitou as abotoaduras e me encarou sorridente.
— Verbo for.
— Verbo o quê?
— Verbo for.
— Conjugue aí o presente do indicativo desse verbo.
— Eu fonho, tu fões, ele fõe - recitou ele, impávido. — Nós
fomos, vós fondes, eles fõem.
Não, dessa vez ele não passou. Mas, se perseverou, deve
ter acabado passando e hoje há de estar num posto
qualquer do Ministério da Administração ou na equipe
econômica, ou ainda aposentado como marajá, ou as três
coisas. Vestibular, no meu tempo, era muito mais divertido
do que hoje e, nos dias que correm, devidamente
diplomado, ele deve estar fondo para quebrar. Fões tu?
Com quase toda a certeza, não. Eu tampouco fonho. Mas ele
fõe.