Questões Militares de Português - Tipos de Discurso: Direto, Indireto e Indireto Livre
Foram encontradas 81 questões
As desigualdades e a questão social
Há processos estruturais que estão na base das desigualdades e antagonismos que constituem a questão social. Dentre esses processos, alguns podem ser lembrados agora. O desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo, na cidade e no campo, provoca os mais diversos movimentos de trabalhadores, compreendendo indivíduos, famílias, grupos e amplos contingentes. As migrações internas atravessam os campos e as cidades, as regiões e as nações. Movimentam trabalhadores em busca de terra, trabalho, condições de vida, garantias, direitos. A industrialização e a urbanização expandem‐se de modo contínuo, por fluxos e refluxos, ou surtos. Assim como ocorre a metropolização dos maiores centros urbano‐industriais, também ocorre a abertura e reabertura das fronteiras. Os surtos de atividades agrícolas, pecuárias, extrativas, mineradoras e industriais, ao longo das várias repúblicas, assinalam os mais diversos momentos de populações e negócios, de fatores econômicos ou forças produtivas. As crescentes diversidades sociais estão acompanhadas de crescentes desigualdades sociais. Criam‐se e recriam‐se as condições de mobilidade social horizontal e vertical, simultaneamente às desigualdades e aos antagonismos. Esse é o contexto em que o emprego, desemprego, subemprego e pauperismo se tornam realidade cotidiana para muitos trabalhadores. As reivindicações, protestos e greves expressam algo deste contexto. Também os movimentos sociais, sindicatos e partidos revelam dimensões da complexidade crescente do jogo das forças sociais que se expandem com os desenvolvimentos extensivos e intensivos do capitalismo na cidade e no campo.
[...] Aos poucos, a história da sociedade parece movimentada por um vasto contingente de operários agrícolas e urbanos, camponeses, empregados e funcionários. São brancos, mulatos, negros, caboclos, índios, japoneses e outros. Conforme a época e o lugar, a questão social mescla aspectos raciais, regionais e culturais, juntamente com os econômicos e políticos. Isto é, o tecido da questão social mescla desigualdades e antagonismos de significação estrutural.
(IANNI, Octavio. Pensamento social no Brasil. Bauru: Edusc, 2004. (com adaptações).)
Tinha medo e repetia que estava em perigo, mas isto lhe pareceu tão absurdo que se pôs a rir. Medo daquilo? Nunca vira uma pessoa tremer assim. Cachorro. Ele não era dunga na cidade? não pisava os pés dos matutos, na feira? não botava gente na cadeia? Sem-vergonha, mofino.
(Graciliano Ramos, Vidas Secas)
“Minha empregada é muito abusada”
Rosana Pinheiro Machado
De todos esses exemplos, ele concluiu que abusada é aquela que quer mais do que lhe foi dado, que cobiça as coisas da patroa. A conversa ficou mais complexa porque tivemos de responder que “não”, que o oposto também era verdadeiro: uma empregada que quer “de menos” também é abusada. Seguimos explicando que, se a patroa oferece uma roupa velha, furada e fedida e empregada “tem a au-dá-cia” de não aceitar, ela é abusada.
Ele concluiu, então, que uma boa empregada seria, então, aquela que assume “o seu lugar”: não pede muito, mas aceita de bom grado o que lhe é dado. Colocando o pé para fora dessa faixa muito estreita de atuação, ela é abusada. (...)
A negação de presentes indignos por parte das empregadas traz à tona diversas camadas complexas de significados. A forma desajeitada como as patroas reagem escancara a profunda patologia social de uma classe média presa ao século XVII – provavelmente, em uma época em que ela se imagina numa casa-grande, cheia de porcelana inglesa e de escravos à volta, preferencialmente com uma negra para cozinhar. Ou melhor, ela se imagina em uma novela da Rede Globo do século XXI, onde a mulher negra ainda é explorada 24 horas por dia a serviço de suas patroas ricas.
Por tudo isso, eu penso que não aceitar qualquer presente é um marco muito importante na passagem de uma relação servil para a profissional (...). A negação revela a emergência de uma subjetividade repleta de vontades que se impõem na esfera do trabalho. É da negação que surge uma nova era no Brasil, pois ela quebra o círculo da dádiva e rompe com o poder do doador, estabelecendo uma condição de igualdade baseada na troca de serviços – e não de favores.
Ainda tem muito a ser feito e conquistado. Muito mesmo. Espero que chegue o dia em que eu não precise explicar o sentido da palavra "abusada". Neste dia, perder-se-á também alguma flexibilidade do modelo de empregadas dentro de casa. Será preciso se acostumar a ouvir “não, obrigada” e aprender a curtir genuinamente as fotos postadas daquela viagem. Neste dia, o serviço da limpeza será mais custoso, mas não há saída: esse é o preço de nosso desenvolvimento e de nossa liberdade enquanto nação.