As cidades são sistemas de alta complexidade, cujo bom funcionamento depende da ação coordenada de
diversos agentes, públicos e privados, mediada pelo direito urbanístico. Nas palavras da Constituição, a
política urbana deve propiciar o “pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bemestar de seus habitantes”. Uma vez que a cidade não é algo isolado do ambiente, o processo de urbanização
tem que se inserir harmoniosamente na natureza, de maneira a preservar os recursos naturais e os
ecossistemas. Além disso, deve ser acessível às pessoas de todas as faixas de renda, o que depende de uma
ampla oferta de imóveis para venda ou locação nas áreas dotadas de infraestrutura e da regularização de
assentamentos informais consolidados.
No Brasil, tudo isso é regulado por um detalhado arcabouço normativo de direito urbanístico produzido por
todos os entes da Federação. A Constituição de 1988 atribuiu à União competência para estabelecer regras
gerais sobre o assunto, a serem suplementadas pelos estados e municípios. Determinou também que a
propriedade cumpra uma função social e que toda cidade com mais de 20 mil habitantes aprove um plano
diretor capaz de ordenar a urbanização ou a edificação de determinados terrenos, para dar pleno
aproveitamento à infraestrutura instalada. Já existiam leis urbanísticas anteriores à Constituição – por
exemplo, sobre desapropriações (1941) e loteamentos (1979) –, porém uma legislação abrangente a respeito
do tema só surgiria em 2001, quando foi aprovada a Lei 10.257, conhecida como “Estatuto da Cidade”.
Com duas décadas completadas em julho, o Estatuto estabeleceu diretrizes de política urbana a serem
observadas pelos municípios; regulamentou o conteúdo e o processo de elaboração dos planos diretores;
instituiu novos instrumentos urbanísticos e atribuiu ao Ministério Público a defesa da ordem urbanística,
além de tipificar como improbidade administrativa uma série de ações ou omissões por parte dos prefeitos.
As diretrizes incorporaram os principais objetivos da política urbana, que abrangem aspectos sociais,
econômicos, financeiros, ambientais e políticos. Entre eles, a garantia do direito a cidades sustentáveis; a
oferta de equipamentos, serviços públicos e transporte adequados à necessidade da população; a gestão
democrática; a cooperação entre governo, iniciativa privada e terceiro setor; a contenção dos efeitos
negativos do crescimento urbano sobre o meio ambiente; o desestímulo à retenção especulativa de imóveis
urbanos; a prevenção de desastres; preservação do patrimônio cultural e do meio ambiente; consulta à
população em empreendimentos de grande porte; a regularização fundiária de assentamentos informais de
baixa renda e a simplificação da legislação urbanística, entre outros.
(PINTO, Victor Carvalho. O Estatuto da Cidade, vinte anos depois. Publicado em 29/10/2021. Disponível em:
https://piaui.folha.uol.com.br/o-estatuto-da-cidade-vinte-anos-depois/. Acesso em 28 ago. 2022.)