Desde seu primeiro livro para crianças, A menina do
narizinho arrebitado, Monteiro Lobato fixa o espaço e boa
parte do elenco que vai ocupá-lo e ocupar-se em aventuras
de todo tipo: é o Sítio do Picapau Amarelo, propriedade de
Dona Benta, que vive originalmente acompanhada de sua
neta Lúcia, conhecida por Narizinho, e de uma cozinheira antiga e fiel, Tia Nastácia. Trata-se de uma população
pequena para preencher um cenário tão grande, mas as
personagens multiplicam-se rapidamente.
São os laços familiares que garantem a união do grupo, mas o Sítio do Picapau Amarelo constitui sempre o ponto
de entrada de todas as narrativas: as desempenhadas pelos
netos de Dona Benta e as que alojam heróis provenientes do
exterior e de outras histórias, introduzidos pela voz da velha
senhora.
Assim, o sítio não é apenas o cenário onde a ação pode
transcorrer. Ele representa igualmente uma concepção do
mundo, da sociedade e do Brasil, bem como uma tomada
de posição a propósito da criação de obras para a infância,
como se vê no trecho de O irmão de Pinóquio:
A moda de Dona Benta ler era boa. Lia “diferente” dos
livros. Como quase todos os livros para crianças que há no
Brasil são muito sem graça, cheios de termos do tempo do
Onça ou só usados em Portugal, a boa velha lia traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil de hoje.
Onde estava, por exemplo, “lume”, lia “fogo”; onde estava “lareira”, lia “varanda”. E sempre que dava com um “botou-o”
ou “comeu-o”, lia “botou ele”, “comeu ele” – e ficava o dobro
mais interessante.
(Marisa Lajolo e Regina Zilberman. Literatura infantil brasileira –
história & histórias. Editora Unesp. Adaptado)